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São Paulo, segunda-feira, 17 de novembro de 2003

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ALIANÇA IMPENSÁVEL

Defensores de uma negociação mais ambiciosa, Canadá, Chile e México atacam versão limitada do acordo

Brasil e EUA tentam defender Alca "light"

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MIAMI

O acordo entre Brasil e Estados Unidos em torno de uma Alca limitada acabou produzindo uma situação impensável até poucos dias atrás: os dois países, agora aliados, tiveram que defender a nova "visão" da Área de Livre Comércio das Américas de ataques que partiram, entre outros, de Canadá, Chile e México, países que querem a Alca no formato anterior, mais ambicioso.
Na madrugada de quinta para sexta-feira, os dois co-presidentes da negociação, o brasileiro Adhemar Bahadian e o norte-americano Peter Allgeier, emergiram das "18 horas mais difíceis da minha vida", segundo Bahadian, com um documento que incorporava o acordo feito entre seus superiores hierárquicos, Celso Amorim (chanceler brasileiro) e Robert Zoellick, chefe do comércio externo norte-americano.
O texto trazia uma nova "visão da Alca", com o seguinte desenho básico: seria flexível, "para levar em conta as necessidades e sensibilidades de todos os sócios da Alca", e permitiria que cada país assumisse compromissos de acordo com seus desejos, respeitado "um conjunto comum e equilibrado de direitos e obrigações que sejam aplicáveis a todos os países".
É uma definição muito mais próxima da "Alca light", a expressão cunhada pelo ministro Amorim, do que da Alca abrangente, defendida pelos Estados Unidos. Tanto que o jornal "The Miami Herald", na coluna de ontem de Andrés Oppenheimer, seu especialista em América Latina, batizava a idéia de "Alca à la carte".
O texto preparado pelos dois co-presidentes começou ontem a ser examinado pelos demais 32 sócios. Tem 33 parágrafos distribuídos por cinco páginas, contra mais de 200 parágrafos em 27 páginas do primeiro esboço.
O substancial enxugamento provocou reações, mas a mais forte foi de mexicanos, canadenses e chilenos, não por acaso três países que já têm acordo de livre comércio com os Estados Unidos e, portanto, pouco ou nada ganhariam com uma Alca pouco ambiciosa.
Os três países propuseram, de saída, que fosse limitado o tempo para a possibilidade de nem todos os países assumirem todos os compromissos previstos no cardápio original da Alca. Propuseram também que só as nações mais pobres se beneficiassem do direito de escolher acordos conforme suas necessidades, o que excluiria o Brasil, o terceiro ou quarto mais rico das Américas, atrás de EUA, Canadá e, conforme o tipo de câmbio, do México.
Além disso, outro grupo de países pediu que as "instruções gerais", que dariam certa concretude à visão apenas genérica da Alca, contida no esboço dos co-presidentes, fossem elaboradas já em Miami. O rascunho Bahadian/ Allgeier jogava as instruções para uma nova reunião técnica (a do Comitê de Negociações Comerciais), prevista para fevereiro.
Eles argumentam que mais três meses em uma negociação já travada inviabilizaria o objetivo de encerrar os entendimentos até 1º de janeiro de 2005.
As "instruções gerais", para todos os efeitos práticos, seriam a definição do "conjunto comum e equilibrado de direitos e obrigações" que todos terão que cumprir. Ou, em linguagem menos diplomática, que concessões cada país está disposto a fazer.
O Mercosul reagiu imediatamente com a apresentação de sua própria proposta de "conjunto básico", sem novidades em relação ao que vem defendendo desde o princípio. Reapresenta, por exemplo, a necessidade de abrir todo o universo agrícola e de tornar mais transparente o mecanismo antidumping da legislação norte-americana, temas que o Brasil admitia deixar para discutir apenas na OMC (Organização Mundial do Comércio), respeitando a sensibilidade dos EUA.
Ficou evidente que havia a enorme possibilidade de que todos os demais países começassem a introduzir demandas que devolveriam a negociação ao impasse em que se encontrava antes do acordo Brasil/Estados Unidos.
Allgeier, o co-presidente pelo lado norte-americano, imediatamente suspendeu a sessão matinal e convocou uma reunião mais limitada (de dez países, representando, geograficamente, o conjunto de 34). Em princípio, ficou resolvido que, no período da tarde, a discussão recomeçaria pelos temas que não são polêmicos, sempre levando em conta que EUA e Brasil querem evitar que Miami se transforme em uma nova Cancún, ou seja, num fracasso similar ao da conferência ministerial da OMC realizada em setembro nesse balneário mexicano.
Será possível? A delegação brasileira aposta que sim: "Todo mundo já entendeu a necessidade de preservar o delicado equilíbrio [encontrado entre Brasil e Estados Unidos]", diz Régis Arslanian, um dos principais negociadores brasileiros.


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