São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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1973
O ano em que o Brasil cresceu 14%

Delfim Netto rechaça tese de que ditadura ajudou a elevar crescimento e diz que despertou "espírito animal" dos empresários

No auge do regime militar, país bateu recorde de crescimento após reformas

PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

A moda era a calça boca-de-sino. A musa, Darlene Glória. O ídolo esportivo, Emerson Fittipaldi. Na vitrola, rodavam os Secos & Molhados. O ano era 1973, talvez o de maior repressão do regime militar, sob o governo Médici. E, enquanto isso, o país crescia a uma taxa recorde de 14%, no último ano do chamado "milagre econômico".
Mas o que levou o PIB do Brasil a crescer a taxas maiores que as da China? A resposta, dizem especialistas, vai desde uma conjuntura mundial favorável, que permitiu o aumento do investimento via endividamento externo, até reformas estruturais introduzidas no governo Castello Branco.
Planejamento econômico, promoção e estímulo (às vezes, subsídios) às exportações, programas de desenvolvimento do parque industrial a fim de substituir importações, ganhos de produtividade do setor privado e uma política fiscal mais austera eram outros fatores que impulsionaram o crescimento e que estão na pauta do dia hoje.
"Não houve milagre. Os governos é que trabalhavam mais, por isso o país crescia muito mais. O mundo também estava em expansão, e tínhamos feito as reformas fundamentais. Tínhamos, na verdade, produzido uma Constituição bastante adequada do ponto de vista econômico. E, na verdade, despertamos o espírito animal dos empresários, que tinham um tratamento benigno do governo", diz o economista Delfim Netto, ministro da Fazenda no período, parafraseando o atual ministro, Guido Mantega, que também quer estimular o espírito animal do empresariado.
De 1964 a 1965, reformou-se o setor público (é desse período a regra segundo a qual não se pode criar gasto sem contrapartida na receita), criou-se um regime tributário com a eliminação de impostos em cascata e houve revisão da legislação trabalhista. O sistema financeiro foi reorganizado, originando o mercado de capitais. Resultado: a poupança financeira foi de 3,6% para 13,6% do PIB entre 1971 e 1972.
Para João Paulo dos Reis Velloso, ministro do Planejamento em 1973, as reformas foram fundamentais para preparar o país para o crescimento médio de 11,1% no período do "milagre" -de 1968 a 1973. Delfim cita ainda a menor carga tributária: "Era menor que 20%. Hoje, é de 38% do PIB".
Reis Velloso ressalta que havia maior capacidade de planejamento, o que levou ao crescimento econômico no período de 1950 a 1980. Ele reconhece, no entanto, que o controle do Congresso e o regime ditatorial facilitaram a aprovação de reformas e medidas.
"O país tinha, digamos, condições de laboratório na economia para fomentar o crescimento", avalia Fabio Giambiagi, economista do Ipea.
Para Jaques Kerstenetzky, professor de história econômica da UFRJ, a ausência de democracia facilitou o trabalho: "Era mais fácil escolher e decidir o que fazer, quais projetos tocar". Delfim discorda: "O desenvolvimento não depende do regime, se é democrático ou autoritário. Os democráticos até tendem a crescer mais. Isso está na teoria econômica".
Na ânsia de crescer, os governos da época recorreram ao endividamento externo. "O país se endividou num momento de crédito abundante e juros baixos sem olhar para a possibilidade de a situação mudar. Daí, surgiu a dificuldade dos anos 80", diz Kerstenetzky.
Aos críticos, Delfim reage: "O país não se endividou coisa nenhuma. As pessoas não conseguem ler uma estatística. Em 1974, o país tinha uma dívida de US$ 12 bilhões, a relação dívida/exportações era mais do que virtuosa. As coisas pioraram depois, com a crise do petróleo". E foi justamente a crise do petróleo, a primeira de 1973, que enterrou o "milagre".
Na fase pós-milagre, o endividamento, antes usado para investir, converteu-se em dívida para consumir -bancar as importações de petróleo. Nem bem a economia mundial se recuperou e, em 1979, um novo choque do petróleo tornou a situação insustentável.
"Geisel, que assumiu em 1974, cometeu um erro ao promover um plano muito ousado e desproporcional de investimento público", diz Delfim. Acertou, porém, ao manter o déficit alto e não cortar o consumo de petróleo, diz.
"Geisel tinha de decidir: ou parava o Brasil ou endividava o país. O mundo inteiro achava que a crise [do petróleo] passaria depressa. A escolha foi correta. Se fizesse racionamento, como queria a oposição, o Brasil seria hoje um Bangladesh."
Reis Velloso lembra que o então ministro Mário Henrique Simonsen sugeriu ao general João Baptista Figueiredo, ainda em 1979, conter o consumo e o crescimento para impedir a crise da dívida que se avizinhava. O presidente não aceitou, e a economia entrou em colapso.
O Brasil decretou moratória no governo Sarney, conviveu com a hiperinflação -solucionada com o Plano Real, mas que também não dinamizou o crescimento. Nos "anos perdidos" de 80, 90 e na primeira metade dos 2000, o crescimento médio ficou em 2,2%.
A julgar pelo primeiro trimestre do ano, o PIB se acelera: cresceu 4,3% ante 2006. Muito longe do "milagre", mas melhor do que a média recente.


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