São Paulo, quarta-feira, 17 de maio de 2006

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CRISE NO CAMPO

Diferentemente de anos anteriores, principais credores da agricultura são indústrias, fornecedores e cooperativas

Maior parte das dívidas não é com bancos

SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Mais do que os bilhões de reais em dívidas cujos pagamentos os agricultores querem empurrar para a frente, o que tem tirado o sono do governo é o fato de que a crise no setor rural extrapola o mero relacionamento banco-produtor e atinge outras áreas, como comércio e indústria, afetando diretamente a renda no interior do país, onde a atividade é mais forte. Em um ano eleitoral, isso pode se traduzir também em prejuízos políticos.
Diferentemente das crises anteriores, desta vez o endividamento do setor agrícola não está concentrado no setor financeiro. De acordo com dados do Ministério da Agricultura, cerca de 60% das dívidas estão fora dos bancos. São créditos que a indústria, cooperativas e fornecedores em geral esperam para receber dos agricultores. Se isso não acontecer, poderá haver um efeito cascata.
Em alguns Estados, a situação é mais dramática. É o caso de Mato Grosso, onde o governador Blairo Maggi (PPS) lidera o movimento para pressionar o governo por mais recursos, renegociação de dívidas e desoneração para o setor. A discussão sobre esses temas tem colocado em lados opostos novamente os ministérios da Fazenda e da Agricultura.
Segundo Homero Pereira, presidente da Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso, dos R$ 3 bilhões devidos pelos produtores locais, apenas 25% são com os bancos.
"Isso ameaça empregos. Por isso o movimento atual não é só dos produtores, mas da sociedade civil, que também está sendo afetada", diz ele, lembrando que a agricultura representa quase 70% da produção total do Mato Grosso.
Com isso, os problemas do campo acabam contaminando as cidades. Dificilmente, alegam os especialistas nessa área, o problema será resolvido apenas com a renegociação de dívida já anunciada ou mesmo com apoio para comercialização de produtos. As entidades ligadas ao setor exigem mais e insistem em desoneração de tributos, coisa que os técnicos do Ministério da Fazenda continuam rejeitando.

Novas medidas
Há cerca de um mês, o ministro Roberto Rodrigues (Agricultura) anunciou que o pacote com medidas para o setor incluiria a redução de tributos. As propostas enviadas para análise na Fazenda empacaram na Receita Federal. A promessa é de anúncio de um pacote no final deste mês, mas a discussão de desoneração ainda está emperrada e serve como pano de fundo de uma nova encrenca entre Fazenda e Agricultura.
A Fazenda teme que isso abra precedente para outros setores que já estão batendo à porta do ministério com o mesmo tipo de pedido. Com isso, tenta arrumar uma solução paliativa.
Ontem, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) esteve com o ministro Guido Mantega (Fazenda) pedindo desoneração tributária para projetos produtivos que não agridam o ambiente e são considerados sustentáveis.
Antes dela, já passaram por lá representantes de montadoras de veículos, sem falar nos produtores de calçados e na indústria moveleira. Por isso, a fórmula é complicada, dizem técnicos da Fazenda, que, garantem, estão estudando alternativas.

Ainda mais
Na avaliação dos produtores, a participação das dívidas com o sistema não-financeiro é ainda maior do que os 60% previstos pelo Ministério da Agricultura. Em algumas regiões do país, ela chega a 80% do total.
Com um cenário altamente favorável em 2004, quando os preços das commodities, principalmente o da soja, atingiram níveis recordes, os produtores não se preocuparam com gastos em novos investimentos.
Fizeram dívidas na compra de terras, com maquinários e com insumos e adubos, tanto em cooperativas como com as multinacionais fornecedoras do setor. Esperavam pagar a conta com folga no ano passado.
Quebra de safra, baixa de preços e câmbio desfavorável impediram esse pagamento. Um pouco mais cautelosos, investiram menos no ano passado, mas ainda acreditavam em uma recuperação dos preços e do câmbio, o que acabou não ocorrendo.
O grosso da dívida dos produtores está fora do sistema financeiro porque o crédito fornecido pelo governo é pouco, principalmente para os médios e grandes produtores. A saída era a busca de financiamento nas cooperativas e multinacionais.
Mais benevolentes nos anos anteriores, as multinacionais e as cooperativas pisaram no freio no fornecimento de crédito na última safra e passaram a exigir mais garantias dos produtores.
Essa mudança de atitude ocorreu porque, há dois anos, quando os preços estavam favoráveis, alguns produtores romperam contratos feitos antes da colheita e que indicavam preços menores do que os correntes no período da safra. Por isso, os produtores estão, no momento, com um grande volume de dívida fora do sistema financeiro e com cobranças ainda mais rigorosas do que nos anos anteriores.


Com Mauro Zafalon, da Redação

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