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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Sonhos, ilusões de romance
Defender a União das Américas, do Alasca à Terra do Fogo, é cultivar quimeras
e utopias desvairadas
FIQUEI RECONFORTADO. Um
importante empresário brasileiro publicou nesta Folha, há
poucos dias, um artigo em defesa
da União das Américas. Verifiquei,
satisfeito, que, nos meios empresariais, também se vendem sonhos e
ilusões de romance, como na canção de Lulu Santos. À primeira vista, temos por aqui apenas capitalistas em busca permanente de lucros, subsídios, isenções tributárias e privatizações baratas. Mas
não. Eles também cultivam quimeras e até utopias desvairadas.
A União das Américas, do Alasca
à Terra do Fogo, é uma dessas utopias. Não vou citar o empresário
nominalmente. Poderia fazê-lo, até
porque o leitor provavelmente sabe de quem se trata. Mas é que os
argumentos de que ele se valeu não
são nada originais e refletem uma
atitude ainda bastante comum no
Brasil. Individualizar a crítica seria
dar à polêmica um caráter por demais restrito.
Na verdade, a tese da União das
Américas é antiga e já um tanto bolorenta. Mas não está morta. A referida União se faria evidentemente sob a liderança dos EUA. Entretanto, o "grande líder", comenta o
empresário utopista, deveria "dar
mais atenção aos vizinhos do seu
próprio quintal" (sic).
A defesa do projeto pan-americano se apóia quase sempre em alguns argumentos básicos, insistentemente repetidos. Primeiro argumento: o mundo estaria se organizando em grandes blocos regionais. "É óbvio", diz o nosso utopista, "que o mundo caminha para
formar três blocos distintos: Europa, Ásia e América."
Segundo argumento: um bloco
latino-americano, ou mesmo apenas sul-americano, não seria viável. Não teríamos força política e
econômica, competência ou coesão para tal. Nada de agitação nas
imediações do quintal do grande líder! Faz parte desse segundo argumento supervalorizar e exagerar os
conflitos de interesse entre países
sul-americanos ou latino-americanos.
Terceiro argumento: não haveria
motivo para temer a União das
Américas, pois a União Européia
seria um exemplo vivo de que a integração regional pode ter resultados altamente benéficos para os
países envolvidos, mesmo os mais
atrasados economicamente.
Todos esses argumentos são frágeis. Vamos por partes, como faria
Jack, o Estripador. Primeiramente, não é nada óbvio que o mundo
esteja se organizando em blocos
regionais. Não há bloco asiático em
formação. As grandes nações da
Ásia não superaram as suas rivalidades históricas, o que impediu até
agora o lançamento de um processo de integração regional ambicioso, remotamente comparável ao
europeu. China e Japão não se entendem. A Índia desconfia da China e vice-versa. Índia e Paquistão
estiveram, nas décadas recentes,
várias vezes em guerra ou à beira
disso.
Na verdade, o bloco europeu é
um caso único, resultado de uma
experiência histórica singular.
Duas guerras mundiais, que foram,
em grande parte, guerras civis européias e que geraram níveis nunca
antes vistos de violência, destruição e mortes, levaram a que as
grandes potências do continente,
começando pela França e a Alemanha, optassem finalmente por uma
aliança estratégica. Essa aliança
vem sendo pacientemente construída, ao longo de mais de 50 anos,
não sem tropeços, dificuldades e
resistências. Trata-se de um processo de integração profundo, relativamente equilibrado, que permite, por exemplo, a livre circulação
de trabalhadores e leva em conta a
necessidade de apoiar sistematicamente o desenvolvimento dos países mais atrasados.
Nada disso está sendo cogitado
nas Américas. O que Washington
propõe para a integração hemisférica -a Alca ou tratados bilaterais
no formato Alca- nada tem a ver
com o modelo da União Européia.
Mal comparando, o que existe na
Europa é um casamento. E o que os
EUA propõem aos latino-americanos é um "affair", um caso vagabundérrimo, ainda que de longa
duração. O México, por exemplo,
está há anos tentando legalizar as
"relações carnais" que mantém
com o grande vizinho do Norte.
Sem nenhum sucesso, claro.
Resumo do folhetim: se não quisermos cair em desgraça, se quisermos preservar a nossa independência como nações, o que nos cabe fazer é seguir o exemplo europeu no âmbito da América do Sul
(o México e a América Central parecem ter sucumbido irremediavelmente ao controle dos EUA). Isso significa disposição, paciência e
energia para construir, ao longo
das próximas décadas, um bloco
econômico e político, que tenha o
Mercosul como ponto de partida, e
que inclua, se não todo, pelo menos
a maior parte do continente sul-americano.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional:
Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
pnbjr@attglobal.net
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