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OPINIÃO ECONÔMICA
Além da recuperação
ANTONIO BARROS DE CASTRO
O governo conseguiu matar
o ovo da serpente da inflação, aprofundou o ajuste fiscal e
logrou impedir, até agora, que o
real se tornasse sobrevalorizado.
Além disso, há uma política de
exportações em ação, muito boa,
a julgar pelos resultados. E é só.
Não está havendo política de retomada, de crescimento ou de desenvolvimento. Estamos no império do automatismo. A própria
economia, revertidas as expectativas, faz acontecer a retomada.
De fato, como se pode observar
em outros episódios ocorridos no
passado (por exemplo, na transição de 1999 para 2000), a transmissão automática de impulsos é
muito forte na primeira fase da
retomada. E é bem possível que isso tire a economia da prostração
em que se encontrava.
Os partidários de políticas industriais ativistas crêem, em sua
maioria, que seja necessário, para
continuar crescendo, reconstruir
setores que ficaram para trás,
bem como preparar o terreno para novos investimentos, por meio
de grandes obras de infra-estrutura. A essas iniciativas, por sua vez,
caberia a abertura de novos espaços para investimentos. Discordo.
Não ignoro que setores estratégicos no crescimento de economias desenvolvidas se encontrem
por aqui atrasados ou sub-representados. E nem falo das carências de infra-estrutura, que, após
mais de 20 anos de estagnação,
são gritantes. No meu entender,
contudo, quem acha que é preciso
construir ou reconstruir setores
e/ou fazer grandes investimentos
para criar espaços e oportunidades para o investimento privado
está dando razão a Gustavo
Franco. Afinal, quase 60 anos depois de Volta Redonda, ainda é
preciso induzir grandes investimentos para gerar oportunidades
para as empresas? Será que as
empresas, até hoje, não desenvolveram a capacidade de criar e explorar suas próprias oportunidades, seus próprios espaços? Da sua
experiência ainda não brotam
oportunidades? Se é assim, industria não "pega" neste país.
Isso contraria, no entanto, o que
observo há muitos anos. Acho que
a Gradiente, a Acesita, a indústria de calçados do Vale dos Sinos,
a Sabó, a Marcopolo, os produtores de granito do Espírito Santo,
as flores do Ceará, a indústria de
software, as chamadas marcas
emergentes, ou tubaínas, e por aí
afora guardam possibilidades
inexploradas, que estão vindo à
tona e virão ainda muito mais
com a retomada do crescimento.
Todas têm e estão expandindo
um repertório de possibilidades,
de conhecimentos incompletos.
Não há como medir esse potencial. Mas há, no meu entender,
que transformá-lo em referência
da política de crescimento. Pela
simples razão de que aí reside o filão inesgotável da expansão. Essa
é uma fronteira naturalmente
inesgotável, porque se renova ao
ser explorada.
A visão do passado era criar, pela acumulação de capital, muito
apoio público, capacidade de produzir. E tinham razão os seus defensores. Era preciso forçar a
substituição de setores de baixa
produtividade por setores de produtividade média muito maior.
Mesmo que fosse necessária ampla proteção. Afinal, acelerar a
saída do café e da cana era também acelerar a criação de competências empresariais, de capacitação de técnicos e de trabalhadores
em geral.
Isso, hoje, não tem mais sentido.
É preciso ter e desenvolver capacitações para, à medida que estas
prometam ou comecem a dar frutos, sair em busca de recursos para instalar ou expandir a capacidade. E nesse ponto o BNDES
continua fundamental como o
banco da capacidade. Mas faz
pouco sentido induzir (forçar),
como nos anos 50 ou 70, a mera
criação de capacidade. Nós temos
enorme potencial reprimido. Foram 23 anos de frustrações. Nesses 23 anos a indústria lutou para
sobreviver; atravessamos um deserto em meio a tempestades.
Agora, as políticas têm de mirar o
potencial. O verdadeiro motor do
crescimento é o aproveitamento
do potencial acumulado.
Essa é, em suma, uma economia diversificada, dotada de uma
herança muito rica. Mas isso só
começa a contar mesmo a partir
da segunda etapa da retomada e,
sobretudo, daí por diante. Ou seja, à medida que se sai do automatismo e se ingressa no terreno
das conjecturas acerca do futuro.
Daí por diante, as expectativas
empresariais propriamente ditas,
incertas como é próprio das expectativas, passam a ter uma importância primordial. E há que
assisti-las, apoiá-las com os
apoios leves e múltiplos -que os
poderes públicos devem aprender
a dar. Não é mais fundar a economia. A economia está fundada e
as empresas que a integram já
passaram pelo crivo de muitas
crises. Nós estamos na indústria
há 60 anos. As empresas têm possibilidades que não estão sendo
implementadas porque nem começamos, de fato, a sair do deserto. Ainda quando modestas, elas
têm diante de si um leque de possibilidades. Esse leque contém
não apenas o futuro como, concretamente, a possibilidade de a
economia como um todo vir a
crescer rápida e sustentadamente.
Esse tipo de enfoque obviamente não omite as multinacionais.
Devemos cultivar um ambiente
capaz de estimulá-las a ampliar
seus investimentos no país -o
que difere enormemente (e é muito mais barato) de comprar o passe para novos setores. O objetivo,
simplesmente enunciado, é que
elevem a posição das subsidiárias
domésticas na estrutura mundial
das respectivas corporações. E isso
significa, na prática, enobrecer
produtos e trazer para o país funções corporativas superiores. Somente fabricar vale cada vez menos. É brigar por inteligência. Há
uma Província chinesa que anunciou recentemente que tem US$ 6
bilhões para atrair novas plantas.
Dá para encarar? Creio que não.
Atrair plantas, aliás, é algo que JK
fez brilhantemente: há mais de 40
anos. O Brasil deveria ter políticas
concebidas para uma economia
há muito tempo operando abaixo
de suas possibilidades e imensamente heterogênea. Durante a
longa estagnação, aliás, aumentou a heterogeneidade (e aí reside
uma das matrizes da brutal desigualdade que nos estigmatiza).
Por outro lado aumentou também a experiência empresarial, o
know-how e, genericamente, a capacidade de resolver problemas: o
potencial, definido da forma mais
ampla.
Não somos mais novatos, industrialmente temos meia-idade.
Se é verdade que podemos estar
saindo, como creio, de 23 anos de
intermitente asfixia de demanda,
devemos dar prioridade às possibilidades que acumulamos.
Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
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