São Paulo, domingo, 17 de janeiro de 2010

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ANÁLISE

Países ricos agora viram risco

NOURIEL ROUBINI

Os deficit fiscais e dívidas inflados que temos hoje estão alimentando preocupações sobre o risco soberano de muitas economias avançadas. Tradicionalmente, o risco soberano sempre se concentrou nas economias de mercado emergente. Afinal, nos últimos dez anos ou pouco mais, Rússia, Argentina e Equador decretaram moratórias de suas dívidas públicas, enquanto Paquistão, Ucrânia e Uruguai as reestruturaram de forma coercitiva, usando a ameaça de uma moratória.
Mas, em larga medida -com algumas poucas exceções na Europa central e na oriental-, as economias de mercado emergente melhoraram seu desempenho fiscal ao reduzir seus deficit agregados, manter grandes superavit primários, reduzir a relação entre dívida e PIB e atenuar as disparidades cambiais e de vencimento em seus títulos de dívida pública.
Como resultado, o risco soberano hoje é um problema mais grave em economias avançadas do que na maioria das economias de mercado emergente.
De fato, rebaixamentos pelas agências de classificação de crédito, um alargamento dos ágios soberanos e leilões fracassados de títulos de dívida pública em países como Reino Unido, Grécia, Irlanda e Espanha ofereceram um sóbrio lembrete, no ano passado, de que, a menos que as economias avançadas comecem a colocar a casa em ordem, em termos fiscais, investidores, operadores patrulheiros nos mercados de títulos e agências de classificação de crédito podem deixar de ser aliados e virar inimigos.
A severa recessão, combinada à crise financeira de 2008/9, agravou as posições fiscais dos países desenvolvidos, devido aos gastos de estímulo, à queda na arrecadação tributária e aos esforços de proteção e resgate dos setores financeiros.
O impacto foi maior em países que tinham um histórico de problemas fiscais estruturais, mantinham políticas fiscais frouxas e ignoraram as reformas fiscais durante os anos de boom. No futuro, uma recuperação econômica fraca e uma população envelhecida devem elevar a carga de dívidas em muitas economias avançadas, entre as quais Estados Unidos, Reino Unido, Japão e diversos países da zona do euro.

Ameaça
O mais ameaçador é que a monetização desses deficit fiscais está se tornando um padrão em muitas economias avançadas, desde que os bancos centrais começaram a ampliar a base monetária por meio de aquisições maciças de títulos governamentais de curto e de longo prazo.
Vai chegar a hora em que grandes deficit fiscais monetizados conduzirão a um descarrilamento fiscal e/ou uma ascensão nas expectativas inflacionárias que poderia resultar em forte elevação nos rendimentos dos títulos públicos de longo prazo, pondo fim a uma recuperação econômica provisória e por enquanto frágil. Estímulos fiscais são um negócio complicado. As autoridades econômicas sofrem ao adotá-los, mas também sofrem caso não o façam. Se os estímulos forem cancelados cedo demais, por meio de alta de impostos, corte de gastos e enxugamento da liquidez excessiva, a economia poderá voltar à recessão e à deflação.
Mas, se as autoridades permitirem que os deficit fiscais monetizados continuem a correr soltos, a elevação nos rendimentos em longo prazo estrangulará o crescimento. Os países que tinham posições fiscais mais fracas inicialmente, a exemplo de Grécia, Reino Unido, Irlanda, Espanha e Islândia, viram-se forçados pelo mercado a implementar consolidação fiscal antecipada.
Embora isso possa prejudicar o crescimento, o ganho de credibilidade na política fiscal talvez venha a impedir um salto destrutivo nos rendimentos dos títulos públicos de longo prazo. Assim, a consolidação fiscal antecipada pode ter resultados líquidos expansivos.

Mão de obra cara
Para os membros da ala "Club Med" da zona do euro, Itália, Espanha, Grécia e Portugal, os problemas de dívida pública se somaram a uma perda de competitividade internacional. Esses países já haviam perdido mercados de exportação para a China e outros países asiáticos cuja base industrial envolve baixo valor adicionado e alto uso de mão de obra.
Em seguida, uma década de avanços superiores aos ganhos de produtividade, nos salários nominais, resultou em alta no custo da unidade de mão de obra, em valorização da taxa de câmbio real e em grandes deficit em conta-corrente.
A recente alta acentuada do euro agravou ainda mais esse problema de competitividade, reduzindo adicionalmente o crescimento e agravando os desequilíbrios fiscais. Assim, a questão será determinar a disposição desses países da zona do euro para sofrer consolidação fiscal dolorosa e depreciação real interna por meio de deflação e reformas estruturais, a fim de elevar o crescimento da produtividade e prevenir um desfecho ao modo argentino: abandono da união monetária, desvalorização cambial e moratória.
Países como Letônia e Hungria demonstraram estar dispostos a passar por isso. Mas ainda resta determinar se Grécia, Espanha e outros países da zona do euro aceitarão ajustes altamente dolorosos. Os EUA e o Japão talvez estejam entre os últimos a enfrentar a ira dos patrulheiros dos mercados de títulos públicos: o dólar é a principal moeda mundial de reserva, e o acúmulo de reservas no exterior, em sua maioria na forma de títulos do governo americano, continua a crescer rapidamente. O Japão é um país credor, em termos líquidos, e em larga medida consegue financiar suas dívidas no mercado interno.
Mas o investidor encarará mesmo esses países com cada vez mais cautela caso a consolidação fiscal necessária seja postergada. Os EUA são um país devedor, com população envelhecida, benefícios sem base de cobertura nas áreas social e de saúde e apresentam recuperação econômica anêmica e riscos de monetização continuada do deficit fiscal. O Japão está envelhecendo ainda mais rápido, e a estagnação econômica reduz a poupança nacional, enquanto a dívida pública se aproxima da marca de 200% do PIB.


Ilusão
Os Estados Unidos também enfrentam restrições políticas a uma consolidação fiscal. Os norte-americanos estão se iludindo com a ideia de que podem desfrutar de gastos sociais à moda europeia, mas mantendo alíquotas tributárias baixas, como na era do presidente Reagan. Pelo menos na Europa os eleitores estão dispostos a pagar mais impostos pelos serviços públicos que recebem.
Se o Partido Democrata sair derrotado nas eleições legislativas de novembro, haverá risco de deficit fiscais persistentes, com vetos dos republicanos aos aumentos de impostos e vetos dos democratas aos cortes de gastos.
Monetizar os deficit fiscais seria o caminho de menor resistência. Imprimir dinheiro é muito mais fácil do que adotar medidas de redução de deficit, sempre dolorosas do ponto de vista político.
Mas, se os Estados Unidos utilizarem o imposto inflacionário como forma de reduzir o valor real da dívida pública, o risco de um colapso desordenado do dólar norte-americano subiria acentuadamente. Os credores estrangeiros do país não aceitariam a redução acentuada no valor real de seus ativos em dólares que uma deterioração do dólar via inflação e desvalorização acarretaria.
Uma corrida desabalada em busca de refúgio poderia resultar no colapso do dólar, em alta nas taxas de juros de longo prazo e em uma severa recessão de duplo mergulho.

NOURIEL ROUBINI é presidente da RGE Monitor ( www.rgemonitor.com ) e professor da Escola Stern de Administração de Empresas, na Universidade de Nova York.

Tradução de PAULO MIGLIACCI



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