São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

A Universidade de Pequim e a USP

Pequim fez convênios com universidades estrangeiras e briga por bons professores com salários mais elevados

NO FINAL de maio passado, em um almoço de fim de ano letivo na Universidade Princeton, sentei-me em uma mesa onde se encontravam três outros colegas economistas. A conversa, já em andamento, era sobre os planos para o verão do hemisfério Norte que começava, e descobri que nós quatro tínhamos programado palestras em universidades chinesas. Essa unanimidade reflete o interesse que a China desperta na academia americana, mas espelha também a preocupação chinesa em aprender com o resto do mundo e, em particular, de criar um sistema universitário de primeira linha. Um visitante à Universidade de Pequim, onde escrevo esta coluna, tem a impressão clara de que essa instituição tem a ambição de se tornar uma referência mundial em pesquisa e ensino.
Pequim toma como modelos as universidades americanas e inglesas, que são as melhores do mundo. Por isso estabeleceu convênios com universidades estrangeiras e com empresas, corteja doadores, em particular os seus ex-alunos, e compete pelos bons professores e pesquisadores produtivos com salários mais elevados e melhores condições de trabalho.
A anuidade paga pelos estudantes é, em geral, modesta, mas em alguns cursos que preparam para carreiras particularmente lucrativas pode chegar a US$ 4.000 anuais.
Enquanto no Brasil discute-se um possível conflito entre pesquisa pura e "operacional", os chineses compreendem que as universidades nos EUA jogam um papel fundamental no processo de enriquecimento daquele país, realizando pesquisas e transferindo ou até mesmo comercializando as novas tecnologias, sem abandonar a sua missão principal de educar e fazer avançar o conhecimento humano. Foi na Universidade Stanford, na Califórnia, que Larry Page e Sergey Brin desenvolveram o algoritmo por trás do buscador Google. Mas, no período em que Page e Brin eram alunos de pós-graduação, professores em Stanford receberam o Prêmio Nobel em Física em três anos consecutivos.
E um estudo sobre a efetividade da transferência de tecnologia e comercialização de descobertas em biotecnologia nas instituições de ensino em todo o mundo (ver www.milkeninstitute.org/pdf/ m2m2006-uni- tech.pdf), colocou nos três primeiros lugares o MIT, a Universidade da Califórnia e o Caltech -o que não é exatamente uma lista de escolas de segunda linha quando se trata do desenvolvimento do conhecimento básico.
Isso tudo estabelece um grande contraste com a atual discussão sobre a Universidade de São Paulo. O debate sobre os decretos do governador de São Paulo é medíocre -as medidas propostas por Serra têm muito pouca importância. A USP tem a grande vantagem em relação a Pequim de estar em um país com ampla liberdade de expressão, mas, assim como as outras universidades públicas brasileiras, precisa de mudanças profundas na sua governança e na política de salários para professores e pesquisadores. É indispensável também encontrar novas fontes de financiamento que complementem as verbas públicas.
Nesse contexto, cabe discutir um sistema, como aquele que existe na Austrália e que eu descrevi anteriormente nesta Folha, de contribuições de ex-alunos em razão da renda. Mas a reação corporativista dos que apóiam a ocupação da reitoria é um sinal de que as reformas necessárias exigiriam uma coragem que aparentemente falta aos nossos governantes.

JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN, 59, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.


jose.scheinkman@gmail.com


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