São Paulo, quinta-feira, 18 de maio de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

O muro

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
 A Alvaro Alencar In memoriam

Os nossos amigos (muy amigos) norte-americanos são mestres consumados na prática da duplicidade. Por um lado, querem o máximo de liberdade para as suas corporações. Por meio da Alca ou de tratados bilaterais de "livre comércio", procuram garantir às suas empresas oportunidades amplas e se possível irrestritas para exportar, investir, prestar serviços e participar de concorrências governamentais. Pretendem, em tese, estabelecer o império da livre concorrência e da liberdade de mercados na América Latina.
Por outro lado, Washington se recusa a aplicar o princípio da liberdade a setores em que a economia dos EUA tem dificuldades de competir internacionalmente (agricultura e diversas indústrias tradicionais). E outra: a liberdade econômica não vale para os trabalhadores latino-americanos. O acesso ao mercado de trabalho nos EUA estará sujeito a restrições cada vez mais rigorosas, mesmo para pessoas oriundas de nações que tenham feito todas as concessões econômicas pretendidas por Washington e pelos lobbies corporativos norte-americanos.
Morreu anteontem o embaixador Alvaro Alencar, um dos mais importantes diplomatas brasileiros da sua geração. Entre muitas qualidades, ele possuía a de explorar, com ironia e habilidade, as contradições entre o discurso e a prática dos EUA e de outros países desenvolvidos. Foi um dos nossos grandes negociadores e a ele dedico o artigo de hoje.
Desde janeiro de 2001, o governo americano aumentou em 66% as despesas com a segurança das fronteiras, reforçando consideravelmente o muro que separa os EUA do México, conhecido como o Muro de Nogales, em referência às cidades fronteiriças mexicana e americana desse nome. O contingente da patrulha de fronteira foi ampliado de cerca de 9.000 para 12.000 Nos últimos cinco anos, 6 milhões de pessoas que tentavam entrar ilegalmente nos EUA foram presas e expulsas.
Nesta semana, o presidente dos EUA, George W. Bush, fez um pronunciamento à nação sobre o problema do controle da imigração. Anunciou medidas adicionais para garantir a segurança das fronteiras, "responsabilidade básica de uma nação soberana" e "necessidade urgente da nossa segurança nacional". O número de agentes da patrulha de fronteira será aumentado para 18.000. De imediato, como medida de transição, até 6.000 membros da Guarda Nacional serão enviados para a fronteira com o México.
Além disso, o governo construirá cercas de alta tecnologia em corredores urbanos e novas barreiras e estradas de patrulhamento em áreas rurais. Serão empregados sensores de movimento, câmeras infravermelhas e veículos aéreos não-tripulados para detectar e responder a tentativas de entrada ilegal nos EUA.
Por incrível que possa parecer, o "companheiro Bush" é relativamente moderado. Setores radicais do Congresso, principalmente do Partido Republicano, querem ir ainda mais longe. Em dezembro de 2005, a Câmara de Representantes aprovou, por 239 a 182 votos, um projeto de lei draconiano que determina, entre muitas outras medidas de repressão, a construção de um muro de até 1.120 quilômetros ao longo da fronteira com o México.
Foi contra essa iniciativa que pelo menos 1 milhão de pessoas foram às ruas em diversas cidades americanas no último dia 1º de maio, quando imigrantes ilegais e aqueles que os apoiavam estimularam a suspensão das compras e o não-comparecimento ao trabalho e às escolas para marcar "um dia sem imigrantes".
Em junho de 1987, o então presidente dos EUA, Ronald Reagan, pronunciou em frente ao Muro de Berlim discurso que ficaria célebre. Na frase culminante, muito citada até hoje, ele fez o apelo dramático: "Mr. Gorbatchov, tear down this wall!" ("Sr. Gorbatchov, derrube este muro!"). Bem que os líderes latino-americanos poderiam reunir-se em Nogales, ou alguma outra cidade mexicana da fronteira com os EUA, para lançar novo e irônico apelo: "Mr. Bush, tear down this wall!".


Paulo Nogueira Batista Jr., 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
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