São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 2007

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RUBENS RICUPERO

Que diferença faz o Brasil?


O Brasil tem só um setor em que faz diferença: o ambiente, que dominará a agenda internacional por cem anos


NEM POTÊNCIA nuclear nem militar convencional, arrastando crescimento raquítico há 20 anos, o Brasil tem apenas um setor em que faz diferença em termos globais: é o ambiente, item vital que vai dominar a agenda internacional pelos próximos cem anos.
A jogada mercadológica dos bancos internacionais, a invenção do grupo Bric (Brasil, Rússia, Índia, China), não engana ninguém. Não passa de plágio do conceito original de George Kennan, dos "monster-countries", que incluía os EUA: países de elevada heterogeneidade devido à combinação de território continental com grande população.
Nesse grupo de cinco, ao qual se agregaria a União Européia, o Brasil é o único que não tem arma atômica nem forças convencionais modernas e efetivas.
Se, do ponto de vista militar, não somos páreo para nenhum dos grandes, o que dizer de outros aspectos? Em dinamismo econômico ou gigantismo de mercado, não podemos aspirar ao prestígio decorrente da fulminante expansão da China e da respeitável performance indiana.
A Rússia conserva muito do capital acumulado pela grandeza passada, dos submarinos nucleares ao Bolshoi. Ademais, é potência gasífera e, em menor grau, petrolífera, essencial para o suprimento de energia à Europa.
Sobra alguma área em que jogamos de verdade no primeiro time? Nas negociações comerciais, ou melhor, agrícolas, mercê da iniciativa inteligente pela qual arrebatamos a liderança outrora em mãos da Austrália e da Argentina. Nesse tema, temos peso específico próprio. As vitórias nos processos contra os subsídios americanos ao algodão e europeus ao açúcar, o prestígio da formação do Grupo dos 20 asseguram que qualquer solução terá de passar pelo Brasil.
Não é pouco em comparação à maioria dos países, mas esse êxito poderia ser estendido a questão de envergadura incomparavelmente maior: a da mudança climática.
A razão pela qual o Brasil é incontornável na solução do aquecimento global é a mesma que opera na agricultura: a extraordinária riqueza em recursos naturais que faria dele uma potência ambiental, se existisse tal conceito. O país controla (?) a maior floresta tropical e é abençoado com uma das mais amplas reservas de água doce. Sua biodiversidade confirma a intuição do hino: de fato, "nossos bosques têm mais vida".
A agenda mundial foi distorcida pelo terrorismo, o Iraque, a proliferação de armas, o Irã, o conflito israelense-palestino. A esse respeito, pouco ou nada podemos fazer, pois carecemos de poder militar e econômico, e nossa influência no Oriente Médio é próxima de zero.
Esses problemas são reais, mas alguns foram inflados ou criados por estratégia errada (a desnecessária invasão do Iraque, por exemplo). Para a imensa maioria da humanidade pobre e sofredora na África, na Ásia e na América Latina, sua relevância é quase nula.
Já a mudança climática afeta a todos: é a mãe de todas as ameaças. Até a desonestidade de governo dominado por lobbies petrolíferos como o de Bush começa a ceder e, em dois ou três anos, é provável que os EUA se resignem a limites de emissão obrigatórios. A partir de agora, o destino do planeta vai depender de uma agenda ambiental na qual o Brasil faz diferença.
O problema é que, salvo momentos brilhantes como o da Rio 92, volta e meia recaímos em posição defensiva. A fim de ganhar em matéria ambiental a influência que exerce na negociação agrícola, o país tem de seguir o mesmo caminho da agricultura: converter em uma oportunidade o que hoje é um problema.
Não basta culpar os industrializados. É preciso criar coalizão de peso como o Grupo dos 20, pôr na mesa propostas sérias, exigir contribuição dos outros, mas também de si próprio. No mínimo, comprometendo-se a não agravar a situação com as queimadas na Amazônia e a destruição da biodiversidade.
Se, nessas e outras áreas da política ambiental, tivesse o Brasil a excelência que alcançou nos biocombustíveis, encarnaria para um mundo sob ameaça mortal muito mais do que a potência militar dos EUA ou o crescimento predatório do tipo chinês: o exemplo moral de que é possível salvar a Terra respeitando a santidade da vida.


RUBENS RICUPERO , 69, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.


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