São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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"Riquistão" concentra riqueza americana

Livro recém-lançado por colunista do "Wall Street Journal" mostra o "país próprio" e as regras dos ricos nos EUA

País imaginário conta com 10 milhões de famílias, que, em conjunto, movimentam riqueza de US$ 17 tri, 30% a mais do que o PIB dos EUA

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Bem-vindo ao "Riquistão" -"Richistan" no original. Esse país imaginário dentro de um país de verdade, os EUA, tem 10 milhões de famílias, que, juntas, movimentam US$ 17 trilhões, ou 30% a mais do que o PIB dos EUA. Apesar de falar inglês, tem seus próprios termos, como "gerente do lar", "filantropia performática" e "iate fantasma". Conta com um sistema de saúde próprio. E sofre com alta inflação.
Nos últimos dez anos, segundo dados do Fed (o BC dos EUA), mais do que dobrou o número de lares norte-americanos em que a riqueza total ultrapassa US$ 1 milhão. Nem o estouro da bolha da internet, nem o 11 de Setembro nem o gigantesco déficit público da Era Bush conseguiram diminuir esse ritmo. Em 2006, um em cada dez milionários do topo da pirâmide social ficou 85% mais rico do que no ano anterior.
Não há precedentes históricos. Quando a revista "Forbes" começou a fazer sua lista dos 400 mais ricos, em 1982, o primeiro colocado tinha US$ 2 bilhões, e havia apenas outros 12 no país que podiam ser chamados de bilionários; hoje, são mais de mil famílias.
Pelos cálculos do ex-secretário do Tesouro Lawrence Summers, apresentados em palestra recente em Washington, tamanha concentração de renda não acontece nos EUA desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Esse contingente cada vez maior de pessoas se distancia cada vez mais do resto da população. A ponto de formar um "país próprio", com suas próprias regras. É o que percebe a população em geral. Levantamento do renomado Instituto Pew aponta que 73% dos cidadãos ouvidos neste mês concordam com a máxima de que "os ricos ficam mais ricos, enquanto os pobres ficam mais pobres" como realidade nos EUA -um salto de 8% em relação a 2002 e o maior índice desde que a pesquisa começou a ser feita, no início dos anos 90.
Foi o que percebeu também Robert Frank, que assina a coluna e o blog "The Wealth Report" ("O Relatório da Riqueza") no "Wall Street Journal". O repórter foi o primeiro do diário a se dedicar exclusivamente a cobrir a vida dos muito ricos, o que faz desde 2003. De sua convivência com a elite nasceu "Richistan - A Journey Through the American Wealth Boom and the Lives of The New Rich" ("Riquistão - Uma Viagem pelo Boom de Riqueza Americano e as Vidas dos Novos Ricos", editora Crown), que acaba de ser lançado.
"Os muito ricos se tornaram, de alguma maneira, culturalmente diferentes do resto dos EUA", disse ele à Folha (leia entrevista à pág. B11). "Enquanto o resto do país se preocupa com o preço da gasolina, dos alimentos e com a dívida no cartão de crédito, as famílias milionárias e bilionárias desfrutam um crescimento recorde de renda."
Ao tratar seu livro como um guia de viagem a um país exótico, o ex-correspondente internacional humaniza o lugar. "Mostro como, mesmo que você tenha US$ 10 milhões hoje em dia, há centenas de milhares de lares que ganham mais do que você. E é grande a probabilidade de que você não se sinta rico nos EUA hoje, mesmo com todo esse dinheiro; aliás, é mais provável que se sinta de classe média."
Nascem dessa ansiedade os "grupos de apoio aos "decamilionários'", uma das boas histórias, que o repórter freqüentou. São pessoas com mais de US$ 10 milhões que se reúnem para dividir suas preocupações em relação a, por exemplo, aposentadoria.
Uma delas, cansada dos jatos particulares, pede de aniversário "uma viagem num avião de verdade, daqueles grandes, com pessoas estranhas e saindo de um aeroporto cheio de gente". Mas o pai dela está preocupado. Todos os seus amigos têm um G5 ou um Citation. Os mais ricos, porém, estão começando a comprar jatos comerciais usados e a transformá-los em mansões flutuantes, com camas "king size" e banheiras jacuzzi. Ele teme que não terá dinheiro para tanto.
Faz parte do "Médio Riquistão", que reúne os que "só" têm entre US$ 10 milhões e US$ 100 milhões. É visto pelos do "Alto Riquistão" (entre US$ 100 milhões e US$ 1 bilhão) como um "affluent", um "novo rico". É para diferenciá-los que grifes como Gucci e Tiffany criaram os termos "luxo de massa" e "hiperluxo". Um Mercedes pertence à primeira categoria; um Bentley, à segunda (veja quadro à pág. B11).
E quem são os "riquistaneses"? Segundo o último censo, a maioria é de homens (60%), são casados, têm entre 40 e 50 anos e média de 2,5 filhos. O mais provável é que tenham ganhado o dinheiro que têm (metade da riqueza americana logo após a Segunda Guerra era herdada; hoje, esse percentual é de 10%). É pouco provável que sejam celebridades, que respondem por 3% do "Riquistão".
Seus gurus são Bill Gates e Warren Buffett, respectivamente primeiro e terceiro homens mais ricos dos EUA, segundo a lista da "Forbes". Ambos fazem parte de um bairro ainda mais exclusivo dentro do "Riquistão", "Billionaireville", mas são vistos pelos outros como exemplos, principalmente por suas atividades filantrópicas. "Riquistaneses" adoram doar. Mas querem ver o dinheiro trabalhando na boa causa.
Daí o termo "filantropia performática", um dos vários neologismos dessa classe em expansão. Define o interesse do doador em como a entidade beneficente usará a doação. Também aí há regras a seguir: quem dá um cheque de US$ 10 mil para a filantropia patrocinada pelo amigo pode esperar receber os mesmos US$ 10 mil para a sua. Dar menos ou mais é considerado descortês.
"Riquistanês" também sofre. Como a demanda é grande, a inflação no "país" é maior: foi de 6% no "Baixo Riquistão", o dobro da do resto dos EUA, no ano passado, e inaceitáveis 11% no "Médio Riquistão".


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