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São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 2003

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FASE DOIS

Secretário-executivo do Ministério dos Transportes afirma que situação inibe crescimento e pede liberação de recursos

Infra-estrutura vive "paradão", diz governo

FABIO SCHIVARTCHE
DO PAINEL

O secretário-executivo do Ministério dos Transportes, Keiji Kanashiro, roda o país com uma mensagem clara a governadores, prefeitos e empresários: o Brasil vive uma crise aguda de infra-estrutura que provoca perdas econômicas crescentes. É o que ele chama de "paradão".
A parte mais visível desse fenômeno são as imensas filas de caminhões vindos do Centro-Oeste nas rodovias que levam ao porto de Paranaguá, no Paraná, por onde escoa a maior parte da safra de grãos. Consequência direta das dificuldades de embarque da carga em navios, as filas neste ano já passaram de 140 km.
Mas o "paradão" não acaba aí. Ele pode ser visto nos incontáveis buracos que permeiam os 57 mil km de rodovias federais -que, por sua vez, levam 40% da malha rodoviária nacional a ser qualificada de ruim. Também permeia o lento e ineficiente sistema ferroviário brasileiro, sucateado após anos sem investimentos, e a falta de armazéns para abrigar os crescentes volumes da safra agrícola, que bate recordes ano a ano. "O Brasil não apenas vive o "paradão" como a tendência é que ele se agrave ainda mais nos próximos anos, se os investimentos não aumentarem radicalmente", diz.
Projetos para inverter a situação não faltam a Kanashiro. Quer mudar a matriz de transporte de carga, ampliando os deslocamentos por trens e barcos e reduzindo os hoje realizados em rodovias, reativar o trem turístico do Pantanal e construir um ferroanel nos entornos de São Paulo. Também planeja modificar os contratos de limpeza dos canais nos portos e pagar pelo resultado -hoje, remunera-se a empresa pelo volume de areia dragada.
Defensor da vinculação de recursos para obras de infra-estrutura e do aumento das concessões à iniciativa privada ("quem usa tem de pagar, é justiça social"), Kanashiro não se intimida em criticar a política do governo Lula, de quem é amigo pessoal, quando lhe perguntam se haverá verba suficiente para seus projetos: "O Brasil não tem superávit primário? Então, tem dinheiro para investir". Leia a seguir a entrevista.

Folha - O senhor tem dito em palestras que o Brasil vive um "paradão". O que é isso?
Keiji Kanashiro -
É um reflexo da falta de infra-estrutura instalada. Se as estradas estão ruins, e estão mesmo uma desgraça, reduzimos a velocidade média dos caminhões que transportam carga, diminuindo o volume total que poderia ser entregue no período, caso as condições do pavimento fossem melhores. Outro gargalo são os portos. Quase todos têm problemas de dragagem. Com isso, os canais ficam mais rasos e os navios não podem receber tanta carga, sob o risco de encalharem.
Alguns têm até de esperar a maré alta para poder atracar, provocando confusão nos portos e aumentando as filas nas rodovias, já que os caminhões não podem liberar suas cargas. É um efeito dominó. Os trens também sofrem o mesmo problema, pois a malha ferroviária velha impede que eles trafeguem mais rapidamente.

Folha - Onde estão os maiores gargalos?
Kanashiro -
Há tantos... Na margem esquerda do porto de Santos já temos um escoamento bem mais lento do que seria adequado. Creio que lá é possível dobrar a capacidade de transporte de carga. O corredor da Ferro-Norte [que liga o Centro-Oeste aos portos do Sudeste] tem um potencial fantástico. O comboio sai com velocidade média de 80 km/h, numa área onde a ferrovia é ótima.
Já na divisa com São Paulo a velocidade cai para 40 km/h. Em Araraquara, na área urbana, o trem reduz para 10 km/h. Temos de encontrar soluções para segregar as pistas e aumentar a velocidade, inclusive criando o ferroanel em São Paulo.

Folha - O que é o ferroanel?
Kanashiro -
Nossa idéia é retirar o transporte de carga do centro urbano, onde há muitas passagens de nível. Fazer algo como o Rodoanel, que está tirando o tráfego pesado das marginais em São Paulo. Se você mantém a velocidade média da Ferro-Norte em 80 km/h, você dobra a oferta de transporte. Aquele mesmo trem que hoje substitui 240 caminhões de carga poderia estar retirando das rodovias 480 veículos.

