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ALIANÇA IMPENSÁVEL
Defensores de uma negociação mais ambiciosa, Canadá, Chile e México atacam versão limitada do acordo
Brasil e EUA tentam defender Alca "light"
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MIAMI
O acordo entre Brasil e Estados
Unidos em torno de uma Alca limitada acabou produzindo uma
situação impensável até poucos
dias atrás: os dois países, agora
aliados, tiveram que defender a
nova "visão" da Área de Livre Comércio das Américas de ataques
que partiram, entre outros, de Canadá, Chile e México, países que
querem a Alca no formato anterior, mais ambicioso.
Na madrugada de quinta para
sexta-feira, os dois co-presidentes
da negociação, o brasileiro Adhemar Bahadian e o norte-americano Peter Allgeier, emergiram das
"18 horas mais difíceis da minha
vida", segundo Bahadian, com
um documento que incorporava
o acordo feito entre seus superiores hierárquicos, Celso Amorim
(chanceler brasileiro) e Robert
Zoellick, chefe do comércio externo norte-americano.
O texto trazia uma nova "visão
da Alca", com o seguinte desenho
básico: seria flexível, "para levar
em conta as necessidades e sensibilidades de todos os sócios da Alca", e permitiria que cada país assumisse compromissos de acordo
com seus desejos, respeitado "um
conjunto comum e equilibrado de
direitos e obrigações que sejam
aplicáveis a todos os países".
É uma definição muito mais
próxima da "Alca light", a expressão cunhada pelo ministro Amorim, do que da Alca abrangente,
defendida pelos Estados Unidos.
Tanto que o jornal "The Miami
Herald", na coluna de ontem de
Andrés Oppenheimer, seu especialista em América Latina, batizava a idéia de "Alca à la carte".
O texto preparado pelos dois
co-presidentes começou ontem a
ser examinado pelos demais 32
sócios. Tem 33 parágrafos distribuídos por cinco páginas, contra
mais de 200 parágrafos em 27 páginas do primeiro esboço.
O substancial enxugamento
provocou reações, mas a mais forte foi de mexicanos, canadenses e
chilenos, não por acaso três países
que já têm acordo de livre comércio com os Estados Unidos e, portanto, pouco ou nada ganhariam
com uma Alca pouco ambiciosa.
Os três países propuseram, de
saída, que fosse limitado o tempo
para a possibilidade de nem todos
os países assumirem todos os
compromissos previstos no cardápio original da Alca. Propuseram também que só as nações
mais pobres se beneficiassem do
direito de escolher acordos conforme suas necessidades, o que
excluiria o Brasil, o terceiro ou
quarto mais rico das Américas,
atrás de EUA, Canadá e, conforme o tipo de câmbio, do México.
Além disso, outro grupo de países pediu que as "instruções gerais", que dariam certa concretude à visão apenas genérica da Alca, contida no esboço dos co-presidentes, fossem elaboradas já em
Miami. O rascunho Bahadian/
Allgeier jogava as instruções para
uma nova reunião técnica (a do
Comitê de Negociações Comerciais), prevista para fevereiro.
Eles argumentam que mais três
meses em uma negociação já travada inviabilizaria o objetivo de
encerrar os entendimentos até 1º
de janeiro de 2005.
As "instruções gerais", para todos os efeitos práticos, seriam a
definição do "conjunto comum e
equilibrado de direitos e obrigações" que todos terão que cumprir. Ou, em linguagem menos diplomática, que concessões cada
país está disposto a fazer.
O Mercosul reagiu imediatamente com a apresentação de sua
própria proposta de "conjunto
básico", sem novidades em relação ao que vem defendendo desde o princípio. Reapresenta, por
exemplo, a necessidade de abrir
todo o universo agrícola e de tornar mais transparente o mecanismo antidumping da legislação
norte-americana, temas que o
Brasil admitia deixar para discutir
apenas na OMC (Organização
Mundial do Comércio), respeitando a sensibilidade dos EUA.
Ficou evidente que havia a enorme possibilidade de que todos os
demais países começassem a introduzir demandas que devolveriam a negociação ao impasse em
que se encontrava antes do acordo Brasil/Estados Unidos.
Allgeier, o co-presidente pelo lado norte-americano, imediatamente suspendeu a sessão matinal e convocou uma reunião mais
limitada (de dez países, representando, geograficamente, o conjunto de 34). Em princípio, ficou
resolvido que, no período da tarde, a discussão recomeçaria pelos
temas que não são polêmicos,
sempre levando em conta que
EUA e Brasil querem evitar que
Miami se transforme em uma nova Cancún, ou seja, num fracasso
similar ao da conferência ministerial da OMC realizada em setembro nesse balneário mexicano.
Será possível? A delegação brasileira aposta que sim: "Todo
mundo já entendeu a necessidade
de preservar o delicado equilíbrio
[encontrado entre Brasil e Estados Unidos]", diz Régis Arslanian, um dos principais negociadores brasileiros.
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