São Paulo, sexta-feira, 17 de agosto de 2007

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Greed and fear

A fase de euforia dos últimos quatro anos está sendo rapidamente substituída pelo medo e a insegurança

PEÇO LICENÇA para usar duas palavras da língua de William Shakespeare no título da minha coluna de hoje. Elas são mais ricas que as nossas para descrever esses dois sentimentos humanos -ambição e medo- que comandam os mercados financeiros. A ambição por ganhos crescentes se desenvolve em períodos prolongados de otimismo e baixa volatilidade, levando o mercado a tomar posições mais arriscadas no pressuposto de que tudo vai continuar cor-de-rosa. Nessa fase, as inovações financeiras levam instituições e investidores a um aumento da complacência na busca de ganhos sempre maiores.
São nesses momentos de irracionalidade que ocorrem fatos inesperados e que interrompem o jogo de faz-de-conta. A história é muito rica em exemplos de episódios desse tipo. Na grande crise financeira de 1929, foi o desfalque em um pequeno banco londrino que acendeu a fagulha que derrubou o castelo de cartas construído na Bolsa de Valores de Nova York. O mercado caiu por vários anos, gerando um dos maiores colapsos econômicos e sociais das sociedades modernas.
Vivemos hoje um momento em que todos esses fantasmas voltam a povoar o imaginário de muitos analistas das questões financeiras e econômicas. A fase de euforia dos últimos quatro anos, criada pelo mercado acionário em alta e pelo abandono de critérios racionais na concessão de crédito em todo o mundo, está sendo rapidamente substituída pelo medo e pela insegurança, que também podem chegar à irracionalidade. Mas dessa vez não foi um evento imprevisível que acendeu a chama da crise. As dificuldades atuais são bem conhecidas há mais de um ano e começaram com o colapso do mercado de empréstimos hipotecários para pessoas de baixa renda nos Estados Unidos.
Com a pílula dourada por complexos instrumentos financeiros, o mercado foi inundado com esses empréstimos de alto risco, vendidos como créditos seguros e de qualidade. Como bem disse um atento analista das coisas do dinheiro, é como um Rolex de ouro vendido por US$ 10 e com a garantia de qualidade de joalherias de respeito (as agências de rating). E esse produto espalhou-se pelo mundo como uma verdadeira ciranda da felicidade. O problema é que essa garantia, como não poderia deixar de ser, era falsa.
Mas o verdadeiro pânico nos mercados do mundo todo decorre não do Rolex falso em si, mas da dúvida a respeito da qualidade de outros ativos até então vistos como seguros. E, na impossibilidade de se quantificarem os prejuízos, outros tipos de empréstimo passaram a ser evitados pelos investidores, que direcionaram suas aplicações para investimentos em títulos com risco de crédito nulo, como os do Tesouro dos Estados Unidos.
A rapidez e a intensidade desses movimentos desorganizaram parcelas importantes do mercado, atingindo também os créditos de países emergentes, como o Brasil, e o acesso a financiamento de curto prazo para bancos e empresas nos Estados Unidos e na Europa.
A grande pergunta dos investidores hoje é qual será a intensidade dessa crise e se ela chegará à economia real. Somente ao longo das próximas semanas poderemos responder com alguma certeza a essa questão. E a resposta dependerá do comportamento do consumidor norte-americano e da continuidade do crescimento no resto do mundo, especialmente na Ásia.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e ministro das Comunicações (governo FHC).
lcmb2@terra.com.br


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