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ENTREVISTA JOSÉ DUTRA VIEIRA SOBRINHO
Bancos e governo ganham com desconhecimento financeiro
Matemático critica falta de transparência sobre investimentos e culpa a própria população pelo alto custo do crédito
MATEMÁTICO financeiro que ensinou banqueiros e bancários a
fazerem contas na calculadora HP, o professor José Dutra Vieira Sobrinho, 70, diz que a ausência de transparência dos bancos
e do governo e o despreparo dos gerentes acarretam grandes
perdas aos pequenos investidores e às pessoas que tomam crédito. Também
critica o desconhecimento matemático dos clientes, que se pautam mais pela
base do "se Deus quiser, vai dar certo" do que pelo planejamento.
TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL
MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO
Dutra afirma que o debate
sobre a mudança no rendimento da poupança deve instigar o
consumidor a exigir do banco
taxas de administração menores nos fundos, informações
mais claras e precisas. Para Dutra, chegou o momento de o
país buscar simplificar procedimentos corriqueiros e facilitar
as negociações.
Procurada, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos)
informou que decidiria se caberia comentar as declarações de
Dutra após analisar o conteúdo. Leia a seguir alguns trechos
da entrevista à Folha.
FOLHA - Qual a sua avaliação para
a solução encontrada pelo governo
para a poupança?
JOSÉ DUTRA VIEIRA SOBRINHO - Até
me surpreendeu positivamente. O governo não poderia reduzir a taxa porque não passaria
no Congresso. Então, inventa a
história de tributar acima de
R$ 50 mil. Estabeleceu um critério que tem um princípio de
justiça de onerar mais que tem
saldo maior. Mas tem uma série
de outras regrinhas que, daqui
a pouco, mesmo que um sujeito
tenha R$ 900 mil, ele não paga
nada. Tinha que resolver porque os fundos estão menos
competitivos que a poupança.
FOLHA - A partir de quando é melhor o cotista deixar o fundo e aplicar na poupança?
DUTRA - Se o fundo cobra uma
taxa de administração superior
a 1,5%, já começa a perder da
poupança. Um cidadão que tem
o dinheiro aplicado e que nunca
se atentou para isso descobre
agora que a taxa de administração do fundo dele é de 4%. Ele
perde dinheiro.
FOLHA - Os bancos terão de reduzir
as taxas de administração?
DUTRA - A debandada dos fundos de investimento para a
poupança vai ser muito maior
do que a da poupança para os
fundos. Esse investidor que está no fundo fatalmente vai
pressionar o banco a reduzir as
taxas de administração. Não tenha dúvidas de que os bancos
estão estudando até onde podem reduzi-las. Não há mais espaço para taxas de 3% a 4%.
FOLHA - Não é ignorância do investidor esse desconhecimento do peso
das taxas de administração?
DUTRA - O problema é que você
não se toca em relação a isso.
Desde o Plano Cruzado os fundos rendiam muito, davam um
baile na poupança. Eu entrei
em um fundo de previdência
em que eles descontavam uma
taxa de carregamento de 10%.
Para cada R$ 100 aplicados,
eles descontavam R$ 10 e aplicavam R$ 90. Muitos anos depois, descobri que meu fundo
de previdência pagava 0,5%
mais TR. Era o rendimento da
poupança e ainda tinha imposto. Eu fui enganado. E olha que
eu sou especialista em cálculo.
Há uma falta de ética em tudo
isso, porque o banco sabia que a
poupança pagava mais.
FOLHA - O gerente do banco está
preparado para alertar o cliente de
que está fazendo um mau negócio?
Ele tem interesse em fazer isso?
DUTRA - Estou muito à vontade
para falar disso porque sou um
dos professores que mais ministraram cursos para o mercado financeiro. O gerente, de
modo geral, tem uma formação
técnica que deixa a desejar. Em
muitos casos ele sabe o que seria melhor para o cliente, mas
em boa parte não sabe. O gerente é orientado para vender
determinados produtos. Tem
as metas dele. Por trás de tudo
isso eu vejo uma falta de ética.
FOLHA - Quem é o culpado? São os
bancos? O aplicador que se omite
em relação a seu próprio dinheiro?
DUTRA - Dada essa dificuldade
de cálculo, a grande maioria
não tem a mínima ideia de
quanto está pagando no cheque
especial, por exemplo. É falta
de conhecimento do cliente, do
gerente, falta de transparência
do banco. E falta de ética.
FOLHA - Falta ética de quem? Alguém está sabendo de fato o quanto o outro está pagando?
DUTRA - Quando se analisa todo esse quadro, você vê que está
faltando ética. De quem? Dos
responsáveis pelas operações,
os executivos das instituições
financeiras. Os dirigentes dos
bancos no Brasil perderam há
muito tempo a sensibilidade. É
como se eles não tivessem nenhuma responsabilidade além
da empresa dele e do lucro do
banco. Deixaram passar critérios profundamente injustos.
FOLHA - Esses executivos ganham
com a ignorância da sociedade?
DUTRA - Em todo o planeta, você tem ganho em cima do desconhecimento das pessoas. Veja quanta gente se iludiu com o
[Bernard] Madoff [ex-presidente da Nasdaq, acusado de
fraude financeira].
FOLHA - Como simplificar os procedimentos para que todos entendam
o que acontece com o seu dinheiro?
