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DEBATE
Reforma no Sistema S gera debate acalorado
Presidente da CNI fala em "estatização", mas ministro da Educação diz que as mudanças adotam padrões comuns na iniciativa privada
Bastou o Ministério da Educação (MEC)
lançar a proposta de reforma do Sistema S,
em março, para que a discussão esquentasse. Grandes industriais foram a público
apoiar a manutenção do sistema, enquanto governo e
empresários ligados à educação defendiam mudanças. Anteontem, a Folha promoveu um debate sobre o tema em seu auditório. A polêmica repetiu-se. Posições contundentes e ânimos exaltados
permearam as discussões sobre o sistema, formado por Sesc, Senac, Senai e Sesi, entre outros serviços de educação e cultura do trabalhador.
CRISTIANE BARBIERI
DA REPORTAGEM LOCAL
"Esse é um processo encabulado de estatização", afirmou
Armando Monteiro Neto, presidente da CNI (Confederação
Nacional da Indústria). "A permanência do empresariado no
sistema só tem sentido se continuarmos comandando a gestão estratégica e não terceirizados na gestão operacional."
De acordo com Monteiro Neto, o sucesso do Sistema S está
no fato de seus cursos profissionalizantes estarem vinculados às demandas do setor produtivo e não por atender a políticas públicas de educação.
"O Brasil deve ampliar a escolaridade do trabalhador, mas
me parece que a visão que preside essa iniciativa é contaminada por viés confiscatório",
afirmou. "É como se dissessem:
"já fizemos o Prouni [Programa
Universidade para Todos], o
Fundeb [Fundo para Educação
Básica], precisamos de mais recursos para o nível médio, e onde tem recursos? No Sistema S.
Vamos arrumar uma forma de
reorientar esses recursos"."
O ministro da Educação, Fernando Haddad rebateu. Segundo ele, da mesma maneira que
pode ser considerada estatizante, ao introduzir regras de
repartição de recursos premiando as unidades regionais
de melhor desempenho, a proposta não é antiempresarial e
usa ferramentas comuns do setor privado:
"Tanto no setor público
quanto no privado, vale a pena
estimular regras de desempenho, repartição por produção,
valorização por mérito e esforço. Colocamos assim a competição de mercado em jogo."
O economista Claudio Haddad, diretor-presidente do Ibmec-São Paulo, concordou com
o ministro. Para ele, o mundo é
outro desde a criação do Sistema S, em 1942, e a organização
precisa ser reavaliada. "Muita
coisa boa é feita pelo Sistema S,
mas seria caso de polícia se
acontecesse o contrário, com
um orçamento anual de R$ 8
bilhões", afirmou. "É preciso
discutir qual o impacto, a eficácia e a relação custo/benefício."
Nesse ponto a platéia, formada majoritariamente por pessoas ligadas ao Sistema S, começou a ficar incomodada e a
questionar Claudio Haddad.
"Tais recursos são compulsórios, o mínimo que se deveria
esperar é uma total transparência e total prestação de contas de para onde eles estão indo
e, infelizmente, isso não é feito", disse Haddad. "O setor privado dá um mau exemplo porque entrando nos sites do Sistema S, não há uma única cifra,
não tem balanços, documentos
auditados, nada é divulgado."
Claudio Haddad também criticou o fato de todos os trabalhadores pagarem para que só
alguns sejam treinados, já que
as contribuições para o sistema
recaem sobre todas as empresas. Além disso, diz ele, mesmo
com os subsídios, os cursos são
tão caros quanto os oferecidos
por faculdades privadas.
"Quem vai às peças de teatro
do Sesc? É o trabalhador operário ou são os 10% mais ricos da
população brasileira? Quem é
beneficiado?", disse Claudio
Haddad. "O projeto do governo
é corajoso porque finalmente
mexe numa caixa-preta."
Os ânimos, nessa hora, acirraram-se ainda mais. Mesmo
com a platéia relativamente
acalmada pelo mediador, o colunista da Folha Gilberto Dimenstein, Abram Szajman,
presidente da Fecomércio SP
(Federação do Comércio do
Estado de São Paulo) e do Sesc-SP, manifestou-se: "Eu não sou
ladrão!". Szajman foi aplaudido
efusivamente, enquanto Claudio Haddad recebeu alguns
aplausos tímidos.
