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"Riquistão" concentra riqueza americana
Livro recém-lançado por colunista do "Wall Street Journal" mostra o "país próprio" e as regras dos ricos nos EUA
País imaginário conta com 10 milhões de famílias, que, em conjunto, movimentam
riqueza de US$ 17 tri, 30% a mais do que o PIB dos EUA
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Bem-vindo ao "Riquistão"
-"Richistan" no original. Esse
país imaginário dentro de um
país de verdade, os EUA, tem 10
milhões de famílias, que, juntas, movimentam US$ 17 trilhões, ou 30% a mais do que o
PIB dos EUA. Apesar de falar
inglês, tem seus próprios termos, como "gerente do lar", "filantropia performática" e "iate
fantasma". Conta com um sistema de saúde próprio. E sofre
com alta inflação.
Nos últimos dez anos, segundo dados do Fed (o BC dos
EUA), mais do que dobrou o
número de lares norte-americanos em que a riqueza total ultrapassa US$ 1 milhão. Nem o
estouro da bolha da internet,
nem o 11 de Setembro nem o gigantesco déficit público da Era
Bush conseguiram diminuir esse ritmo. Em 2006, um em cada
dez milionários do topo da pirâmide social ficou 85% mais
rico do que no ano anterior.
Não há precedentes históricos. Quando a revista "Forbes"
começou a fazer sua lista dos
400 mais ricos, em 1982, o primeiro colocado tinha US$ 2 bilhões, e havia apenas outros 12
no país que podiam ser chamados de bilionários; hoje, são
mais de mil famílias.
Pelos cálculos do ex-secretário do Tesouro Lawrence Summers, apresentados em palestra recente em Washington, tamanha concentração de renda
não acontece nos EUA desde o
fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Esse contingente cada vez
maior de pessoas se distancia
cada vez mais do resto da população. A ponto de formar um
"país próprio", com suas próprias regras. É o que percebe a
população em geral. Levantamento do renomado Instituto
Pew aponta que 73% dos cidadãos ouvidos neste mês concordam com a máxima de que
"os ricos ficam mais ricos, enquanto os pobres ficam mais
pobres" como realidade nos
EUA -um salto de 8% em relação a 2002 e o maior índice desde que a pesquisa começou a
ser feita, no início dos anos 90.
Foi o que percebeu também
Robert Frank, que assina a coluna e o blog "The Wealth Report" ("O Relatório da Riqueza") no "Wall Street Journal".
O repórter foi o primeiro do
diário a se dedicar exclusivamente a cobrir a vida dos muito
ricos, o que faz desde 2003. De
sua convivência com a elite
nasceu "Richistan - A Journey
Through the American Wealth
Boom and the Lives of The New
Rich" ("Riquistão - Uma Viagem pelo Boom de Riqueza
Americano e as Vidas dos Novos Ricos", editora Crown), que
acaba de ser lançado.
"Os muito ricos se tornaram,
de alguma maneira, culturalmente diferentes do resto dos
EUA", disse ele à Folha (leia
entrevista à pág. B11). "Enquanto o resto do país se preocupa com o preço da gasolina,
dos alimentos e com a dívida
no cartão de crédito, as famílias
milionárias e bilionárias desfrutam um crescimento recorde de renda."
Ao tratar seu livro como um
guia de viagem a um país exótico, o ex-correspondente internacional humaniza o lugar.
"Mostro como, mesmo que você tenha US$ 10 milhões hoje
em dia, há centenas de milhares de lares que ganham mais
do que você. E é grande a probabilidade de que você não se
sinta rico nos EUA hoje, mesmo com todo esse dinheiro;
aliás, é mais provável que se
sinta de classe média."
Nascem dessa ansiedade os
"grupos de apoio aos "decamilionários'", uma das boas histórias, que o repórter freqüentou.
São pessoas com mais de US$
10 milhões que se reúnem para
dividir suas preocupações em
relação a, por exemplo, aposentadoria.
Uma delas, cansada dos jatos
particulares, pede de aniversário "uma viagem num avião de
verdade, daqueles grandes,
com pessoas estranhas e saindo de um aeroporto cheio de
gente". Mas o pai dela está
preocupado. Todos os seus
amigos têm um G5 ou um Citation. Os mais ricos, porém, estão começando a comprar jatos
comerciais usados e a transformá-los em mansões flutuantes,
com camas "king size" e banheiras jacuzzi. Ele teme que
não terá dinheiro para tanto.
Faz parte do "Médio Riquistão", que reúne os que "só" têm
entre US$ 10 milhões e US$
100 milhões. É visto pelos do
"Alto Riquistão" (entre US$
100 milhões e US$ 1 bilhão) como um "affluent", um "novo rico". É para diferenciá-los que
grifes como Gucci e Tiffany
criaram os termos "luxo de
massa" e "hiperluxo". Um Mercedes pertence à primeira categoria; um Bentley, à segunda
(veja quadro à pág. B11).
E quem são os "riquistaneses"? Segundo o último censo,
a maioria é de homens (60%),
são casados, têm entre 40 e 50
anos e média de 2,5 filhos. O
mais provável é que tenham ganhado o dinheiro que têm (metade da riqueza americana logo
após a Segunda Guerra era herdada; hoje, esse percentual é de
10%). É pouco provável que sejam celebridades, que respondem por 3% do "Riquistão".
Seus gurus são Bill Gates e
Warren Buffett, respectivamente primeiro e terceiro homens mais ricos dos EUA, segundo a lista da "Forbes". Ambos fazem parte de um bairro
ainda mais exclusivo dentro do
"Riquistão", "Billionaireville",
mas são vistos pelos outros como exemplos, principalmente
por suas atividades filantrópicas. "Riquistaneses" adoram
doar. Mas querem ver o dinheiro trabalhando na boa causa.
Daí o termo "filantropia performática", um dos vários neologismos dessa classe em expansão. Define o interesse do
doador em como a entidade beneficente usará a doação. Também aí há regras a seguir: quem
dá um cheque de US$ 10 mil
para a filantropia patrocinada
pelo amigo pode esperar receber os mesmos US$ 10 mil para
a sua. Dar menos ou mais é
considerado descortês.
"Riquistanês" também sofre.
Como a demanda é grande, a
inflação no "país" é maior: foi
de 6% no "Baixo Riquistão", o
dobro da do resto dos EUA, no
ano passado, e inaceitáveis 11%
no "Médio Riquistão".
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