|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Lula e o amigo oculto
PAULO RABELLO DE CASTRO
O título é pura provocação.
Na imprensa de hoje, se não
for denúncia de CPI ou parecido
com escândalo político, o assunto
não tem a menor chance de despertar o interesse do atarantado
leitor. O fato, porém, é que Lula
tem tido a ajuda de um amigo
oculto para continuar empurrando a economia e dando alento ao
cidadão que acorda cedo para trabalhar. É esse cidadão que, ao fim
do dia, fará o julgamento político
dessa administração.
Lula agradeceu, como todo homem educado, ao apoio desse
amigo oculto em seu discurso à
nação, na última sexta-feira.
Olhou para o alto, na direção do
teto ou do céu, seguidas vezes enquanto falava, como se a procurar
a presença de quem faltava àquela
atenta e sisuda roda de ministros.
É como se o amigo ausente pairasse acima dos demais colaboradores, talvez acima do próprio Lula.
O presidente mencionou os 3 milhões de empregos criados desde
que chegou ao Planalto. Fez questão de ressaltar a robustez extraordinária da balança comercial brasileira, que passará dos US$ 40 bilhões. E não deixou de lembrar a
estabilidade interna. Por discrição, talvez, já que se tratava de um
discurso primordialmente político,
só deixou de mencionar o nome
do santo: "China". Não é a alcunha de ninguém. É o país China,
aquele amigo oculto que faz explodir nosso superávit externo, que
aprecia o câmbio brasileiro, fazendo nossa moeda nacional passar
de beque de roça a Robinho, que,
por sua vez, modera os preços em
reais no atacado, propiciando
uma perspectiva de inflação mais
baixa e dando ao trabalhador daqui uma beirada, um cheirinho,
da enorme prosperidade que movimenta a economia do país mais
influente sobre o PIB planetário.
Ao mirar algum ponto acima de
sua cabeça, Lula talvez buscasse a
explicação por estar tão preservado em sua popularidade, mesmo
diante de bombardeios intensos,
inclusive dos companheiros. Por
outro lado, analistas econômicos
curiosos e enfadonhos perguntam
por que a economia brasileira permanece "blindada" (termo abominável e equivocado) ao desmoronamento das esperanças políticas do eleitorado. Óbvio que a direção da pergunta está trocada.
Neste momento, é a economia que
ainda suporta o peso da avalanche política. Não é a política que
mal consegue desfazer a economia. É esta que consegue "refazer"
o estrago político. O eleitor sabe,
ou pelo menos desconfia, que algo
ainda melhor para ele, como trabalhador e consumidor, estaria
prestes a acontecer na perspectiva
econômica dos próximos meses.
Não sabendo de onde vem o milagre, no entanto, tem fé que possa
acontecer.
Somos freqüentemente guiados
por forças que superam nossa percepção cognitiva. Não entendemos
bem, mas desconfiamos de que está lá. A economia tupiniquim de
Lula é bafejada por esse aparente
mistério, a extraordinária demanda chinesa, por ferro, soja, frango,
aço e quanto mais for necessário
para impulsionar sua imensa máquina de produzir manufaturados. Conforme bem apontou o brilhante editorial da "Economist",
("Special Report", "From T-shirts
to T-Bonds", 30 de julho, págs.61 a
63), a influência da China precisa
ser percebida sobre todos os aspectos da economia mundial, dos "T-shirts" aos "T-Bonds". Apenas um
pedaço menor dessa onda positiva
foi absorvida até aqui, por nossa
economia doméstica. Com juros
internos excessivamente altos, o
Banco Central fez apenas acentuar efeitos de uma apreciação
cambial do real que aconteceria,
de qualquer jeito, pelo impetuoso
aumento da demanda mundial
por produtos agrícolas e minerais
"made in Brazil". O juro alto brasileiro freou os efeitos positivos de
um crescimento mundial "made
in China", do qual o Brasil pouco
se beneficiou até o momento. A
economia parece blindada, quando de fato está apenas bloqueada,
retida pelo regime de metas de inflação, que a prende no crescimento medíocre. Para silenciosa satisfação da sua concorrência política,
Lula ainda não fez o cavalo da
economia galopar na reta final.
Mas ainda pode. Ou poderia, desde que o Banco Central começasse
a mostrar que sabe baixar juros
tanto como aumentá-los. Se o fizer, vai estar ajudando o amigo
oculto a ajudar o outro amigo, em
sua combalida, mas ainda viva,
Presidência. Coisas dessa economia globalizada, a distante China
também vota na nossa CPI.
Paulo Rabello de Castro, 56, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também o
conselho da consultoria GRC Visão. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
E-mail - rabellodecastro@uol.com.br
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Tendências Internacionais - Capitalismo vermelho: Investimento em ativo cresce 27% na China Índice
|