São Paulo, Quarta-feira, 17 de Fevereiro de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA
Criar na crise

PIO GUERRA

O ônus maior da grave crise por que passa o país atinge as micro e pequenas empresas, que, pelo porte e pela estrutura, são o elo mais fraco do sistema produtivo. A combinação perversa de vários fatores, especialmente os juros elevadíssimos e a desaceleração da atividade econômica, está a exigir, talvez mais do que em qualquer outro momento da vida nacional, uma política pública para a micro e a pequena empresa. Se já se disse que é na crise que a gente aprende, cria e inova, por que não fazê-lo agora?
Uma política pública global para o segmento não significa, ressalte-se de imediato, reviver uma outra língua do pê de que fala a tropicalista canção de Gilberto Gil -ou seja, estabelecer privilégios, paternalismo, protecionismo. Propõe-se, isso sim, alavancar um segmento de fundamental importância na economia. É preciso colocar a questão da micro e pequena empresa na real discussão nacional, levando a soluções -que não são mirabolantes, requerendo apenas e tão-somente vontade política- para ampliar a participação delas no desenvolvimento econômico e social brasileiro.
Estamos falando, afinal, de um segmento de mais de 4,5 milhões de estabelecimentos, que responde por 60% do emprego e 20% do PIB. Além de democratizar as oportunidades e gerar empregos, as micro e pequenas empresas são onipresentes -isto é, estão em todo canto e não apenas localizadamente, como a grande empresa- e absorvem pessoas menos qualificadas, nem sempre admitidas na grande empresa. Sua presença na rede de fornecedores das grandes empresas, a abertura de novos espaços econômicos no país e a crescente terceirização de serviços criam, ademais, a possibilidade para que aumente a oferta de oportunidades de trabalho.
Como ressalta estudo encomendado pelo Sebrae, as micro e pequenas empresas não competem com a grande empresa, mas, ao contrário, integram-se na cadeia produtiva, com claras vantagens competitivas em relação às empresas maiores, pela sua flexibilidade. É uma característica que as torna capazes de absorver com rapidez e eficiência novas demandas, nichos de mercado e tecnologias. O desenvolvimento do segmento, portanto, tem de ser visto como parte integrante do desenvolvimento da economia como um todo, como aliás têm reiterado os ministros do Desenvolvimento, Celso Lafer, e do Trabalho, Francisco Dornelles.
É falsa a percepção de que as micro e pequenas empresas se constituem numa etapa do desenvolvimento de um país, necessariamente transitória, porque se transformarão mais adiante em médias e grandes empresas. A experiência da Itália e dos Estados Unidos, para citar apenas dois países, demonstra ser tal tese uma falácia. Não é justificativa, portanto, para que não se tenha uma política pública global para os pequenos empresários. Em favor deles, é fácil fazer discurso, por se tratar de boa e simpática causa, mas é difícil colocá-lo em prática, como demonstra, por exemplo, a inexpressiva adesão dos Estados ao Simples.
Como a pequena empresa, não há dúvida, é dinamizadora da economia como um todo, apoiá-la com mecanismos permanentes é uma forma de espantar a crise. Alguns passos já foram dados, como a criação do Simples e do Fácil, central de atendimento empresarial, uma iniciativa do Departamento Nacional de Registro do Comércio, em parceria com o Sebrae e outros organismos, que agiliza a criação de pequenas empresas. São iniciativas que precisam, contudo, ser multiplicadas.
Outra decisão louvável do presidente Fernando Henrique Cardoso, a criação da Apex (Agência de Promoção de Exportações), no âmbito do Sebrae, vem atuando no esforço de ampliar a participação da pequena empresa nas exportações; mas uma parceria estreita do BNDES com a Apex seria bem-vinda.
Esses passos são muito pouco, porém. Para estabelecer uma política pública global para a micro e a pequena empresa, régua e compasso estão dados: é bastante eliminar para elas a burocracia, em especial nas áreas jurídica e contábil; reduzir-lhes a carga tributária, diminuir os encargos trabalhistas, facilitar o acesso delas ao crédito. É bastante, repito, vontade política. Invertendo os sábios dizeres do mestre Roberto Campos no discurso de despedida do Legislativo: feito isso, o Brasil, certamente, ficará perto demais da riqueza atingível e longe demais da pobreza corrigível.


Pio Guerra, 49, engenheiro agrônomo, é vice-presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura) e presidente do Conselho Deliberativo Nacional do Sebrae.


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