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OPINIÃO ECONÔMICA
Tudo errado na infra-estrutura
ERIKSOM TEIXEIRA LIMA E MARCELO TRINDADE MITERHOF
Em artigo publicado nesta
Folha (4/5/02), apontávamos
erros nas políticas de exportação
que impediam a superação da
frágil situação externa do país.
Neste, infelizmente temos de reafirmar: após o final do governo
FHC, também está tudo errado
na infra-estrutura.
O governo FHC optou pela "financeirização" como cardápio
único para suas políticas. As alterações na Constituição visaram a
implantar um ambiente pró-mercado, apesar de proclamar a prioridade ao "atendimento ao consumidor" e a "eliminação das distorções que impediriam o bem-estar social". Brande-se a necessidade de reduzir o "custo Brasil",
conceito difuso e impreciso que
englobaria todas as vicissitudes
que afetariam a economia nacional "vis-à-vis" o resto do mundo.
Na política para a infra-estrutura, optou-se pelo caminho fácil
de atrair investidores para o setor. As ações, inclusive as privatizações, tiveram como fim primordial assegurar o fluxo de divisas
para garantir a estabilidade do
Real, jamais resolver problemas e
construir o futuro. Essa trajetória
equivocada consolidará o modelo
de subordinação da economia
brasileira. Pior, tal trajetória aumentará o próprio "custo Brasil".
Erros primários cometidos na
privatização dos transportes
transformaram as ferrovias em
centros de custo de suas controladoras ou instrumentos para mera
valorização das cotas de seus
acionistas, o que impede o ressurgimento do transporte ferroviário
e obriga a mais investimentos
desnecessários, como o rodoanel.
Ao lado desse, observa-se mais
desperdício em projetos questionáveis como Sepetiba, Pecém,
Ferro-Oeste, entre outros. Quanto
às rodovias, a maior parte continua abandonada. Só uma pequena parcela, concentrada nas regiões Sul e Sudeste, tem nos pedágios um modelo de financiamento. Ainda assim, um modelo precário, sujeito a interferências políticas e com tarifas altas.
No setor elétrico, a situação é
pior. A Eletrobrás apontou há
mais de uma década a premência
de investimentos na geração e na
transmissão de energia. Privatizaram-se as distribuidoras, fontes
de lucro fácil e imediato, mas praticamente nada foi investido no
prioritário. O apagão era previsível, e continua a ser, na medida
em que as hidrelétricas operam
no limite de sua capacidade. Não
há interesse efetivo das multinacionais na geração térmica, dada
a baixa rentabilidade do setor
diante das incertezas cambiais.
Por causa disso, fracassam as tentativas de atração de novos investidores, embora haja empréstimos subsidiados até para pagar
dividendos. A Petrobras, que poderia usar o gás da bacia de Campos e de suas reservas internacionais, além do potencial térmico
de suas refinarias, tem sua atuação restrita pelas agências de regulação. Resultado: apagão, péssimos serviços e aumentos descabidos de tarifas.
No setor de telecomunicações,
proclama-se o sucesso da expansão da rede, mas isso ocorreu graças à extinção do modelo de autofinanciamento (planos de expansão) que engessava a Telebrás. O
que não era permitido à estatal
foi liberado para o capital internacional. O modelo concorrencial
adotado, ineficiente até nos EUA,
assegura lucros fáceis às operadoras locais, que monopolizam a
chamada "última milha" e, assim, dominam o uso e a oferta de
serviços ao usuário. Como contrapartida, as novas operadoras contribuíram com suas políticas de
compras para os rombos na balança comercial e para a falência
de uma trajetória de sucesso no
desenvolvimento de tecnologia
nacional.
Claro que não era isso o desejado. Obviamente, esperava-se que
as concessionárias, sob a lógica do
capital privado, aumentassem a
oferta e melhorassem a qualidade
dos serviços de infra-estrutura,
porém não há exigências articuladas expressas em contratos. Nada há que obrigue às empresas
concessionárias a adotarem estratégias que sejam coincidentes
com os interesses nacionais.
Quanto às agências de regulação, não se encontra paradigma
no mundo, uma vez que elas nada regulam. Há inchaço de pessoal, proliferação de agências,
transferência de funções típicas
de Estado para autarquias com
autonomia financeira e mandatos fixos de diretores, o que impede a mudança do modelo econômico repudiado pelos brasileiros.
Somente com uma completa reestruturação, com dissolução e/ou
fusões, é que se poderá implementar políticas adequadas à construção de um país soberano, que
assegure a satisfação das necessidades de sua população.
Não é possível pensar o futuro
sem corrigir os erros do passado.
Qualquer estudante de economia
sabe que uma trajetória condiciona o futuro e revela as escolhas do
passado. Para mudá-la, é obrigatório corrigir os erros e construir
uma nova institucionalidade. Somente questionando o passado é
que se pode retificar opções para
poder respeitar o contrato mais
importante em uma sociedade civilizada, o contrato social.
Eriksom Teixeira Lima é economista e
trabalha no BNDES desde 1984. E-mail:
eriksom@uol.com.br. Marcelo Trindade
Miterhof, economista, mestre pela Unicamp, trabalha no BNDES. Foi editorialista da Folha. E-mail:
marcelomiterhof@uol.com.br.
Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Luiz Carlos
Mendonça de Barros, que escreve nesta coluna às sextas-feiras.
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