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ENTREVISTA DA 2ª
ABILIO DINIZ
Excesso de liberdade a executivos gerou crise
Para executivo, assim como as grandes empresas dos EUA e da Europa, grupo Pão de Açúcar também cometeu erros
A CRISE MUNDIAL e a crise enfrentada pelo grupo Pão de Açúcar
até 2007 estão intimamente ligadas. É essa a opinião de Abilio Diniz, presidente do conselho da rede, para quem o culto aos presidentes e a liberdade
que têm resultaram em problemas como os
que o grupo e alguns exportadores enfrentaram. "O que aconteceu no Pão de Açúcar
aconteceu em muitas empresas no mundo.
Foi dada muita liberdade aos executivos e
houve omissão dos donos e dos conselhos."
CRISTIANE BARBIERI
DA REPORTAGEM LOCAL
Abilio Diniz diz que, se o desemprego aumentar em 2009,
por conta da crise, será natural
haver problemas em alguns setores. Mas ele se mostra otimista: "Não estou vendo ninguém
parando. Se tivermos um pouco
de desemprego, o consumo vai
ser afetado. Não muito, porque
o consumo de gêneros alimentícios é o último a sentir".
A seguir, os principais trechos da entrevista.
FOLHA - Há um ano, os analistas faziam críticas ferozes ao Pão de Açúcar. Nos últimos relatórios, só faltou
colocarem o grupo no céu. O que
aconteceu?
ABILIO DINIZ - Depois de vários
anos com algumas dificuldades,
inclusive de gestão, voltamos
ao passado. O Claudio Galeazzi
[reestruturador convocado
após o afastamento do presidente Cássio Casseb, em 2007]
chama esse programa de "back
to basics". Voltamos a ser o que
éramos, a trabalhar direito.
FOLHA - O grupo não estava trabalhando direito?
DINIZ - Iniciei um processo de
profissionalização em 2003 e,
até o fim de 2007, tive dois presidentes [Augusto Marques da
Cruz e Casseb]. Ao querer fazer
com que a empresa ficasse independente, porque as pessoas
e o mercado diziam que ela tinha a cara do Abilio, dei uma liberdade muito grande aos executivos. Não só eu. O conselho
de administração e os acionistas não exerceram o papel de
impor diretrizes e pensamentos. Foi um erro. Acabamos não
tendo caminhos claros à frente.
FOLHA - A cultura que a empresa tinha se perdeu?
DINIZ - Não diria que se perdeu, mas a cultura de décadas
da companhia ficou, em determinado momento, à mercê dos
pensamentos e das idéias de
quem estava no comando. Foi a
principal razão de termos tido
cinco anos difíceis, traduzidos
por desempenhos medíocres.
FOLHA - O que mudou?
DINIZ - Mesmo antes da entrada do Claudio [Galeazzi], resolvemos colocar regras muito
claras à empresa. Isso fez com
que a empresa tivesse bons resultados. O que ele fez de mais
importante foi dar "empowerment" [delegar autoridade] aos
executivos. Ele não tentou impor suas idéias, mas fez com
que viessem dos executivos, da
cultura da empresa e do que sabiam fazer.
FOLHA - O Galeazzi também é conhecido por seus cortes...
DINIZ - Ele não é, ao contrário
do que se fala, um cortador de
custos. Ele diz que custos e despesas não se cortam, se administram. Ele administra custos
e busca eficiência. Nessa busca,
acaba normalmente enxugando. Mas ele não faz [os cortes]
com fórmulas prontas, de cortar determinado percentual,
aqui ou ali. O corte acaba sendo
conseqüência da boa gestão. Os
cortes do início do ano buscavam uma empresa mais eficiente e o resultado está aí.
FOLHA - A crise preocupa?
DINIZ - A questão de os acionistas darem muita liberdade aos
gestores foi um problema que
não aconteceu somente no Pão
de Açúcar. Foi algo que aconteceu em muitas empresas, não
só aqui no Brasil, e acabou resultando nessa crise. O culto
aos grandes CEOs [presidentes
executivos], que apareciam nas
capas de revistas americanas e
européias, que os mostravam
cada um mais maravilhoso do
que o outro e capazes de fazer
coisas cada vez mais espetaculares, foi errado. De quem é a
culpa? Do CEO e dos executivos? A falha começa principalmente nos acionistas, sejam
eles muitos ou um só. Não existe empresa sem dono. Todas as
empresas têm de ter um dono,
mesmo que o capital seja pulverizado. Alguém é responsável
por ela. Alguém tem de sentir o
ganho ou a perda do capital.
FOLHA - O problema aconteceu em
todas as áreas?
DINIZ - Sim, essas coisas que
aconteceram na crise [dos prejuízos que as empresas exportadoras tiveram com operações
financeiras atreladas ao câmbio, os derivativos] vêm disso.
Foi o diretor financeiro que fez,
foi o presidente que fez. Por
que deixaram fazer? Por que
não controlaram? Não é assunto de conselho e nem do acionista? Será que não? Por que
aqui não aconteceu nada disso?
Temos regras claras, sempre tivemos governança corporativa
muito boa e firme. Durante cinco anos, demos força demais ao
CEO. Mas, no nosso caso, não
houve omissão por parte do
conselho e dos acionistas. Houve deliberação de deixar as coisas serem tocadas pelo principal executivo. De quem é a culpa? Costumo dizer que a culpa
é do mordomo. São fatos que
acontecem.
FOLHA - Mas a crise não foi causada só por isso.
