São Paulo, quinta-feira, 17 de agosto de 2006

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Vencer inflação não garante crescimento, diz "pai do Real"

Para André Lara Resende, capitalismo é incapaz de resolver desigualdades socais

Ex-presidente do BNDES, que recebeu o título de "Economista do Ano", afirma que é preciso reorganizar a vida pública


JANAÍNA LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil encontra-se em estado deplorável, apesar de mais rico, e o fim da inflação não garante a retomada do crescimento. A constatação é de André Lara Resende, um dos mais importantes economistas do país e integrante da equipe criadora do Plano Real.
Agraciado na terça, em São Paulo, com o título de "Economista do Ano" pela Ordem dos Economistas do Brasil, Lara defendeu o capitalismo como o sistema mais eficiente para a produção de riquezas. O modelo, no entanto, teria se mostrado incapaz de acabar com a desigualdade social.
Em seu discurso, Lara disse acreditar, no passado, que a resolução dos problemas macroeconômicos serviria como empuxo ao país. "Hoje, constato que a superação da inflação crônica não é condição de suficiência para a retomada do crescimento e também não tenho certeza de que o mero crescimento seja condição para superação do subdesenvolvimento", reconheceu.
"O país defronta-se com dificuldades de toda ordem. Não acho que seja exagero retórico afirmar que encontra-se em estado deplorável."
As afirmações do economista têm como base uma combinação perversa -o progresso material do Brasil não trouxe consigo melhora na qualidade de vida dos brasileiros.
"Os países em que a tentativa de implementar o capitalismo moderno coincide no tempo com o esforço de criar uma base cultural-institucional podem se encontrar em uma situação perversa: o sucesso do capitalismo no segmento moderno da sociedade desvaloriza a vida pública e a cidadania muito antes da incorporação dos segmentos marginalizados."
Essa condição torna imprescindível a necessidade de interpretar as dificuldades do Brasil a partir de suas especificidades históricas e institucionais, como ocorre em países como Argentina e México.
Além disso, segundo Lara, "deve-se tentar reaproximar os homens públicos de suas comunidades, reverter de forma drástica a influência da publicidade e do marketing na vida pública". "Seus efeitos sobre as expectativas de consumo já são penosamente deletérios, mas sobre a vida pública são devastadores", concluiu.

Quarentena
Lara classificou o prêmio como "extemporâneo". Seja como for, resultou na primeira aparição pública do economista em anos. Ele se afastou dos holofotes em 1998, quando a divulgação de conversas sobre a privatização das teles, grampeadas ilegalmente, resultou na saída da presidência do BNDES. Hoje, mora na Inglaterra. Veio ao Brasil para o aniversário de cem anos da avó.
Aos jornalistas, um Lara tímido e emocionado disse não esquecer o Brasil. Para ele, a estabilização monetária está consolidada, mas a economia precisa ser aperfeiçoada. Como? A partir da formalização da independência do Banco Central, de mudanças na legislação cambial "obsoleta" e avanços no processo de conversibilidade da moeda. Tudo casado à responsabilidade fiscal -embora o ajuste, para ele, não seja sinônimo do atual modelo, no qual o equilíbrio é conseguido à custa da elevação de impostos.
Essa "estrutura tributária caótica", disse, serve de entrave ao emprego e aos investimentos do setor produtivo. Outro muro para o crescimento é o que o economista classifica de "arcabouço regulatório barroco". "Como dois irmãos malévolos e inseparáveis, tributos e burocracia penalizam todos os aspectos da vida", observou.
Avesso às badalações, Lara foi embora do evento logo após sua premiação. Perdeu a oportunidade de ver os pares debatendo suas idéias. Entre eles, o diretor do banco Goldman Sachs Paulo Leme e o ex-presidente do BC Gustavo Franco. "Foi uma fala bonita, mas eu agregaria uma fé maior [no mercado]", observou Leme. Franco, com um sorriso, resumiu a sensação geral: "André é um pessimista profissional, mas imprescindível".


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