São Paulo, domingo, 18 de junho de 2006

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Para moinhos, haverá reserva de mercado

Representantes do setor vêem como problemas pressão inflacionária se demanda não for atendida e perda nutricional

Dependendo da qualidade, a farinha de trigo tem entre 8% e 12% de proteína, enquanto o amido de mandioca tem apenas 2%

DA REPORTAGEM LOCAL

A indústria de amido de mandioca diz ter, hoje, capacidade ociosa de 50%. Seus representantes dizem que atenderiam rapidamente à demanda no caso da obrigatoriedade de adicionar 10% do produto à farinha de trigo. Para tanto, seriam necessárias mais 500 mil toneladas de amido por ano.
Já os moinhos de trigo dizem que, com a obrigatoriedade, estará criada uma reserva de mercado aos produtores de mandioca e de amido, com possíveis pressões inflacionárias se a demanda não for atendida.
O empresário Lawrence Pih, do moinho de trigo Pacífico, o maior do país, vê "puro interesse eleitoreiro" no encaminhamento do projeto em regime terminativo e no atual momento. "É demagogia e populismo barato. Uma afronta ao livre mercado. Surpreende-me uma aventura como essa, resquício da época do dirigismo central."
Pih afirma que engavetou um projeto no valor de R$ 200 milhões à espera do desfecho da medida. "Se passar, vamos para a Argentina e exportamos a farinha de lá."
O deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR), presidente da comissão especial, afirma que os moinhos de trigo querem "preservar uma ditadura, onde meia dúzia de indústrias controlam todo o mercado".
Já o deputado Nilson Mourão (PT-AC), relator do projeto, diz que "o objetivo final" é não criar conflitos. "Queremos algo que fique bem para todos."
Entre as alternativas que foram estudadas, constam a adição paulatina (em três anos) do amido até o limite de 10% na farinha de trigo e a obrigatoriedade da mistura somente no caso do trigo importado.
Questionado pela Folha sobre a "exclusividade" de apenas 29 deputados decidirem o que 186 milhões devem comer, Mourão disse que, como relator, "seria até favorável" à discussão do projeto em plenário.
Maurício Yamakawa, prefeito de Paranavaí (PDT-PR) e presidente licenciado da maior empresa de amido de mandioca no país, diz que hoje o Brasil "importa subsídios agrícolas externos" ao importar trigo.
A Amidos Yamakawa produz cerca de 50 mil toneladas por ano, já tem capacidade para dobrar a produção e compra cerca de 70% de sua mandioca de pequenos produtores.

Perda nutricional
O Brasil produz hoje cerca de 25 milhões de toneladas por ano de mandioca "in natura". Mas 70% da raiz é constituída de água, daí uma produção ao redor de 500 mil toneladas por ano de amido de mandioca.
Para os representantes dos moinhos de trigo, além do "intervencionismo" haverá uma perda nutricional se for aprovada a adição de 10% de amido de mandioca à farinha de trigo.
Dependendo da qualidade, a farinha de trigo tem entre 8% e 12% de proteína, enquanto o amido de mandioca tem 2%. Já os "mandioqueiros" dizem que produtos como pão, biscoito e macarrão são usados como fontes de energia, não de proteína.
"O Brasil cometeu um erro lá atrás ao não optar pela preferência a um carboidrato de cultura tropical", diz Yamakawa.
Em depoimento à comissão, Armed Aldashi, engenheiro de alimentos da Unicamp, resumiu esse histórico: na prática, boa parte da indústria da mandioca foi desmontada no Brasil nos anos 50, quando os Estados Unidos aumentaram fortemente a produção de trigo e ofereceram o produto, financiado, a US$ 40 a tonelada, contra os US$ 150 vigentes antes.
No início dos anos 70, uma grande quebra de safra na Rússia fez os preços explodirem para US$ 250 por tonelada em 60 dias. A maioria dos países do Terceiro Mundo foi obrigada a subsidiar o produto, contraindo enormes dívidas, sobretudo com os próprios EUA.

Espaço para crescer
O exemplo internacional mostra que a indústria da mandioca e seus derivados teria como crescer de outras formas.
A Tailândia é considerada hoje o maior produtor mundial de fécula de mandioca, com 3 milhões de toneladas por ano. O percentual consumido internamente é mínimo. O país ganha exportando, inclusive produtos de maior valor agregado.
Já o mercado brasileiro tem tido queda na rentabilidade. Movimentou R$ 410 milhões em 2005, receita 28,5% menor que a de 2004, apesar da produção física quase 40% maior de um ano para outro.
Vicente Genicola Júnior, consultor do sindicato de trigo paulista, diz que faltam ao Brasil novos investimentos no aproveitamento da mandioca, usada não só na indústria de alimentos mas nas de álcool, cosméticos, farmacêuticos e têxteis e embalagens. (FCZ e MZ)


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