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CRISE NO CAMPO
Diferentemente de anos anteriores, principais credores da agricultura são indústrias, fornecedores e cooperativas
Maior parte das dívidas não é com bancos
SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Mais do que os bilhões de reais
em dívidas cujos pagamentos os
agricultores querem empurrar
para a frente, o que tem tirado o
sono do governo é o fato de que a
crise no setor rural extrapola o
mero relacionamento banco-produtor e atinge outras áreas, como
comércio e indústria, afetando diretamente a renda no interior do
país, onde a atividade é mais forte.
Em um ano eleitoral, isso pode se
traduzir também em prejuízos
políticos.
Diferentemente das crises anteriores, desta vez o endividamento
do setor agrícola não está concentrado no setor financeiro. De
acordo com dados do Ministério
da Agricultura, cerca de 60% das
dívidas estão fora dos bancos. São
créditos que a indústria, cooperativas e fornecedores em geral esperam para receber dos agricultores. Se isso não acontecer, poderá
haver um efeito cascata.
Em alguns Estados, a situação é
mais dramática. É o caso de Mato
Grosso, onde o governador Blairo
Maggi (PPS) lidera o movimento
para pressionar o governo por
mais recursos, renegociação de
dívidas e desoneração para o setor. A discussão sobre esses temas
tem colocado em lados opostos
novamente os ministérios da Fazenda e da Agricultura.
Segundo Homero Pereira, presidente da Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso,
dos R$ 3 bilhões devidos pelos
produtores locais, apenas 25%
são com os bancos.
"Isso ameaça empregos. Por isso o movimento atual não é só dos
produtores, mas da sociedade civil, que também está sendo afetada", diz ele, lembrando que a agricultura representa quase 70% da
produção total do Mato Grosso.
Com isso, os problemas do
campo acabam contaminando as
cidades. Dificilmente, alegam os
especialistas nessa área, o problema será resolvido apenas com a
renegociação de dívida já anunciada ou mesmo com apoio para
comercialização de produtos. As
entidades ligadas ao setor exigem
mais e insistem em desoneração
de tributos, coisa que os técnicos
do Ministério da Fazenda continuam rejeitando.
Novas medidas
Há cerca de um mês, o ministro
Roberto Rodrigues (Agricultura)
anunciou que o pacote com medidas para o setor incluiria a redução de tributos. As propostas enviadas para análise na Fazenda
empacaram na Receita Federal. A
promessa é de anúncio de um pacote no final deste mês, mas a discussão de desoneração ainda está
emperrada e serve como pano de
fundo de uma nova encrenca entre Fazenda e Agricultura.
A Fazenda teme que isso abra
precedente para outros setores
que já estão batendo à porta do
ministério com o mesmo tipo de
pedido. Com isso, tenta arrumar
uma solução paliativa.
Ontem, a ministra Marina Silva
(Meio Ambiente) esteve com o
ministro Guido Mantega (Fazenda) pedindo desoneração tributária para projetos produtivos que
não agridam o ambiente e são
considerados sustentáveis.
Antes dela, já passaram por lá
representantes de montadoras de
veículos, sem falar nos produtores de calçados e na indústria moveleira. Por isso, a fórmula é complicada, dizem técnicos da Fazenda, que, garantem, estão estudando alternativas.
Ainda mais
Na avaliação dos produtores, a
participação das dívidas com o
sistema não-financeiro é ainda
maior do que os 60% previstos
pelo Ministério da Agricultura.
Em algumas regiões do país, ela
chega a 80% do total.
Com um cenário altamente favorável em 2004, quando os preços das commodities, principalmente o da soja, atingiram níveis
recordes, os produtores não se
preocuparam com gastos em novos investimentos.
Fizeram dívidas na compra de
terras, com maquinários e com
insumos e adubos, tanto em cooperativas como com as multinacionais fornecedoras do setor. Esperavam pagar a conta com folga
no ano passado.
Quebra de safra, baixa de preços
e câmbio desfavorável impediram
esse pagamento. Um pouco mais
cautelosos, investiram menos no
ano passado, mas ainda acreditavam em uma recuperação dos
preços e do câmbio, o que acabou
não ocorrendo.
O grosso da dívida dos produtores está fora do sistema financeiro
porque o crédito fornecido pelo
governo é pouco, principalmente
para os médios e grandes produtores. A saída era a busca de financiamento nas cooperativas e multinacionais.
Mais benevolentes nos anos anteriores, as multinacionais e as
cooperativas pisaram no freio no
fornecimento de crédito na última safra e passaram a exigir mais
garantias dos produtores.
Essa mudança de atitude ocorreu porque, há dois anos, quando
os preços estavam favoráveis, alguns produtores romperam contratos feitos antes da colheita e
que indicavam preços menores
do que os correntes no período da
safra. Por isso, os produtores estão, no momento, com um grande volume de dívida fora do sistema financeiro e com cobranças
ainda mais rigorosas do que nos
anos anteriores.
Com Mauro Zafalon, da Redação
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