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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Greed and fear
A fase de euforia dos últimos
quatro anos está sendo
rapidamente substituída
pelo medo e a insegurança
PEÇO LICENÇA para usar duas
palavras da língua de William
Shakespeare no título da minha coluna de hoje. Elas são mais ricas que as nossas para descrever esses dois sentimentos humanos
-ambição e medo- que comandam os mercados financeiros. A
ambição por ganhos crescentes se
desenvolve em períodos prolongados de otimismo e baixa volatilidade, levando o mercado a tomar posições mais arriscadas no pressuposto de que tudo vai continuar cor-de-rosa. Nessa fase, as inovações financeiras levam instituições e investidores a um aumento da complacência na busca de ganhos sempre
maiores.
São nesses momentos de irracionalidade que ocorrem fatos inesperados e que interrompem o jogo de
faz-de-conta. A história é muito rica
em exemplos de episódios desse tipo. Na grande crise financeira de
1929, foi o desfalque em um pequeno banco londrino que acendeu a fagulha que derrubou o castelo de cartas construído na Bolsa de Valores
de Nova York. O mercado caiu por
vários anos, gerando um dos maiores colapsos econômicos e sociais
das sociedades modernas.
Vivemos hoje um momento em
que todos esses fantasmas voltam a
povoar o imaginário de muitos analistas das questões financeiras e
econômicas. A fase de euforia dos
últimos quatro anos, criada pelo
mercado acionário em alta e pelo
abandono de critérios racionais na
concessão de crédito em todo o
mundo, está sendo rapidamente
substituída pelo medo e pela insegurança, que também podem chegar à irracionalidade. Mas dessa vez
não foi um evento imprevisível que
acendeu a chama da crise. As dificuldades atuais são bem conhecidas
há mais de um ano e começaram
com o colapso do mercado de empréstimos hipotecários para pessoas de baixa renda nos Estados
Unidos.
Com a pílula dourada por complexos instrumentos financeiros, o
mercado foi inundado com esses
empréstimos de alto risco, vendidos
como créditos seguros e de qualidade. Como bem disse um atento analista das coisas do dinheiro, é como
um Rolex de ouro vendido por US$
10 e com a garantia de qualidade de
joalherias de respeito (as agências
de rating). E esse produto espalhou-se pelo mundo como uma verdadeira ciranda da felicidade. O problema
é que essa garantia, como não poderia deixar de ser, era falsa.
Mas o verdadeiro pânico nos
mercados do mundo todo decorre
não do Rolex falso em si, mas da dúvida a respeito da qualidade de outros ativos até então vistos como seguros. E, na impossibilidade de se
quantificarem os prejuízos, outros
tipos de empréstimo passaram a ser
evitados pelos investidores, que direcionaram suas aplicações para investimentos em títulos com risco de
crédito nulo, como os do Tesouro
dos Estados Unidos.
A rapidez e a intensidade desses
movimentos desorganizaram parcelas importantes do mercado, atingindo também os créditos de países
emergentes, como o Brasil, e o acesso a financiamento de curto prazo
para bancos e empresas nos Estados
Unidos e na Europa.
A grande pergunta dos investidores hoje é qual será a intensidade
dessa crise e se ela chegará à economia real. Somente ao longo das próximas semanas poderemos responder com alguma certeza a essa questão. E a resposta dependerá do comportamento do consumidor norte-americano e da continuidade do
crescimento no resto do mundo, especialmente na Ásia.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e
economista, é economista-chefe da Quest Investimentos.
Foi presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e ministro das Comunicações
(governo FHC).
lcmb2@terra.com.br
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