São Paulo, sábado, 17 de maio de 2008

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DEBATE

Reforma no Sistema S gera debate acalorado

Presidente da CNI fala em "estatização", mas ministro da Educação diz que as mudanças adotam padrões comuns na iniciativa privada

Bastou o Ministério da Educação (MEC) lançar a proposta de reforma do Sistema S, em março, para que a discussão esquentasse. Grandes industriais foram a público apoiar a manutenção do sistema, enquanto governo e empresários ligados à educação defendiam mudanças. Anteontem, a Folha promoveu um debate sobre o tema em seu auditório. A polêmica repetiu-se. Posições contundentes e ânimos exaltados permearam as discussões sobre o sistema, formado por Sesc, Senac, Senai e Sesi, entre outros serviços de educação e cultura do trabalhador.

CRISTIANE BARBIERI
DA REPORTAGEM LOCAL

"Esse é um processo encabulado de estatização", afirmou Armando Monteiro Neto, presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria). "A permanência do empresariado no sistema só tem sentido se continuarmos comandando a gestão estratégica e não terceirizados na gestão operacional."
De acordo com Monteiro Neto, o sucesso do Sistema S está no fato de seus cursos profissionalizantes estarem vinculados às demandas do setor produtivo e não por atender a políticas públicas de educação.
"O Brasil deve ampliar a escolaridade do trabalhador, mas me parece que a visão que preside essa iniciativa é contaminada por viés confiscatório", afirmou. "É como se dissessem: "já fizemos o Prouni [Programa Universidade para Todos], o Fundeb [Fundo para Educação Básica], precisamos de mais recursos para o nível médio, e onde tem recursos? No Sistema S. Vamos arrumar uma forma de reorientar esses recursos"."
O ministro da Educação, Fernando Haddad rebateu. Segundo ele, da mesma maneira que pode ser considerada estatizante, ao introduzir regras de repartição de recursos premiando as unidades regionais de melhor desempenho, a proposta não é antiempresarial e usa ferramentas comuns do setor privado:
"Tanto no setor público quanto no privado, vale a pena estimular regras de desempenho, repartição por produção, valorização por mérito e esforço. Colocamos assim a competição de mercado em jogo."
O economista Claudio Haddad, diretor-presidente do Ibmec-São Paulo, concordou com o ministro. Para ele, o mundo é outro desde a criação do Sistema S, em 1942, e a organização precisa ser reavaliada. "Muita coisa boa é feita pelo Sistema S, mas seria caso de polícia se acontecesse o contrário, com um orçamento anual de R$ 8 bilhões", afirmou. "É preciso discutir qual o impacto, a eficácia e a relação custo/benefício."
Nesse ponto a platéia, formada majoritariamente por pessoas ligadas ao Sistema S, começou a ficar incomodada e a questionar Claudio Haddad.
"Tais recursos são compulsórios, o mínimo que se deveria esperar é uma total transparência e total prestação de contas de para onde eles estão indo e, infelizmente, isso não é feito", disse Haddad. "O setor privado dá um mau exemplo porque entrando nos sites do Sistema S, não há uma única cifra, não tem balanços, documentos auditados, nada é divulgado."
Claudio Haddad também criticou o fato de todos os trabalhadores pagarem para que só alguns sejam treinados, já que as contribuições para o sistema recaem sobre todas as empresas. Além disso, diz ele, mesmo com os subsídios, os cursos são tão caros quanto os oferecidos por faculdades privadas.
"Quem vai às peças de teatro do Sesc? É o trabalhador operário ou são os 10% mais ricos da população brasileira? Quem é beneficiado?", disse Claudio Haddad. "O projeto do governo é corajoso porque finalmente mexe numa caixa-preta."
Os ânimos, nessa hora, acirraram-se ainda mais. Mesmo com a platéia relativamente acalmada pelo mediador, o colunista da Folha Gilberto Dimenstein, Abram Szajman, presidente da Fecomércio SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo) e do Sesc-SP, manifestou-se: "Eu não sou ladrão!". Szajman foi aplaudido efusivamente, enquanto Claudio Haddad recebeu alguns aplausos tímidos.
Mesmo com o calor das manifestações, o debate foi encerrado num tom conciliador. Os participantes concordaram com a relevância da discussão e que, entre os pontos abordados, não há diferença irreconciliável. O ministro fez questão de lembrar que o projeto ainda não foi enviado ao Congresso e pode, portanto, ser aperfeiçoado. Disse que fará uma comissão governo-Sistema S. Um dos pontos que ele não abre mão é a gratuidade dos cursos.
Veja a seguir alguns tópicos abordados durante o debate:

