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ANÁLISE
Estratégias discursivas do poder monetário
WALNICE NOGUEIRA GALVÃO
Quando se sabe que o presidente norte-americano acaba de apresentar à nação um orçamento que omite a despesa com a
guerra do Afeganistão, assim evitando que acusasse déficit, logo se
vê que, em questão de governantes e dos economistas que trazem
pela coleira (ou vice-versa), tudo é
possível.
A ata da última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), órgão do Banco Central [que
inicia hoje nova reunião], faz o leitor cair de costas. São páginas e
páginas de impenetrável economês, visando a que o leitor não
perceba que a inflação aumentou
e deve continuar aumentando:
conclusão que se encontra embutida na própria ata.
Os malabarismos de linguagem
são admiráveis e começam logo,
quando o leitor, no primeiro parágrafo, desconfia que deve haver
alguma diferença entre "significativamente inferior" e "expressivamente inferior". Lê de novo, vai
conferir, e há. No primeiro caso, o
resultado mostra-se favorável
quando comparado às estimativas dos analistas. Quando não se
trata de vagas estimativas de vagos analistas, e a comparação se
faz com parâmetro firme, emitido
por uma fonte oficial, e o resultado é negativo, é o segundo caso.
E depois há o IPCA, ou Índice
de Preços ao Consumidor Amplo:
quem é amplo? O índice? O consumidor? Ou ambos?. Para calcular o IPCA, saiba o desavisado leitor que vigoram diferentes preços, os quais exercem pressões sobre os índices, constituindo "contribuições individuais" de três tipos: preços livres, preços monitorados ou administrados (que podem ou não ser a mesma coisa) e
oligopolizados.
Quanto a médias, o leitor pensa
que a média de "dois mais quatro" é igual a três, como aprendeu
na escola primária. Era: não é
mais. Depende. Pois há "médias
aparadas" e médias submetidas a
"procedimento de suavização". O
que será isso, meu Deus? Ou seja,
se as médias reagem mal quando
aparadas (o que já deve doer), serão amarradas esperneando e
obrigadas a sabe-se lá o quê? Ignomínias, tormentos? Serão drogadas? Aplicam-lhes o soro da
verdade? Passam pelo detector de
mentiras? Ou apenas levam um
cascudo?
Mas isso ainda não é nada. Logo
em seguida, o leitor fica sabendo
que as quebrantadas médias podem renegar suas convicções e se
tornar "médias aparadas simétricas". Aí, sim: depois de tudo por
que passaram, estarão perfeitamente enquadradas.
Para justificar altas de preços, a
ata vai fazendo abundante uso de
"fatores sazonais" e da famigerada "entressafra" e é só mais para o
fim que o leitor ficará sabendo
que a alta é geral. Que alívio! Pelo
menos o motivo não reside em esquisitices desse jaez.
Mas novo susto o aguarda, no
parágrafo "10 d", quando a ata fala de um "modelo de determinação endógena de preços administrados". Nossa confiança é renovada, todavia, quando nos declaram peremptoriamente que essa é
a base para a projeção dos reajustes. Depois dos "termos dessazonalizados" do parágrafo 16, descobrimos, enfim, no parágrafo 31
-e com que alegria, pois já esperávamos o pior- que a inflação
aumentou, o que era tudo que a
ata queria ao mesmo tempo camuflar e defender. Se era só isso,
não carecia de ter submetido o leitor a tanta agonia. Mesmo deixando para trás o parágrafo "10 e",
onde colidem "spread" e "swap",
taxa Selic e modelo VAR.
Das três, uma. Ou bem eles não
sabem do que estão falando. Ou
bem não querem que o leitor saiba que eles não sabem do que estão falando. Ou bem sabem do
que estão falando, mas não querem que o leitor saiba. Donde a
tergiversação sem fim, intimidando o leitor com um labirinto de cifras e siglas, para decretar que só a
onipotência dos economistas
-esses titãs- se interpõe entre
nós e o caos.
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