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Vencer inflação não garante crescimento, diz "pai do Real"
Para André Lara Resende, capitalismo é incapaz de resolver desigualdades socais
Ex-presidente do BNDES, que recebeu o título de "Economista do Ano",
afirma que é preciso
reorganizar a vida pública
JANAÍNA LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
O Brasil encontra-se em estado deplorável, apesar de mais
rico, e o fim da inflação não garante a retomada do crescimento. A constatação é de André Lara Resende, um dos mais
importantes economistas do
país e integrante da equipe
criadora do Plano Real.
Agraciado na terça, em São
Paulo, com o título de "Economista do Ano" pela Ordem dos
Economistas do Brasil, Lara
defendeu o capitalismo como o
sistema mais eficiente para a
produção de riquezas. O modelo, no entanto, teria se mostrado incapaz de acabar com a desigualdade social.
Em seu discurso, Lara disse
acreditar, no passado, que a resolução dos problemas macroeconômicos serviria como
empuxo ao país. "Hoje, constato que a superação da inflação
crônica não é condição de suficiência para a retomada do
crescimento e também não tenho certeza de que o mero crescimento seja condição para superação do subdesenvolvimento", reconheceu.
"O país defronta-se com dificuldades de toda ordem. Não
acho que seja exagero retórico
afirmar que encontra-se em estado deplorável."
As afirmações do economista
têm como base uma combinação perversa -o progresso material do Brasil não trouxe consigo melhora na qualidade de
vida dos brasileiros.
"Os países em que a tentativa
de implementar o capitalismo
moderno coincide no tempo
com o esforço de criar uma base
cultural-institucional podem
se encontrar em uma situação
perversa: o sucesso do capitalismo no segmento moderno da
sociedade desvaloriza a vida
pública e a cidadania muito antes da incorporação dos segmentos marginalizados."
Essa condição torna imprescindível a necessidade de interpretar as dificuldades do Brasil
a partir de suas especificidades
históricas e institucionais, como ocorre em países como Argentina e México.
Além disso, segundo Lara,
"deve-se tentar reaproximar os
homens públicos de suas comunidades, reverter de forma
drástica a influência da publicidade e do marketing na vida pública". "Seus efeitos sobre as
expectativas de consumo já são
penosamente deletérios, mas
sobre a vida pública são devastadores", concluiu.
Quarentena
Lara classificou o prêmio como "extemporâneo". Seja como for, resultou na primeira
aparição pública do economista em anos. Ele se afastou dos
holofotes em 1998, quando a divulgação de conversas sobre a
privatização das teles, grampeadas ilegalmente, resultou
na saída da presidência do
BNDES. Hoje, mora na Inglaterra. Veio ao Brasil para o aniversário de cem anos da avó.
Aos jornalistas, um Lara tímido e emocionado disse não
esquecer o Brasil. Para ele, a estabilização monetária está consolidada, mas a economia precisa ser aperfeiçoada. Como? A
partir da formalização da independência do Banco Central,
de mudanças na legislação
cambial "obsoleta" e avanços
no processo de conversibilidade da moeda. Tudo casado à
responsabilidade fiscal -embora o ajuste, para ele, não seja
sinônimo do atual modelo, no
qual o equilíbrio é conseguido à
custa da elevação de impostos.
Essa "estrutura tributária
caótica", disse, serve de entrave
ao emprego e aos investimentos do setor produtivo. Outro
muro para o crescimento é o
que o economista classifica de
"arcabouço regulatório barroco". "Como dois irmãos malévolos e inseparáveis, tributos e
burocracia penalizam todos os
aspectos da vida", observou.
Avesso às badalações, Lara
foi embora do evento logo após
sua premiação. Perdeu a oportunidade de ver os pares debatendo suas idéias. Entre eles, o
diretor do banco Goldman
Sachs Paulo Leme e o ex-presidente do BC Gustavo Franco.
"Foi uma fala bonita, mas eu
agregaria uma fé maior [no
mercado]", observou Leme.
Franco, com um sorriso, resumiu a sensação geral: "André é
um pessimista profissional,
mas imprescindível".
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