DUTRA - Para calcular o cheque
especial, deve-se ter uns cinco
critérios. Cada um faz de um
jeito. É de uma complexidade
tão absurda que, para entender,
o sujeito precisa de uma formação matemática muito boa. Nos
outros países, as coisas são simples. Se você pesar tudo isso, vai
entender esse desgaste que todos nós sofremos.
Qual seria a solução? Que tal
colocarmos na mesma mesa representantes de Procon, ProTeste, entidades de defesa do
consumidor, Febraban, Ministério Público, juízes? Temos
um exemplo positivo, a CET
(Custo Efetivo Total), que é a
obrigação do banco de informar o custo da operação efetivamente cobrada, incluindo tarifas e tributos. Reuniu todas as
partes na discussão.
FOLHA - Falta concorrência no setor bancário?
DUTRA - Costumam me perguntar por que as taxas de juros
são tão altas. As pessoas do
mercado e as associações de
classe respondem há mais de
20 anos: é porque aqui a inadimplência é muito alta. Na
verdade, as taxas são altas porque não existe concorrência ou
ela é mínima. Lembro-me bem
quando vieram os bancos estrangeiros para cá. A ideia do
Banco Central era que eles poderiam oferecer taxas menores
e forçar a redução nas taxas.
Vieram bancos americanos,
britânicos, espanhóis. O presidente desses bancos vinha do
país de origem. Como o executivo é avaliado? Pelo resultado.
Por que ele vai oferecer juros de
4%, 4,5% se o brasileiro está
disposto a pagar 6%? Sabe o
que eles fizeram? A taxa média
cobrada não difere da dos bancos aqui. Então os culpados somos nós? É a população brasileira que, pela falta de informação, tem culpa nisso. Mas também tem a falta de transparência. As regras são obscuras.
FOLHA - É conveniente para o governo, para a Receita Federal, em
particular, manter essa falta de
transparência?
DUTRA - Essa falta de transparência dificulta o contato com o
cidadão e facilita não dar explicações. A Receita Federal também mantém o seu cliente distante. Isso é altamente confortável para ela. É um distanciamento conveniente que facilita
as coisas para quem acaba procedendo de forma errada em
detrimento do interesse do cidadão. As pessoas de ambos os
lados acabam não se dedicando
e valorizando muito esse entendimento. A culpa dessa
grande bagunça que existe neste país é de todo mundo.
Então, se somos todos culpados, vamos conversar para ver
se podemos estabelecer critérios os mais simples possível.
Se nós entendermos tudo, será
fácil entrarmos em um acordo.
Cada um falando um língua, aí
não tem jeito. A gente está propondo uma campanha de esclarecimento para fixação de critérios, mas, para isso, precisamos colocar de um lado as instituições e de outro representantes dos consumidores.
FOLHA - Como o governo falta com
a transparência?
DUTRA - Descobri por acaso
analisando a TR que, na verdade, eles sempre arbitraram o
rendimento da poupança por
um percentual da taxa Selic,
que era uma das propostas discutidas para mudar o rendimento da caderneta. Depois
precisava dar uma roupagem
científica para isso. Sabe o que
BC fez? Bolou toda aquela fórmula: parâmetro A, B, redutor,
tudo bobagem. É brincar de faz
de conta e vai por aí afora.
FOLHA - Qual a maior fonte de ignorância financeira?
DUTRA - Existe uma súmula da
STF que diz textualmente que é
vedada a capitalização de juros
[taxas compostas], ainda que
expressamente convencionada. O que significa isso? Que você faz um contrato que tem juros compostos, mas pela lei não
poderia. O que está errado? Essa afirmação bate de frente com
tudo aquilo que nós fazemos no
mercado financeiro e mundial.
É o caso de perguntar ao ministro do STF: o senhor já emprestou dinheiro ou fez aplicação financeira em banco? Tem dinheiro no FGTS? Já? Então,
usou juro composto. Esse cinismo em relação à matemática,
que é uma ciência exata e neutra em relação às partes, é inaceitável. É uma demagogia barata, que acaba mantendo o cidadão brasileiro numa ignorância sobre assuntos que nem
são complicados.
FOLHA - E qual o custo da ignorância para sociedade?
DUTRA - É um custo muito alto.
A maioria das pessoas tem dificuldade em compor o próprio
orçamento. Na hora em que vai
comprar a prazo, vai atentar se
a prestação cabe no orçamento.
Compra confiando no futuro,
na manutenção do emprego.
Vai implicar para cada cidadão
uma despesa maior do que
aquela que ele teria se tivesse
um conhecimento de cálculo;
não precisa ser um especialista.
O Brasil teve uma inflação
crônica durante mais de 30
anos. Ninguém fazia um orçamento porque não tinha condição. O brasileiro não tem tradição de controle, de planejamento. É completamente desregrado, muito na base do "se
Deus quiser, vai dar certo". Na
primeira dificuldade que tem,
não paga a prestação. Tudo isso
gera um custo para sociedade
muito grande. Há uma série de
transtornos e falta de capacidade de fazer um mínimo de planejamento. Não são só pessoas
simples; tem pessoas que ganham muito bem e são extremamente desorganizadas.
FOLHA - Houve progressos?
DUTRA - Com essas discussões,
a sociedade de modo geral vai
lucrar. A discussão leva a um
esclarecimento. O lado positivo
é que o consumidor vai começar a se inteirar. Vai se tornar
mais esclarecido, o mercado vai
ser muito mais transparente, os
bancos vão se preocupar em
dar informações mais claras.
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