ESTATIZAÇÃO
Monteiro Neto - Esse é um processo encabulado de estatização. Não tem sentido o empresariado permanecer no sistema sem continuar na gestão estratégica e ficando apenas restrito à parte operacional das escolas. Já que o governo vai assumir a gestão estratégica e está ampliando a rede de ensino profissionalizante, que assuma a gestão operacional.
Fernando Haddad - O governo não pretende selecionar as pessoas que serão capacitadas, não pretende escolher os cursos e o dinheiro não sairá do sistema. Nunca passou pela cabeça de ninguém constituir um fundo público com recursos do Sistema S. Só queremos garantir carga horária de 200 horas, compromisso com a escolaridade do trabalhador e regras de desempenho para o repasse dos recursos.

ORÇAMENTO
Fernando Haddad - Mantidos os R$ 3,2 bilhões do orçamento atual [do Sistema S destinados a educação de trabalhadores], seria possível formar 800 mil técnicos por ano.
Claudio Haddad - Claro que com R$ 8 bilhões por ano muita coisa boa é feita. Se não fosse, seria caso de polícia. O problema é: qual é o impacto efetivo desses programas?
Szajman - Para impressionar o público, sai no jornal que o orçamento [do Sistema S] é de R$ 8 bilhões. Só que isso é a soma de todas as entidades. O departamento nacional Senac recebe R$ 904 milhões por ano, para dividir pelo Brasil inteiro.

TRANSPARÊNCIA
Cláudio Haddad - Tais recursos são compulsórios, o mínimo que se deveria esperar é uma total transparência e prestação de contas e, infelizmente, isso não é feito. O setor privado dá um mau exemplo. Entrando nos sites do Sistema S não há uma única cifra, não tem balanços, documentos auditados, nada é divulgado. O projeto do governo é corajoso porque está mexendo numa caixa-preta. O sistema S é uma caixa-preta.
Szajman - Eu não sou ladrão! As informações estão no Tribunal de Contas da União e na Procuradoria Geral da União e são exaustivamente auditadas também pelo governo! Até nossos centavos são fiscalizados.
Monteiro Neto - Fazemos pesquisas o tempo todo com as indústrias, e os índices de aprovação são altíssimos, bem como o uso de nossas estruturas. Temos pesquisas das mais variadas áreas e segmentos de atuação, que estão à disposição para consultas.

DURAÇÃO DOS CURSOS
Monteiro Neto - Um eletricista industrial que precisa, para se atualizar, fazer curso de CLP (Controlador de Lógica Programável), pode se habilitar com curso de 40 horas. Demandaria um curso de 1.200 horas para operar CLP? Não.
Fernando Haddad - A carga mínima de duração tem de ser de 200 horas. Estudos mostram que, ao não combinar a formação geral com a formação específica mais amadurecida, a cada mudança no processo produtivo, esse trabalhador terá de voltar ao sistema, se requalificar para uma mudança pontual e ficará onerando ainda mais o sistema. As empresas que quiserem cursos "taylor made" [customizados], que paguem e não onerem o sistema.


NA INTERNET
www.folha.com.br/081373

Assista ao vídeo com a íntegra do debate sobre as
mudanças no Sistema S



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