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ANÁLISE
Países ricos agora viram risco
NOURIEL ROUBINI
Os deficit fiscais e dívidas inflados que temos hoje estão alimentando preocupações sobre
o risco soberano de muitas economias avançadas. Tradicionalmente, o risco soberano
sempre se concentrou nas economias de mercado emergente.
Afinal, nos últimos dez anos ou
pouco mais, Rússia, Argentina
e Equador decretaram moratórias de suas dívidas públicas,
enquanto Paquistão, Ucrânia e
Uruguai as reestruturaram de
forma coercitiva, usando a
ameaça de uma moratória.
Mas, em larga medida -com
algumas poucas exceções na
Europa central e na oriental-,
as economias de mercado
emergente melhoraram seu desempenho fiscal ao reduzir
seus deficit agregados, manter
grandes superavit primários,
reduzir a relação entre dívida e
PIB e atenuar as disparidades
cambiais e de vencimento em
seus títulos de dívida pública.
Como resultado, o risco soberano hoje é um problema mais
grave em economias avançadas
do que na maioria das economias de mercado emergente.
De fato, rebaixamentos pelas
agências de classificação de
crédito, um alargamento dos
ágios soberanos e leilões fracassados de títulos de dívida
pública em países como Reino
Unido, Grécia, Irlanda e Espanha ofereceram um sóbrio lembrete, no ano passado, de que, a
menos que as economias avançadas comecem a colocar a casa
em ordem, em termos fiscais,
investidores, operadores patrulheiros nos mercados de títulos e agências de classificação
de crédito podem deixar de ser
aliados e virar inimigos.
A severa recessão, combinada à crise financeira de 2008/9,
agravou as posições fiscais dos
países desenvolvidos, devido
aos gastos de estímulo, à queda
na arrecadação tributária e aos
esforços de proteção e resgate
dos setores financeiros.
O impacto foi maior em países que tinham um histórico de
problemas fiscais estruturais,
mantinham políticas fiscais
frouxas e ignoraram as reformas fiscais durante os anos de
boom. No futuro, uma recuperação econômica fraca e uma
população envelhecida devem
elevar a carga de dívidas em
muitas economias avançadas,
entre as quais Estados Unidos,
Reino Unido, Japão e diversos
países da zona do euro.
Ameaça
O mais ameaçador é que a
monetização desses deficit fiscais está se tornando um padrão em muitas economias
avançadas, desde que os bancos
centrais começaram a ampliar
a base monetária por meio de
aquisições maciças de títulos
governamentais de curto e de
longo prazo.
Vai chegar a hora em que
grandes deficit fiscais monetizados conduzirão a um descarrilamento fiscal e/ou uma ascensão nas expectativas inflacionárias que poderia resultar
em forte elevação nos rendimentos dos títulos públicos de
longo prazo, pondo fim a uma
recuperação econômica provisória e por enquanto frágil.
Estímulos fiscais são um negócio complicado. As autoridades econômicas sofrem ao adotá-los, mas também sofrem caso não o façam.
Se os estímulos forem cancelados cedo demais, por meio de
alta de impostos, corte de gastos e enxugamento da liquidez
excessiva, a economia poderá
voltar à recessão e à deflação.
Mas, se as autoridades permitirem que os deficit fiscais monetizados continuem a correr soltos, a elevação nos rendimentos em longo prazo estrangulará o crescimento.
Os países que tinham posições fiscais mais fracas inicialmente, a exemplo de Grécia,
Reino Unido, Irlanda, Espanha
e Islândia, viram-se forçados
pelo mercado a implementar
consolidação fiscal antecipada.
Embora isso possa prejudicar o crescimento, o ganho de
credibilidade na política fiscal
talvez venha a impedir um salto
destrutivo nos rendimentos
dos títulos públicos de longo
prazo. Assim, a consolidação
fiscal antecipada pode ter resultados líquidos expansivos.