DINIZ - A origem crise não está
no "subprime" ou no mercado
imobiliário americano. A crise
foi gerada pelo excesso de liquidez no mundo e pela necessidade de se fazer negócios e mais
negócios e mais negócios para
dar remuneração a essa liquidez. Tudo estava irreal. Vivíamos num mundo em que a
quantidade de espuma em cima
do valor real dos ativos era muito grande. Tinha muita gente
comprando vento e muita gente vendendo vento.
FOLHA - O problema dos derivativos também está ligado ao excesso
de liquidez?
DINIZ - Derivativo é a forma
encontrada pelo sistema financeiro de emprestar dinheiro a
quem não precisa. As empresas
que fizeram [a operação] não fizeram por necessidade. Estão
bem, têm porte e foram atraídas pela possibilidade de ganhar mais. Mas isso é jogo. O
sistema financeiro encontrou
uma forma de emprestar a
quem vai pagar. Foi ouro sobre
o azul. Isso causou problemas
no sistema, para as empresas, e
de pressão no dólar. O dólar
não veio mais para baixo por
pressão dos derivativos.
FOLHA - É sensato o governo injetar liquidez na economia com o
mundo se desacelerando?
DINIZ - O mundo está em desaceleração não por gosto, mas
por necessidade. O Brasil tem
condições macroeconômicas
muito boas. É evidente que, se o
governo puder fazer com que
não haja desaceleração forte da
economia, ele tem de fazer.
FOLHA - Não estimula a inflação?
DINIZ - Não vejo problemas
muito sérios. Os economistas
projetam uma taxa de inflação
um pouco mais elevada para
2009, mas nenhum desastre.
Estamos com taxas de inflação
européias. O país mudou e é
preciso que as pessoas acreditem nisso. Passados os problemas maiores da crise, o capital
externo vai vir ao Brasil. Não há
muitas opções melhores. O país
tem fundamentos macroeconômicos sólidos, empresas sadias e vai continuar crescendo.
Tenho muita confiança no país
e no governo, inclusive.
FOLHA - Muitas lideranças empresariais têm dito que, com a crise, o
governo deveria cortar custos e fazer, por exemplo, a reforma trabalhista. O senhor concorda?
DINIZ - Também podia fazer
uma lista de desejos ao Papai
Noel. A reforma tributária, por
exemplo. É muito melhor se essas coisas acontecerem. Mas
você faz aquilo que pode e não
apenas aquilo que você deseja.
É claro que se tem de sonhar e
botar o sarrafo bem alto para
pular. Agora, o que não pode é
não reconhecermos o que está
acontecendo neste país.
FOLHA - Mas há a hipótese de que
o governo esteja injetando recursos
na economia de olho em 2010. O senhor não tem essa preocupação?
DINIZ - Não. O presidente Lula
é uma pessoa muito equilibrada, de pouca idade, que pode
pensar em sair e voltar. Ele não
vai queimar a estrada que tem
pela frente. Não há possibilidade de o país fazer coisas que
comprometam o futuro.
FOLHA - As vendas do grupo continuam boas?
DINIZ - Sim. Mesmo nessa chamada crise, tivemos vendas espetaculares. As vendas de outubro cresceram 29%. E neste
mês continuam excelentes.
FOLHA - Mesmo em bens duráveis?
DINIZ - Mesmo em duráveis.
Para vender bens duráveis é necessário crédito. Nós não temos
problema de crédito. Não somos adivinhos, mas estávamos
muito bem preparados. Na chamada "black monday" [segunda negra], na segunda seguinte
à quebra do Lehman Brothers,
estávamos com R$ 1,3 bilhão
em caixa. Subimos para R$ 1,5
bilhão, sentamos em cima e
baixamos a cabeça, esperando a
tempestade passar.
FOLHA - E vai ficar lá?
DINIZ - Isso foi algo que aprendemos. Tivemos no Pão de Açúcar uma grande crise interna,
de liquidez e de caixa, nos anos
90, quando quase desaparecemos. Depois disso, sempre
orientei para que trabalhássemos com caixa alto. Na gestão
passada, nos dois últimos anos,
trabalhamos com o caixa mais
raso porque o gestor achava
que deveríamos trabalhar com
o caixa mais baixo. Neste ano,
tudo voltou como era.
FOLHA - A empresa não continua
dependente do Abilio?
DINIZ - Acho que não. O Abilio
está atuando muito fora do
Brasil, muito com o [sócio francês] Casino. Estou procurando
não atuar no dia-a-dia do Pão
de Açúcar porque não preciso.
O fato de eu estar nesta sala dá a
eles [aos diretores executivos]
um conforto, mas muitas vezes
estou fazendo outras coisas.
Sinto, cada vez mais, o time engajado e crescendo.
FOLHA - O desemprego pode afetar as vendas em 2009?
DINIZ - É natural que, em alguns setores, haja problemas.
Mas não estou vendo ninguém
parando. Se tivermos um pouco
de desemprego, o consumo vai
ser afetado. Não muito, porque
o consumo de gêneros alimentícios, que é 70% da nossa venda, é o último a sentir.
FOLHA - A agressividade tende a
ser mantida em 2009?
DINIZ - Não sei. Não gosto de
fazer previsões em que eu tenha de manejar uma equação
com várias incógnitas e há muitas incógnitas para o ano que
vem. Tenho certeza de que a
empresa vai continuar com
uma performance muito boa.
Tenho certeza de que se faltar
mercado, nós vamos buscar dos
outros e estamos preparados.
FOLHA - A concorrência está crescendo. Ela o assusta?
DINIZ - Se a gente se assustasse
com a concorrência, saíamos
do ramo. Aqui é Brasil, temos
nossos diferenciais e os concorrentes têm os deles. Eles têm
excesso de capital que não temos. Mas não é só disso que é
feito o negócio. Temos de respeitá-los, nunca ignorá-los,
mas nunca temê-los.
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