São Paulo, terça-feira, 17 de setembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Decepção de sogra

BENJAMIN STEINBRUCH

Julia, minha sogra, teve um ataque de nacionalismo na semana passada e decidiu comprar um carro a álcool. Ela havia lido na revista "The Economist" um artigo com o título "Driven to Alcohol", sobre um acordo assinado entre Brasil e Alemanha, em Johannesburgo, para financiar a produção de carros a álcool. Depois, leu uma entrevista de Eduardo de Carvalho, presidente da Unica (União da Agroindústria Canavieira de São Paulo), à "Gazeta Mercantil", mostrando que o álcool voltou a ser uma opção contra a ameaça atual de explosão dos preços do petróleo. Por fim, leu que os motores a álcool já são quase tão econômicos quantos os a gasolina.
Além de nacionalista, Julia é um pouco mão-fechada. Com o álcool a R$ 0,80 por litro e a gasolina a quase R$ 2, vislumbrou uma boa oportunidade para a economia de gastos com combustível. Ligou para uma concessionária da montadora A e foi informada de que a empresa produz um único modelo de carro a álcool, com motor 1.8, para venda ao público em geral. Assim mesmo, fabrica esse carro sob encomenda, o que demora pelo menos 45 dias. Só motoristas de táxi podem comprar um segundo modelo, e isso é tudo.
Minha sogra não desistiu. Imaginou que pudesse encontrar o carro nas três outras grandes fábricas instaladas no Brasil. Ligou então para uma concessionária da montadora B e teve decepção ainda maior. "Quero ser bem franco, a fábrica não está produzindo carros a álcool por uma questão de adaptação de sua nova linha de motores a esse combustível. Talvez saia alguma coisa até o fim do ano. Por que a senhora não tenta falar com uma concessionária da montadora C?" Com essa sugestão, o vendedor encerrou a conversa.
Julia seguiu o conselho do vendedor e decepcionou-se outra vez. Foi informado de que a fábrica da montadora C também não fornece atualmente carros a álcool. O funcionário da revendedora acha que a fábrica espera alguma ação do governo que possa ao mesmo tempo garantir o abastecimento estável de álcool e incentivar a volta da produção de veículos.
Só faltava a montadora D. Julia ligou para uma concessionária dessa fábrica e teve uma boa surpresa. Sim, ela tinha um modelo a álcool em linha de produção, para pronta entrega, mas tratava-se de um carro pequeno, com motor 1.0. O modelo, um pouco melhor, com motor 1.8, só estava disponível para taxistas.
Minha sogra deixou o nacionalismo e o conservadorismo de lado e comprou um carro a gasolina. Rendeu-se ao mercado. Ela só encontrou dois automóveis a álcool para comprar. Um, com motor 1.8, para entrega em 45 dias. Outro, para entrega imediata, com motor 1.0. Nenhum dos dois atendia às necessidades dela.
Não sei de quem é a culpa pela decepção de Julia. Ela não comprou o carro a álcool por não haver oferta suficiente. Mas as montadoras também deixaram de fabricar diferentes modelos porque não há procura que justifique a formação de estoques variados para pronta entrega.
A permanecer esse impasse, dificilmente encontraremos o caminho para tornar novamente viável esse combustível renovável que poderia representar uma vacina contra o risco de explosão dos preços do petróleo, por causa da instabilidade do Oriente Médio e de um possível ataque dos Estados Unidos ao Iraque.
Na prática, existem hoje apenas duas medidas para estimular a produção de carros a álcool: uma pequena redução no IPI e uma determinação do governo federal de renovar a sua frota com esses veículos. É pouco. Enquanto isso, a frota brasileira de carros a álcool envelhece e já foi reduzida de 4,5 milhões para 3,1 milhões. Nesse ritmo, desaparecerá em poucos anos e serão desativadas as mais de 25 mil bombas que ainda vendem esse combustível em todo o país. Nem minha sogra nem o Brasil merecem isso.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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