São Paulo, domingo, 18 de março de 2007

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Nova regra favorece seguradora de banco

Susep obriga empresas a aumento de capital, em três anos, que pode ultrapassar 100%, forçando concentração no mercado

Setor afirma ter sido pego de surpresa por medidas que não passaram por discussão pública; órgão regulador diz que sistema será fortalecido

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma forte concentração nos grandes bancos nacionais e, em menor escala, nas empresas estrangeiras está a caminho no mercado brasileiro de seguros. Um ramo que dobrou de tamanho em sete anos e que arrecadou R$ 70 bilhões em 2006.
A consolidação tende a eliminar nos próximos três anos boa parte das 110 empresas médias e pequenas que atuam no setor.
Elas se dizem pegas de surpresa por um conjunto de decisões da Susep (Superintendência de Seguros Privados, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda) publicadas no "Diário Oficial" da União no último dia útil de 2006 (29 de dezembro).
As resoluções da Susep, adotadas sem consulta pública ao mercado, obrigam as seguradoras a um forte aumento de capital, que pode ultrapassar os 100% em relação ao volume atual. Isso em apenas três anos, a partir de janeiro de 2008.
Seguradoras menores, algumas que levaram décadas para constituir o capital atual, afirmam que o prazo é exíguo e que acabarão engolidas pelas maiores, administradas por bancos.
Hoje, os três maiores bancos do país (Bradesco, Itaú e Unibanco) e a Sul América (associada ao banco holandês ING) já dominam 55,6% do mercado.

Bradesco sai na frente
Na quinta-feira, a Bradesco Seguros e Previdência (líder de mercado, com 26,3%) anunciou que não esperará o prazo de três anos dado pela Susep. Vai atender a exigência até o final deste mês aportando R$ 250 milhões no negócio. Em 2006, a área de seguros representou 34% do lucro líquido de R$ 5 bilhões do Bradesco.
A Susep diz que segue a tendência mundial de reforçar a solvência das seguradoras e que mira o modelo europeu. Na União Européia, o prazo concedido ao mercado para as novas regras (batizadas de "Solvência 2") foi mais de duas vezes maior, de dez anos (até 2010).
Renê Garcia, superintendente da Susep que assinou as resoluções (ele se encontra afastado do cargo pela Justiça desde fevereiro, acusado de favorecer o empresário Artur Falk, dos antigos sorteios do Papa-Tudo), afirma que não houve audiências públicas no mercado porque "não precisava".
"Foi feita uma discussão, não com o mercado, mas com uma comissão técnica. [Participavam] os funcionários da Susep, mais dois representantes da área atuarial e dois de empresas indicadas pela Fenaseg [que reúne as empresas do setor]", disse Garcia, que em 2002 foi secretário de Estado de Benedita da Silva (PT), no Rio.
Procurada, a Fenaseg informou que só o seu presidente, João Elisio Ferraz de Campos, do PFL e ex-governador do Paraná (1986-87), poderia dar declarações, mas que ele estava em viagem fora do país.

"Lição de casa"
José Rubens Alonso, sócio e responsável pela área de seguros da KPMG Auditores Independentes, diz que o modelo adotado pela Susep segue o padrão internacional e que o Brasil vem fazendo "a lição de casa" em relação às regras da Iais (International Association of Insurance Supervisors), que representa reguladores na área de seguros em 130 países.
Mas que o prazo de três anos "é curto se comparado com o de outros mercados em situações semelhantes e tendo em vista os volumes requeridos, que parecem grandes demais em relação ao tamanho das empresas".
"A audiência pública, que é a prática nesse mercado, também não ocorreu nesse caso", diz Alonso. Ele afirma que a "urgência" em implantar as novas regras para a área de ramos elementares (automóveis, incêndio etc.) também não se justifica no histórico recente do mercado -sem casos de insolvência nos últimos 15 anos.
Além do prazo curto para adaptação, as empresas não tomaram conhecimento, até 29 de dezembro, dos fatores e índices relacionados com as áreas e regiões geográficas de atuação. Os dados, conhecidos só depois da publicação das resoluções, determinaram o quanto a mais de capital as empresas terão de colocar no negócio.
Esse ponto é considerado "a caixa-preta" das medidas e, segundo as menores, derrubaria o argumento de que o assunto foi "discutido previamente" com o mercado. Renê Garcia afirma que o Estado tinha a "prerrogativa" de conduzir o processo dessa maneira.


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