São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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Globalização, mercado e tecnologia criam "Riquistão", diz autor

"Nunca antes na história tantos americanos ficaram tão ricos tão rapidamente", afirma jornalista Robert Frank

Tendência é os EUA ficarem mais parecidos com o Brasil em desigualdade social, com o aumento no nš de bilionários, diz jornalista

Mark Lennihan - 21.mai.07/Associated Press
Pedestres passam diante de lojas da Gucci e da Hugo Boss na Quinta Avenida, em Nova York


DE WASHINGTON

A construção da frase lembra as que saem da boca de um presidente de um grande país da América do Sul: nunca antes na história tantos americanos ficaram tão ricos tão rapidamente. Quem diz é o autor de "Richistan - A Journey Through the American Wealth Boom and the Lives of the New Rich", o jornalista Robert Frank. Leia entrevista exclusiva que ele concedeu à Folha por telefone de Nova York: (SÉRGIO DÁVILA)

 

FOLHA - Ricos ficarem mais ricos não é novidade, mas sim o ritmo desse fenômeno. Aumentou muito na Era Bush?
ROBERT FRANK -
Na verdade, começou no fim dos anos 80, mas vive seu clímax do fim dos anos 90 até hoje. De 1995 a 2004, o número de lares milionários nos EUA mais do que dobrou. É a esse período que me dedico. Sempre houve o fenômeno dos novos milionários aqui, mas nunca antes na história tantos americanos ficaram tão ricos tão rapidamente.

FOLHA - Qual o motivo?
FRANK -
A combinação de três grandes eventos econômicos: crescimento da tecnologia da informação; globalização, que está criando grandes mercados para virtualmente tudo; e expansão dos mercados financeiros. Esse trio criou uma economia do tipo "o vencedor-leva-tudo", em que as pessoas no alto de suas profissões e empresários que estão criando companhias são pagos ou ganham dinheiro em níveis recordes.

FOLHA - O sr. divide o "Riquistão" em três níveis, segundo a riqueza acumulada. Há mesmo um senso de diferenciação entre os milionários?
FRANK -
Sim. O comportamento muda de acordo com o nível de riqueza que você tem. Quando eu digo comportamento, falo de tudo, atitude, tipo de investimento e filantropia, família e como você vê a vida. Então, os que vivem no que chamo de "Baixo Riquistão" estão muito bem, mas as vidas deles não são tão diferentes das do norte-americano médio. A maior parte do dinheiro deles vem dos salários, eles tendem a ter dívidas, fazem doações.
Os do "Médio Riquistão" geralmente ganham dinheiro na própria empresa, gastam mais porque têm mais crédito e pensam mais a longo prazo. No "Alto Riquistão", a maioria ganhou dinheiro criando sua empresa, embora haja alguns CEOs chegando ao grupo. Gastam muito em iates, carros e jóias, têm várias casas e investem diferentemente do resto. Não colocam dinheiro em fundos, mas compram sociedade em perfuradoras de petróleo, por exemplo.

FOLHA - O sr. cobre esse "país" como um repórter numa terra estrangeira. Foi uma decisão consciente?
FRANK -
Sim. Voltei aos EUA de Cingapura em 2002 e percebi que nos seis anos em que fiquei fora um país havia sido criado em volta dos ricos, um país, para mim, estrangeiro. São pessoas que falam "gerentes do lar", voam em jatos privados, têm quatro casas, então foi natural para um correspondente estrangeiro se sentir como se estivesse cobrindo a Albânia.
Não só porque era exótico para mim mas porque eu queria apresentar como era a vida lá, sem julgar seus habitantes, da mesma maneira que não julguei russos ou tchecos. Não queria dizer que os ricos são ótimos ou são vilões, mas contar como a vida deles realmente é, não o que vemos na TV ou lemos na revista "People".

FOLHA - O quão distante o sr. está de se mudar para lá?
FRANK -
Não conseguiria ser aceito nem mesmo no "Baixo Riquistão" [risos]. Sou um repórter de jornal, e somos espécies muito raras no "Riquistão". E não quero ir para lá, não quero ser como eles. Estive em muitas partes do mundo e sou muito sensível à desigualdade social, ao desespero dos pobres.

FOLHA - O sr. deve saber que nós temos nosso próprio "Riquistão" no Brasil, só que mais acintoso, porque a desigualdade social é maior. Em sua viagem ao seu "Riquistão", encontrou por acaso algum brasileiro?
FRANK -
Não... Meu medo, e uma das razões pela qual escrevi o livro, é que os EUA podem estar ficando mais parecidos com o Brasil do que com a Europa em desigualdade. Gostaria de verdade que essa prosperidade do "Riquistão" daqui começasse a ser espalhada para o resto da população do mundo.

FOLHA - O sr. vê isso acontecendo durante a sua vida?
FRANK -
Infelizmente, não. Eu vejo as três forças do começo -globalização, tecnologia, expansão financeira- só acelerarem a desigualdade. Veremos cada vez mais bilionários nos EUA e no resto do mundo.


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