São Paulo, quinta-feira, 17 de julho de 2008

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ARTIGO

Adeus, capitalismo

JOSHUA ROSNER
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

EM UMA economia capitalista, os perdedores devem arcar com os prejuízos e os ganhadores, desfrutar dos lucros. A iniciativa privada é mais capacitada para alocar o capital de maneira eficiente e, quando não o faz, os mercados realizam ajustes, e o capital termina realocado aos usuários eficientes. Esse conceito básico oferece sustentação ao movimento dos ativos bons e produtivos, que escapam ao controle dos participantes mais fracos do mercado e são adquiridos pelos mais fortes. Nos casos em que não é possível, o sistema vigente nos EUA dá ao governo um papel em fomentar a transição por um processo eficiente: falência ou reorganização. Nossos funcionários eleitos repetidamente demonstraram que, até mesmo os detentores de capital acionário, supostamente titulares dos menores direitos de ressarcimento quanto aos ativos de uma empresa, não devem ser forçados a aceitar prejuízos, e acreditam que devemos todos compartilhar as perdas que resultam da má alocação de capital e da má gestão de riscos. Nacionalizamos o prejuízo do Bear Stearns por meio de uma transferência do risco para o balanço do governo federal, e agora nacionalizamos os prejuízos gerados pela má administração de Freddie Mac e Fannie Mae. Isso aconteceu mesmo que todas as ofertas de ações ou de títulos de dívida de ambas declarem explicitamente que os papéis "não são garantidos pelos EUA e não representam obrigações de quaisquer agências do governo norte-americano". Quando tivermos concluído esse período trágico na história econômica dos EUA, o governo provavelmente terá de escolher se fará o mesmo por, pelo menos, mais um grande banco, seguradora de títulos, seguradora de hipotecas, banco múltiplo regional de grande porte, companhia de aviação ou montadora de automóveis. Dadas as escolhas pelos funcionários de nosso governo, os quais evidentemente têm pouca fé na capacidade do mercado de capitais ou de nosso sistema judicial, continuaremos a ver a nacionalização de más dívidas, o que depositará mais carga sobre os já sobrecarregados ombros dos norte-americanos. O compromisso desses funcionários, desorientados quanto a imprimir dinheiro a fim de alimentar as chamas da inflação e deprimir ainda mais o valor de nossa moeda, convida investidores estrangeiros a tomar o controle de nossos melhores ativos e adquirir empresas fortes que nos restam (como a Anheuser Busch) a baixo preço. À medida que a força dos setores restantes de nossa economia se esvai, em companhia do poder aquisitivo dos contribuintes, será cada vez mais necessário, para a sobrevivência, que os trabalhadores norte-americanos exijam aumentos salariais. Embora alguns possam aplaudir a decisão política do governo, ela impedirá o realinhamento ordeiro e racional dos preços inflacionados dos ativos e garantirá que continuem inflacionados. Chegamos a esse ponto sem forçar os administradores a desembolsar os ganhos indevidos que obtiveram e sem substituir os executivos, que continuam no comando de empresas na verdade "controladas" pelo governo. Os mesmos economistas que costumavam defender as teorias do mercado eficiente agora optaram por esse caminho. Em lugar de proteger os que realizaram más apostas, deveríamos usar as normas judiciais para corrigir a situação. Isso seria permitir que participantes mais fracos quebrem ou se reorganizem por meio da transferência ordeira de bons ativos de mãos fracas para mãos mais fortes. O processo protegeria nossa moeda, um dia tão poderosa, e promoveria as necessárias correções nos preços dos ativos, gerando um equilíbrio sustentável. Fazê-lo também reduziria o risco moral e enviaria uma mensagem de fé em nosso sistema como modelo para o avanço das finanças. Há outra opção com relação a Freddie Mac e Fannie Mae. Em lugar de tornarmos os contribuintes responsáveis pelas dívidas de empresas patrocinadas pelo governo, seria mais sensato conduzir um plano suave e preordenado de reorganização: sustentar a liquidez no mercado secundário de hipotecas. O cerne da missão dessas empresas é adquirir hipotecas das empresas que as originam, cobrar uma taxa e securitizar os títulos lastreados por elas, oferecendo garantias de que seus detentores receberão 100% do retorno antecipado.


JOSHUA ROSNER é diretor-executivo do grupo de pesquisa Graham Fisher

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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