São Paulo, domingo, 17 de setembro de 2006

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País tem de voltar a ser competitivo, diz dirigente da Anfavea

Para executivo, altas taxas de juros e custos crescentes são entrave à atração de investimentos por montadoras do país

Entidade deve entregar a novo governo documento com propostas que incluem corte de gastos públicos e reformas necessárias ao país

MAELI PRADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os recordes registrados pelas montadoras não são suficientes para garantir investimentos para o Brasil, diz a Anfavea (Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores). O setor, hoje em foco pela crise da Volkswagen, prepara documento com propostas macroeconômicas a ser encaminhado ao governo eleito, em 2007, alertando sobre a necessidade de o país ser mais competitivo no cenário internacional. Segundo Rogelio Golfarb, presidente da entidade, o texto falará em corte de despesas de custeio, reformas da Previdência e trabalhista e até em flexibilização para importações em alguns segmentos. "O Brasil precisa crescer mais", diz. Sobre a situação da Volkswagen, que fechou acordo para demitir 3.600 trabalhadores, o executivo, que é diretor de assuntos corporativos da Ford, afirma que o corte de custos é comum a todas as montadoras e que a empresa foi uma das mais afetadas pelo câmbio desfavorável a exportações. Leia trechos da entrevista.  

FOLHA - As vendas internas de carros estão se sustentando a partir de financiamentos. Mas já se fala em sinais de esgotamento do crédito. Existe um limite para esse caminho?
ROGELIO GOLFARB
- Você entrou em uma questão específica, e eu preciso dar uma visão de conjunto. Existem alguns pontos de base, que são o desafio do Brasil daqui para a frente. Conseguimos uma coisa chamada equilíbrio macroeconômico. Tivemos grandes sacrifícios ao longo da nossa história para isso. Temos hoje inflação sob controle, taxas de juros declinantes, um risco-país em nível historicamente baixo, uma redução sensível da volatilidade dos parâmetros da economia, um superávit fiscal. Mas o Brasil precisa crescer mais. Claro que a seqüência é exatamente essa: equilíbrio macroeconômico para começar a trabalhar uma fase de maior crescimento, sem risco, se não vamos voltar. Se você tiver níveis de crescimento maior, sem risco macroeconômico, muitas dessas preocupações, como se o crédito vai ou não se extinguir, vão embora. Uma das preocupações para o país crescer mais é aumentar a taxa de investimento. Aí tem a questão do ajuste fiscal, que é o ponto de partida. Tem que trabalhar as despesas de custeio do governo e a Previdência, que é um dos grandes problemas da dívida interna brasileira. A reforma trabalhista também é importante. Se fizermos isso, a redução de custos permitirá que o governo tenha mais dinheiro para investir e que ele possa reduzir a carga tributária do setor privado para que este possa crescer. Esse é o caminho. Temos também que fazer o alerta da questão competitiva. É preciso atacar a competitividade brasileira como questão fundamental. Os nossos custos, que eram vantajosos no passado, há oito, dez anos, se nivelaram hoje aos padrões internacionais. Plásticos, por exemplo, aço, metais não-ferrosos, como alumínio, eram vantagens competitivas para o Brasil e hoje não são mais. Estão nivelados com os preços mundiais. A taxa real de juros hoje é de 9,4% ao ano. A da Turquia é 5,1%, na Coréia do Sul, nosso grande competidor, é 2,8%. Portanto, isso me onera. Continuo com meus custos logísticos altos, continuo com a minha taxa de juros acima dos meus competidores, com a carga tributária alta, que meus competidores não têm.

FOLHA - Mesmo assim, estamos vendo neste ano o setor apresentar números recordes. Esses resultados não são suficientes para atrair investimentos para o Brasil?
GOLFARB
- Estamos vendo de 2003 a 2005 um crescimento muito com base no mercado externo. Os recordes não são de mercado interno. Agora estamos declinando no mercado externo e crescendo no mercado interno. Mas ainda não voltamos aos níveis de 1997 para o mercado interno, os recordes são resultado de produção por causa da combinação dos dois, mas as exportações começaram a cair. A verdade é que, para o tamanho da economia brasileira e para os níveis de competitividade, a resposta para você é não. O investidor olha o filme que ele acha que vai acontecer ao longo do tempo.

FOLHA - Essas necessidades apontadas pelo sr. serão levadas ao governo em 2007? Ou já foram levadas aos candidatos à Presidência?
GOLFARB
- Não levamos aos candidatos. O governo que assumir vai receber um documento da Anfavea que tem uma visão macro e uma visão de setor. E elas precisam estar concatenadas, não é possível a gente chegar e dizer: quero crescer, me reduz imposto, me faz uma medida emergencial. Estamos em uma fase em que temos que ter uma visão estrutural.

FOLHA - A Anfavea não revisou as expectativas para este ano, apesar de o PIB ter vindo abaixo do esperado. Mas o que se espera para 2007, lembrando que as exportações não irão contrabalancear o jogo?
GOLFARB
- O PIB do terceiro trimestre vai vir acima, eu acho. Precisamos ter cuidado ao analisar o PIB, acredito que devemos olhar muito mais a tendência do que o número. Quando olho a queda da taxa de juros que está acontecendo, e pelo nível de inflação baixa, eu acho que nós vamos ter patamares de crescimento maiores. As grandes quedas nas taxas de juros que estamos vendo agora vamos colher daqui a sete meses, lá na frente. A queda da taxa de juros aqui dá pico de crescimento do PIB lá na frente.

FOLHA - Os números do setor são bons, mas vemos a Volkswagen, que chegou a falar em fechar a unidade de São Bernardo. Por que essas situações tão díspares?
GOLFARB
- Existem coisas que transparecem publicamente quando você tem um fato mais forte, como esse da Volkswagen. Posso garantir que todas as empresas estão fazendo um esforço gigantesco para reduzir custos: desperdício, melhoria da produtividade interna, das eficiências. Por quê? Porque 33% da produção está dedicada à exportação. Isso é a média da indústria. Se você pegar os cinco grandes produtores de veículos do Brasil, eles rodam acima de 40%. Na briga por competitividade há empresas que têm necessidades maiores do que as outras. É o que estamos vendo com a Volkswagen. Ajustes todo mundo está fazendo. Algumas montadoras têm ajustes na mão-de-obra, mas outras têm ajustes silenciosos. Na minha empresa [Ford], há uma guerra violenta contra custos, todos os tipos de custo, como quanto é gasto em papel, celular, conta telefônica etc.


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