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ARTIGO
Robert Lehman garantiu o sobrenome
ELIO GASPARI
COLUNISTA DA FOLHA
Na manhã de ontem, a Ala
Lehman do Museu Metropolitan de Nova York teve uns cem
visitantes. Muitos, como a moça da livraria, não sabiam que a
magnífica coleção de quadros,
esculturas e tapeçarias exibidos num anexo que replica o
ambiente do apartamento do
banqueiro Robert Lehman tinha algo a ver com a casa bancária que foi à bancarrota na segunda-feira. Esse foi o primeiro
dia de uma nova era para o sobrenome. Desde 1850, a marca
"Lehman Brothers" esteve associada a uma família de banqueiros. A partir de agora, estará associada ao gosto e à fortuna de um colecionador que
transformou um gesto de filantropia no melhor investimento
da história da família.
Robert Lehman dirigiu e
orientou a casa bancária de
1925 até 1969, quando morreu,
aos 78 anos. Trabalhou com
duas idéias: apostava em gente
com novas idéias (companhias
aéreas, por exemplo) e no consumo das multidões. Ganhou
rios de dinheiro e tornou-se um
dos homens mais ricos do país.
Depois de sua morte, a família
afastou-se do negócio e hoje ela
estaria associada apenas a uma
concordata se "Bobbie" Lehman não tivesse multiplicado
um interesse pela arte que lhe
foi ensinado pelo pai. (Philip
Lehman, na velhice, passava
horas contemplando em silêncio uma "Anunciação" de Sandro Botticelli, pintada por volta
de 1485.)
Lehman juntou 3.000 obras
de arte e seu forte foi o Renascimento Italiano. Deles, o mais
conhecido é uma pequena pintura intitulada "A criação do
Mundo e a Expulsão do Paraíso", de Giovanni di Paolo
(1445). Daí em diante, formou
um catálogo de grandes nomes:
Rembrandt, El Greco, Van
Gogh, Gauguin. Houve um
tempo em que na mesma sala
conviviam a Condessa de Altamira, de Goya, e a Princesa de
Broglie, de Ingres. Paulo Francis visitava-as mensalmente,
repetindo a mesma frase: "Aí
está a diferença entre o gênio
(Goya) e o talento".
O Metropolitan namorou essa coleção por quase 30 anos,
mas Lehman desconversava. O
banqueiro jogava pólo no andar
de cima, mas sabia o que era o
preconceito. Em 1941, convidaram-no para o conselho, considerado um clube de anti-semitas e continuaram a namorá-lo.
Finalmente, Lehman cedeu.
Doaria sua coleção ao museu,
desde que ela ficasse num pavilhão exclusivo e indivisível, que
lembrasse sua casa.
Boa idéia, porque Henry
Marquand, o primeiro grande
doador do Metropolitan, é hoje
um desconhecido para os visitantes. (Era dele o Vermeer da
"Moça com a Jarra de Água",
custara menos de US$ 100 mil
em dinheiro de hoje.) Banqueiro, em 1901 Marquand viveu a
dor da quebra da casa com o nome de sua família.
Outro duque da banca, Thomas Lamont, da Casa Morgan,
impôs sua vontade ao museu e
desalojou um pedaço da ala de
esculturas greco-romanas.
Puseram no lugar um monstruoso restaurante, ornado
com uma placa de mármore
que identificava a "Ala Lamont". Com burocracia de museu não se brinca. Quarenta
anos depois o restaurante foi
fechado, as esculturas voltaram
em esplendor e a placa foi para
um canto de escada.
Lehman fez questão de examinar o projeto de seu pavilhão. Nele conseguiu-se o milagre de produzir um percurso de
paz. (Talvez por conta do jeito
de casa dos outros, com tapetes
no chão.) Num museu que gloriosamente parece estação ferroviária, sossego igual só se encontra nas salas de arte asiática.
Marquand tornou-se um herói de catalogo, Lamont, um
dignatário de escada. A turma
do papelório que quebrou a
Lehman Brothers, nem isso.
Quem tinha razão era o barão
do aço, Andrew Carnegie, o homem mais rico dos Estados
Unidos no início do século 20.
Ele dizia que "morrer rico é
uma desgraça". Carnegie patrocinou a construção de 3.000 bibliotecas. (Sua casa, na Quinta
Avenida com rua 91, é poderosa, mas perde em luxo, tamanho e espaço para o palácio do
Barão de Nova Friburgo, no Rio
de Janeiro. Quando seus donos
quebraram, a Viúva ficou com a
conta e assim nasceu o Palácio
do Catete, numa sociedade em
que a a maior parte da plutocracia tudo toma e nada dá.)
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