São Paulo, quarta-feira, 17 de agosto de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

Lula e o amigo oculto

PAULO RABELLO DE CASTRO

O título é pura provocação. Na imprensa de hoje, se não for denúncia de CPI ou parecido com escândalo político, o assunto não tem a menor chance de despertar o interesse do atarantado leitor. O fato, porém, é que Lula tem tido a ajuda de um amigo oculto para continuar empurrando a economia e dando alento ao cidadão que acorda cedo para trabalhar. É esse cidadão que, ao fim do dia, fará o julgamento político dessa administração.
Lula agradeceu, como todo homem educado, ao apoio desse amigo oculto em seu discurso à nação, na última sexta-feira. Olhou para o alto, na direção do teto ou do céu, seguidas vezes enquanto falava, como se a procurar a presença de quem faltava àquela atenta e sisuda roda de ministros. É como se o amigo ausente pairasse acima dos demais colaboradores, talvez acima do próprio Lula. O presidente mencionou os 3 milhões de empregos criados desde que chegou ao Planalto. Fez questão de ressaltar a robustez extraordinária da balança comercial brasileira, que passará dos US$ 40 bilhões. E não deixou de lembrar a estabilidade interna. Por discrição, talvez, já que se tratava de um discurso primordialmente político, só deixou de mencionar o nome do santo: "China". Não é a alcunha de ninguém. É o país China, aquele amigo oculto que faz explodir nosso superávit externo, que aprecia o câmbio brasileiro, fazendo nossa moeda nacional passar de beque de roça a Robinho, que, por sua vez, modera os preços em reais no atacado, propiciando uma perspectiva de inflação mais baixa e dando ao trabalhador daqui uma beirada, um cheirinho, da enorme prosperidade que movimenta a economia do país mais influente sobre o PIB planetário.
Ao mirar algum ponto acima de sua cabeça, Lula talvez buscasse a explicação por estar tão preservado em sua popularidade, mesmo diante de bombardeios intensos, inclusive dos companheiros. Por outro lado, analistas econômicos curiosos e enfadonhos perguntam por que a economia brasileira permanece "blindada" (termo abominável e equivocado) ao desmoronamento das esperanças políticas do eleitorado. Óbvio que a direção da pergunta está trocada. Neste momento, é a economia que ainda suporta o peso da avalanche política. Não é a política que mal consegue desfazer a economia. É esta que consegue "refazer" o estrago político. O eleitor sabe, ou pelo menos desconfia, que algo ainda melhor para ele, como trabalhador e consumidor, estaria prestes a acontecer na perspectiva econômica dos próximos meses. Não sabendo de onde vem o milagre, no entanto, tem fé que possa acontecer.
Somos freqüentemente guiados por forças que superam nossa percepção cognitiva. Não entendemos bem, mas desconfiamos de que está lá. A economia tupiniquim de Lula é bafejada por esse aparente mistério, a extraordinária demanda chinesa, por ferro, soja, frango, aço e quanto mais for necessário para impulsionar sua imensa máquina de produzir manufaturados. Conforme bem apontou o brilhante editorial da "Economist", ("Special Report", "From T-shirts to T-Bonds", 30 de julho, págs.61 a 63), a influência da China precisa ser percebida sobre todos os aspectos da economia mundial, dos "T-shirts" aos "T-Bonds". Apenas um pedaço menor dessa onda positiva foi absorvida até aqui, por nossa economia doméstica. Com juros internos excessivamente altos, o Banco Central fez apenas acentuar efeitos de uma apreciação cambial do real que aconteceria, de qualquer jeito, pelo impetuoso aumento da demanda mundial por produtos agrícolas e minerais "made in Brazil". O juro alto brasileiro freou os efeitos positivos de um crescimento mundial "made in China", do qual o Brasil pouco se beneficiou até o momento. A economia parece blindada, quando de fato está apenas bloqueada, retida pelo regime de metas de inflação, que a prende no crescimento medíocre. Para silenciosa satisfação da sua concorrência política, Lula ainda não fez o cavalo da economia galopar na reta final. Mas ainda pode. Ou poderia, desde que o Banco Central começasse a mostrar que sabe baixar juros tanto como aumentá-los. Se o fizer, vai estar ajudando o amigo oculto a ajudar o outro amigo, em sua combalida, mas ainda viva, Presidência. Coisas dessa economia globalizada, a distante China também vota na nossa CPI.


Paulo Rabello de Castro, 56, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também o conselho da consultoria GRC Visão. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - rabellodecastro@uol.com.br


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