Mesmo com o calor das manifestações, o debate foi encerrado num tom conciliador. Os
participantes concordaram
com a relevância da discussão e
que, entre os pontos abordados, não há diferença irreconciliável. O ministro fez questão
de lembrar que o projeto ainda
não foi enviado ao Congresso e
pode, portanto, ser aperfeiçoado. Disse que fará uma comissão governo-Sistema S. Um dos
pontos que ele não abre mão é a
gratuidade dos cursos.
Veja a seguir alguns tópicos
abordados durante o debate:
ESTATIZAÇÃO
Monteiro Neto - Esse é um
processo encabulado de estatização. Não tem sentido o empresariado permanecer no sistema sem continuar na gestão
estratégica e ficando apenas
restrito à parte operacional das
escolas. Já que o governo vai
assumir a gestão estratégica e
está ampliando a rede de ensino profissionalizante, que assuma a gestão operacional.
Fernando Haddad - O governo não pretende selecionar
as pessoas que serão capacitadas, não pretende escolher os
cursos e o dinheiro não sairá do
sistema. Nunca passou pela cabeça de ninguém constituir um
fundo público com recursos do
Sistema S. Só queremos garantir carga horária de 200 horas,
compromisso com a escolaridade do trabalhador e regras de
desempenho para o repasse
dos recursos.
ORÇAMENTO
Fernando Haddad - Mantidos os R$ 3,2 bilhões do orçamento atual [do Sistema S destinados a educação de trabalhadores], seria possível formar
800 mil técnicos por ano.
Claudio Haddad - Claro que
com R$ 8 bilhões por ano muita coisa boa é feita. Se não fosse, seria caso de polícia. O problema é: qual é o impacto efetivo desses programas?
Szajman - Para impressionar o público, sai no jornal que
o orçamento [do Sistema S] é
de R$ 8 bilhões. Só que isso é a
soma de todas as entidades. O
departamento nacional Senac
recebe R$ 904 milhões por ano,
para dividir pelo Brasil inteiro.
TRANSPARÊNCIA
Cláudio Haddad - Tais recursos são compulsórios, o mínimo que se deveria esperar é
uma total transparência e prestação de contas e, infelizmente,
isso não é feito. O setor privado
dá um mau exemplo. Entrando
nos sites do Sistema S não há
uma única cifra, não tem balanços, documentos auditados,
nada é divulgado. O projeto do
governo é corajoso porque está
mexendo numa caixa-preta. O
sistema S é uma caixa-preta.
Szajman - Eu não sou ladrão! As informações estão no
Tribunal de Contas da União e
na Procuradoria Geral da
União e são exaustivamente
auditadas também pelo governo! Até nossos centavos são fiscalizados.
Monteiro Neto - Fazemos
pesquisas o tempo todo com as
indústrias, e os índices de aprovação são altíssimos, bem como o uso de nossas estruturas.
Temos pesquisas das mais variadas áreas e segmentos de
atuação, que estão à disposição
para consultas.
DURAÇÃO DOS CURSOS
Monteiro Neto - Um eletricista industrial que precisa, para se atualizar, fazer curso de
CLP (Controlador de Lógica
Programável), pode se habilitar
com curso de 40 horas. Demandaria um curso de 1.200
horas para operar CLP? Não.
Fernando Haddad - A carga
mínima de duração tem de ser
de 200 horas. Estudos mostram que, ao não combinar a
formação geral com a formação
específica mais amadurecida, a
cada mudança no processo
produtivo, esse trabalhador terá de voltar ao sistema, se requalificar para uma mudança
pontual e ficará onerando ainda mais o sistema. As empresas
que quiserem cursos "taylor
made" [customizados], que paguem e não onerem o sistema.
NA INTERNET
www.folha.com.br/081373
Assista ao vídeo com a íntegra
do debate sobre as
mudanças no Sistema S
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