Mão de obra cara
Para os membros da ala
"Club Med" da zona do euro,
Itália, Espanha, Grécia e Portugal, os problemas de dívida pública se somaram a uma perda
de competitividade internacional. Esses países já haviam perdido mercados de exportação
para a China e outros países
asiáticos cuja base industrial
envolve baixo valor adicionado
e alto uso de mão de obra.
Em seguida, uma década de
avanços superiores aos ganhos
de produtividade, nos salários
nominais, resultou em alta no
custo da unidade de mão de
obra, em valorização da taxa de
câmbio real e em grandes deficit em conta-corrente.
A recente alta acentuada do
euro agravou ainda mais esse
problema de competitividade,
reduzindo adicionalmente o
crescimento e agravando os desequilíbrios fiscais.
Assim, a questão será determinar a disposição desses países da zona do euro para sofrer
consolidação fiscal dolorosa e
depreciação real interna por
meio de deflação e reformas estruturais, a fim de elevar o crescimento da produtividade e
prevenir um desfecho ao modo
argentino: abandono da união
monetária, desvalorização
cambial e moratória.
Países como Letônia e Hungria demonstraram estar dispostos a passar por isso. Mas
ainda resta determinar se Grécia, Espanha e outros países da
zona do euro aceitarão ajustes
altamente dolorosos.
Os EUA e o Japão talvez estejam entre os últimos a enfrentar a ira dos patrulheiros dos
mercados de títulos públicos: o
dólar é a principal moeda mundial de reserva, e o acúmulo de
reservas no exterior, em sua
maioria na forma de títulos do
governo americano, continua a
crescer rapidamente. O Japão é
um país credor, em termos líquidos, e em larga medida consegue financiar suas dívidas no
mercado interno.
Mas o investidor encarará
mesmo esses países com cada
vez mais cautela caso a consolidação fiscal necessária seja
postergada. Os EUA são um
país devedor, com população
envelhecida, benefícios sem
base de cobertura nas áreas social e de saúde e apresentam recuperação econômica anêmica
e riscos de monetização continuada do deficit fiscal.
O Japão está envelhecendo
ainda mais rápido, e a estagnação econômica reduz a poupança nacional, enquanto a dívida
pública se aproxima da marca
de 200% do PIB.
Ilusão
Os Estados Unidos também
enfrentam restrições políticas
a uma consolidação fiscal. Os
norte-americanos estão se iludindo com a ideia de que podem desfrutar de gastos sociais
à moda europeia, mas mantendo alíquotas tributárias baixas,
como na era do presidente Reagan. Pelo menos na Europa os
eleitores estão dispostos a pagar mais impostos pelos serviços públicos que recebem.
Se o Partido Democrata sair
derrotado nas eleições legislativas de novembro, haverá risco
de deficit fiscais persistentes,
com vetos dos republicanos aos
aumentos de impostos e vetos
dos democratas aos cortes de
gastos.
Monetizar os deficit fiscais seria o caminho de menor
resistência. Imprimir dinheiro
é muito mais fácil do que adotar
medidas de redução de deficit,
sempre dolorosas do ponto de
vista político.
Mas, se os Estados Unidos
utilizarem o imposto inflacionário como forma de reduzir o
valor real da dívida pública, o
risco de um colapso desordenado do dólar norte-americano
subiria acentuadamente. Os
credores estrangeiros do país
não aceitariam a redução acentuada no valor real de seus ativos em dólares que uma deterioração do dólar via inflação e
desvalorização acarretaria.
Uma corrida desabalada em
busca de refúgio poderia resultar no colapso do dólar, em alta
nas taxas de juros de longo prazo e em uma severa recessão de
duplo mergulho.
NOURIEL ROUBINI é presidente da RGE Monitor ( www.rgemonitor.com ) e professor da Escola Stern de Administração de Empresas, na Universidade de Nova York.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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