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São Paulo, sexta-feira, 17 de janeiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Tudo errado na infra-estrutura

ERIKSOM TEIXEIRA LIMA E MARCELO TRINDADE MITERHOF

Em artigo publicado nesta Folha (4/5/02), apontávamos erros nas políticas de exportação que impediam a superação da frágil situação externa do país. Neste, infelizmente temos de reafirmar: após o final do governo FHC, também está tudo errado na infra-estrutura.
O governo FHC optou pela "financeirização" como cardápio único para suas políticas. As alterações na Constituição visaram a implantar um ambiente pró-mercado, apesar de proclamar a prioridade ao "atendimento ao consumidor" e a "eliminação das distorções que impediriam o bem-estar social". Brande-se a necessidade de reduzir o "custo Brasil", conceito difuso e impreciso que englobaria todas as vicissitudes que afetariam a economia nacional "vis-à-vis" o resto do mundo.
Na política para a infra-estrutura, optou-se pelo caminho fácil de atrair investidores para o setor. As ações, inclusive as privatizações, tiveram como fim primordial assegurar o fluxo de divisas para garantir a estabilidade do Real, jamais resolver problemas e construir o futuro. Essa trajetória equivocada consolidará o modelo de subordinação da economia brasileira. Pior, tal trajetória aumentará o próprio "custo Brasil".
Erros primários cometidos na privatização dos transportes transformaram as ferrovias em centros de custo de suas controladoras ou instrumentos para mera valorização das cotas de seus acionistas, o que impede o ressurgimento do transporte ferroviário e obriga a mais investimentos desnecessários, como o rodoanel. Ao lado desse, observa-se mais desperdício em projetos questionáveis como Sepetiba, Pecém, Ferro-Oeste, entre outros. Quanto às rodovias, a maior parte continua abandonada. Só uma pequena parcela, concentrada nas regiões Sul e Sudeste, tem nos pedágios um modelo de financiamento. Ainda assim, um modelo precário, sujeito a interferências políticas e com tarifas altas.
No setor elétrico, a situação é pior. A Eletrobrás apontou há mais de uma década a premência de investimentos na geração e na transmissão de energia. Privatizaram-se as distribuidoras, fontes de lucro fácil e imediato, mas praticamente nada foi investido no prioritário. O apagão era previsível, e continua a ser, na medida em que as hidrelétricas operam no limite de sua capacidade. Não há interesse efetivo das multinacionais na geração térmica, dada a baixa rentabilidade do setor diante das incertezas cambiais. Por causa disso, fracassam as tentativas de atração de novos investidores, embora haja empréstimos subsidiados até para pagar dividendos. A Petrobras, que poderia usar o gás da bacia de Campos e de suas reservas internacionais, além do potencial térmico de suas refinarias, tem sua atuação restrita pelas agências de regulação. Resultado: apagão, péssimos serviços e aumentos descabidos de tarifas.
No setor de telecomunicações, proclama-se o sucesso da expansão da rede, mas isso ocorreu graças à extinção do modelo de autofinanciamento (planos de expansão) que engessava a Telebrás. O que não era permitido à estatal foi liberado para o capital internacional. O modelo concorrencial adotado, ineficiente até nos EUA, assegura lucros fáceis às operadoras locais, que monopolizam a chamada "última milha" e, assim, dominam o uso e a oferta de serviços ao usuário. Como contrapartida, as novas operadoras contribuíram com suas políticas de compras para os rombos na balança comercial e para a falência de uma trajetória de sucesso no desenvolvimento de tecnologia nacional.
Claro que não era isso o desejado. Obviamente, esperava-se que as concessionárias, sob a lógica do capital privado, aumentassem a oferta e melhorassem a qualidade dos serviços de infra-estrutura, porém não há exigências articuladas expressas em contratos. Nada há que obrigue às empresas concessionárias a adotarem estratégias que sejam coincidentes com os interesses nacionais.
Quanto às agências de regulação, não se encontra paradigma no mundo, uma vez que elas nada regulam. Há inchaço de pessoal, proliferação de agências, transferência de funções típicas de Estado para autarquias com autonomia financeira e mandatos fixos de diretores, o que impede a mudança do modelo econômico repudiado pelos brasileiros. Somente com uma completa reestruturação, com dissolução e/ou fusões, é que se poderá implementar políticas adequadas à construção de um país soberano, que assegure a satisfação das necessidades de sua população.
Não é possível pensar o futuro sem corrigir os erros do passado. Qualquer estudante de economia sabe que uma trajetória condiciona o futuro e revela as escolhas do passado. Para mudá-la, é obrigatório corrigir os erros e construir uma nova institucionalidade. Somente questionando o passado é que se pode retificar opções para poder respeitar o contrato mais importante em uma sociedade civilizada, o contrato social.


Eriksom Teixeira Lima é economista e trabalha no BNDES desde 1984. E-mail: eriksom@uol.com.br. Marcelo Trindade Miterhof, economista, mestre pela Unicamp, trabalha no BNDES. Foi editorialista da Folha. E-mail: marcelomiterhof@uol.com.br.
Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Luiz Carlos Mendonça de Barros, que escreve nesta coluna às sextas-feiras.


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