São Paulo, domingo, 18 de junho de 2006

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LUÍS NASSIF

A mídia e o fator Lula


O exercício do jornalismo precisa ser repensado. E não se trata de um problema de forma, mas de conteúdo

NO INÍCIO dos anos 90, a inacreditável entrevista de Pedro Collor para a revista "Veja" inaugurou a era de maior poder da mídia, desde o início dos anos 50. Descobriu-se a notícia-espetáculo, os fatos inverossímeis baseados em fontes suspeitas, mas que atendiam à sede de show.
Denúncias graves não foram apuradas, denúncias vazias viraram manchete, forçou-se a barra, mas o presidente caiu. Ainda que à custa de um pequeno Fiat Elba.
Seguiu-se um longo período de denúncias inverossímeis, ou interessadas. Criou-se até essa obra-prima do jornalismo ficcional, o "roteiro Frankestein", que consiste em juntar pedaços de notícias verdadeiras, porém irrelevantes, e compor um roteiro com denúncias graves, porém falsas.
Ao longo dos anos 90, esse tipo de jornalismo gerou peças de ficção famosas, como a capa de "Veja" sobre Chico Lopes -segundo a qual o lobista amigo de Lopes, ele e o banco que pagava as informações se comunicavam por meio de três celulares, e o banqueiro Salvatore Cacciolla obtinha as informações por meio do "grampo" dos aparelhos; no dia da mudança de câmbio, o "grampo" falhou, por isso Cacciolla quebrou.
Agora, está-se em plena era da globalização e da internet, com dois fenômenos concomitantes, com implicações relevantes para o futuro das democracias. O primeiro, os amplos fluxos migratórios para os países centrais, gerando um novo tipo de cidadão-eleitor, as minorias étnicas, cada vez mais atuantes.
O segundo, a internet trazendo, em um primeiro momento, enorme balbúrdia de informações e, principalmente, de opiniões, catarses, espetáculo. Agora, quando esse tipo de recurso freqüenta intermitentemente a internet, as caixas de e-mails, os blogs, os comentários nos blogs, quando o exercício vazio da indignação pode se expressar de várias maneiras, o papel fundamental da grande mídia é o de estabelecer parâmetros.
É esse o diferencial: o aval à informação. Muito mais do que em qualquer outra época, há a necessidade do rigor da apuração, justamente porque existe uma overdose de notícias, boatos e opiniões exigindo o avalista.
Pergunto: estamos preparados para isso? A cobertura dos escândalos do mensalão e pós-mensalão deixa uma enorme dúvida no ar. Havia uma betoneira de denúncias a serem apuradas. Em vez disso, quando esgotou a fase inicial das denúncias, recorreu-se a uma overdose de denúncias sem comprovação, somada a uma incapacidade ampla de ir atrás de pistas consistentes, de entender a complexidade dos grandes golpes, de separar o escândalo de episódios triviais. Em alguns órgãos, juntou-se uma dose de agressividade, desrespeito e preconceito sem paralelo até na campanha do impeachment.
Chega-se ao final de um ciclo, que começou com a campanha do impeachment, que derrubou um presidente, e termina com a do mensalão, que não foi capaz de abalar a popularidade de outro presidente.
O exercício do jornalismo precisa ser urgentemente repensado. E não se trata de um problema de forma. É de fundo, de conteúdo.


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