São Paulo, domingo, 18 de março de 2007

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LUCIANO COUTINHO

Círculo virtuoso ao alcance


O antes precário processo de estabilização ganhou solidez a partir do robustecimento das contas externas do país

COMEÇA a cair a ficha (para o mercado financeiro especialmente) de que a economia brasileira pode ingressar em um ciclo de crescimento acelerado baseado em uma vigorosa corrente de decisões privadas de investimento e consumo, suportadas pelo desenvolvimento do crédito e do mercado de capitais. É claro que essa perspectiva não é compatível com uma crise mundial já em 2007, que se desdobraria a partir de uma recessão americana, provocada pelo colapso do seu sistema hipotecário. Mas, se o ciclo global resistir e persistir por mais alguns anos (ainda que os EUA desacelerem), essa trajetória virtuosa pode vir a se materializar.
Duas condicionantes no âmbito doméstico, porém, poderão frustrá-la. A primeira diz respeito aos investimentos em infra-estrutura (em energia elétrica notadamente). Sem garantia da oferta futura de energia (15, 20 anos à frente), o investimento privado não se moverá maciçamente. A segunda condicionante necessária é a consolidação de perspectiva fiscal sólida de longo prazo, que abra espaço para a redução mais incisiva do juro, o reposicionamento da taxa de câmbio e a melhoria substancial da qualidade e "duration" da dívida pública interna.
Por isso, os investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), especialmente em energia, não poderão falhar e, também por isso, o governo não pode abrir mão de ter uma política fiscal consistente. O fato é que o antes precário processo brasileiro de estabilização ganhou solidez a partir de 2006 em decorrência do notável robustecimento das contas externas. Com reservas cambiais caminhando para US$ 110 bilhões e superávit em conta corrente, a trajetória da taxa de câmbio se tornou muito menos volátil.
Sua propensão a sofrer surtos violentos de depreciação, causadores de choques inflacionários, é página virada. Abriu-se, finalmente, o caminho para termos taxas de inflação baixas, pouco voláteis e relativamente previsíveis.
É essa nova perspectiva, aliada ao processo de contenção do ritmo de crescimento da dívida pública, que pode viabilizar o círculo virtuoso de queda firme da taxa real de juros, melhoria da qualidade da dívida e alongamento dos horizontes de investimento/endividamento ("investment grade" mais cedo!). Nos últimos anos, o mercado financeiro já parece decolar. Expandiu-se o crédito bancário (de 27% para 33% do PIB) e explodiu o lançamento de debêntures corporativas e de IPOs (de 0,6% para 3,6% do PIB).
Uma tarefa-chave doravante será a de coordenar o desenvolvimento do crédito e do mercado de capitais para propulsionar os investimentos privado e público e a construção civil. Essa agenda inclui o relaxamento dos depósitos compulsórios, o tratamento tributário ao crédito e ao mercado de capitais, a refocagem dos subsistemas de poupança compulsória. Entre os desafios se destacam, ainda, o desenvolvimento de técnicas, seguros e soluções para o "project finance" (essencial aos grandes projetos infra-estruturais), para os riscos do crédito agrícola, para a assimetria de informações que exclui as pequenas empresas e, finalmente, para os riscos do financiamento de longo prazo às exportações.


LUCIANO COUTINHO , 60, é consultor e professor convidado do IE/Unicamp.


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