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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Um novo metabolismo
No novo metabolismo da economia brasileira, a sobra
de dólar valorizou o câmbio e criou dinâmica de desinflação
A ECONOMIA de um país é um
organismo vivo como outros
que vivem em nosso universo.
E por isso tem um metabolismo próprio e que explica seu comportamento ao longo do tempo. Esse metabolismo é função também do ambiente externo a que está submetido
e de várias forças não-econômicas
que agem sobre seu funcionamento
no dia-a-dia. Tenho estudado as mudanças no metabolismo da economia brasileira a partir do incrível
fortalecimento de nossas relações
econômicas e financeiras com o
mundo exterior.
Esse fenômeno, que hoje se apresenta aos olhos do analista cuidadoso e sem preconceitos de uma forma
muito clara, começou na passagem
de 2003 para 2004. E, como já escrevi várias vezes, teve sua origem na alteração do equilíbrio entre oferta e
procura criada pela economia chinesa nos mercados mundiais de alguns produtos primários. Com isso,
os preços de nossos principais produtos de exportação tiveram um aumento extraordinário, gerando um
vigoroso crescimento no saldo de
nosso comércio exterior e mudando
o metabolismo de parte importante
de nossa economia.
Há poucos meses, comecei a aprofundar minhas reflexões sobre as diferenças entre o metabolismo de
uma economia aberta com sobra de
dólares e o de uma economia aberta
com escassez de moedas internacionais. Essa última situação representa bem a economia brasileira no período 1996 a 2002, enquanto a primeira é uma boa descrição para o
que vem ocorrendo nos últimos dois
anos.
Uma primeira diferença importante aparece na dinâmica da inflação. A sobra de dólares em nosso
mercado cambial levou a uma valorização expressiva de nossa moeda e
criou uma dinâmica de desinflação
na economia. A inflação desabou, e,
pela primeira vez desde a criação do
sistema de metas, teremos em 2006
um IPCA bem abaixo do centro da
meta. Está havendo uma mudança
no poder de fixação de preços por
parte das empresas brasileiras em
razão do aumento das importações
proporcionado pela solidez das contas externas. Felizmente, o Banco
Central, com um atraso de alguns
meses, reconheceu esse fato na última ata do Copom.
Esse metabolismo novo vem provocando muitas mudanças importantes em nossa economia, trazendo
novos desafios para o Brasil. Mas isso tem sido pouco reconhecido pela
maioria dos analistas, que ainda raciocinam com o metabolismo antigo, o que tem restringido muito a
percepção da sociedade para essas
transformações. Por isso minha insistência nestes nossos encontros
semanais em tratar desse assunto,
que tem relação não apenas com a
dinâmica da inflação mas também
com o baixo crescimento, que parece ser a vocação da economia brasileira.
O custo de muitos anos de uma
fragilidade externa destrutiva foi o
fechamento de nossa economia e a
criação de uma lógica de sobrevivência macroeconômica. Mesmo o
sucesso do Plano Real não conseguiu reverter essa situação nos anos
FHC. A experiência desastrosa do
regime de câmbio fixo, combinada
com um mundo em crise financeira
e sem a dinâmica chinesa dos últimos anos, levou o país a criar um
ambiente de negócios no sentido
contrário ao que prevaleceu nas outras economias de mercado. O aumento continuado dos gastos do governo e de sua irmã gêmea -a carga
tributária- marcou com tintas fortes, para pior, as regras de funcionamento da economia brasileira. Tomemos o exemplo de nosso sistema
tributário. Ele é talvez o mais anti-racionalidade de mercado que existe
entre os países emergentes. Mas foi
construído por gente competente e
é operado por uma burocracia, a Receita Federal, também bastante eficiente em seu objetivo único de aumentar a arrecadação.
Por muito tempo esse descompasso gritante entre a qualidade de nossa economia de mercado e a de nossos concorrentes ficou mascarado
pela nossa incapacidade de importar. Operamos até 2004 como se tivéssemos, na prática, uma economia
fechada e sem a competição externa.
Por isso, o metabolismo de nosso
sistema econômico foi se adaptando
a essa restrição. Mas agora esse arranjo institucional é um dos fatores
mais agressivos ao metabolismo de
uma economia aberta e com enorme
capacidade de importar, como é o
Brasil atualmente. Esse choque entre um sistema irracional do ponto
de vista de uma economia aberta e
um mundo competitivo e com regras totalmente diferentes das nossas começa a revelar, via crescimento medíocre, a impossibilidade de
ser mantido. Por isso não existe outro caminho para tirar nossa sociedade da mediocridade em que vivemos senão o de enfrentar de frente
essas limitações. O resto são bravatas.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 63, engenheiro e
economista, é economista-chefe da Quest Investimentos.
Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
(governo FHC).
lcmb2@terra.com.br
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