Folha - Quanto custaria essa obra?
Kanashiro -
Algo em torno de US$ 700 milhões.

Folha - E de onde viriam os recursos para essas obras? O próprio ministro Anderson Adauto reconheceu que o cobertor é curto, que dispõe de apenas R$ 800 milhões para este ano, sendo que a necessidade para recuperar as rodovias é de quase R$ 2 bilhões...
Kanashiro -
Estamos pensando em programas de longo prazo, já que o PPA [Plano Plurianual] prevê obras até 2007. Estudamos a utilização de várias fontes de investimentos públicos, não só o Orçamento. Há recursos do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador], dos fundos constitucionais, do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] e dos bancos oficiais.

Folha - Dias atrás, ministros chegaram a defender financiamentos em infra-estrutura pelos fundos de pensão. É uma alternativa viável?
Kanashiro -
É, especialmente para investimentos de longo prazo, o que coincide com as características de nossos projetos. Hoje, os fundos já investem na construção de aviões e também em ferrovias.

Folha - Quanto o país precisaria investir para sair do "paradão"?
Kanashiro -
Nós precisaríamos de pelo menos R$ 5 bilhões por ano para remodelar o sistema de transporte de carga no Brasil, inverter a matriz do rodoviário para os trilhos e os rios. Se mantivermos os investimentos dos últimos anos, cerca de R$ 2 bilhões anuais, chegaremos ao final de 2006 com 98% de nossas estradas federais em péssimo estado.

Folha - O contingenciamento imposto pelo governo neste ano derruba suas pretensões?
Kanashiro -
De maneira alguma. Nosso Orçamento, que era de R$ 2 bilhões até julho, já aumentou em R$ 300 milhões. E o Brasil não tem superávit primário? Então, descontando o serviço da dívida, há dinheiro para investimentos.

Folha - As concessões de rodovias vão continuar?
Kanashiro -
É uma questão de justiça social: quem usa deve pagar pelo uso. Além do mais, em última instância, é o contribuinte que paga pelas obras, seja diretamente, nos pedágios, ou por tabela, através de impostos. Não tem Papai Noel. Estamos retomando a concessão de 2.600 km de rodovias nos próximos meses em regiões onde o tráfego é mais pesado, principalmente no Sudeste e no Centro-Oeste.

Folha - Mas muitas pessoas reclamam das altas tarifas cobradas nos pedágios pelas concessionárias...
Kanashiro -
Teremos quatro requisitos básicos: tarifas módicas, qualidade da manutenção das vias, participação ativa da empresa no desenvolvimento socioeconômico da região e um controle rigoroso do governo para intervir quando for necessário.

Folha - As rodovias federais estão em uma situação alarmante. O que será feito?
Kanashiro -
Vamos adotar planos emergenciais de recuperação nos principais eixos de transporte de carga. Mas precisamos pensar no futuro. Há uma clara relação entre crescimento econômico e infra-estrutura. Toda vez que o país cresceu é porque houve investimentos em rodovias ou ferrovias nos anos anteriores. Quando o país não investiu, entrou em recessão logo depois.
Nos anos 70, investimos anualmente quase 2% do PIB em infra-estrutura. Mas, nos últimos dez anos, gastamos algo em torno de 0,2%. E a situação chegou a esse ponto de calamidade, em que 40% das rodovias estão ruins, muitas praticamente intransitáveis. Precisamos pensar para frente e inverter o atual sistema de transporte de carga.

Folha - Qual a melhor alternativa?
Kanashiro -
Temos de aproveitar nosso potencial hídrico. Se melhorarmos a sinalização, podemos utilizar a navegação interior combinada com os caminhões e os portos. Seria mais barato. Em tese, se um frete entre dois pontos custa R$ 1.000 por rodovia, sairia por R$ 500 pela ferrovia e por pouco mais de R$ 100 por barco.
Veja o exemplo da Vale do Rio Doce. Ela não é apenas a maior mineradora de ferro do mundo. É uma empresa de logística fantástica, pois consegue colocar um produto de baixo valor agregado a longa distância a preços competitivos. Se a economia brasileira tivesse logística semelhante, seríamos imbatíveis.

Folha - O governo deve anunciar nesta semana as obras de infra-estrutura prioritárias da gestão Lula. Como há poucos recursos a curto prazo, a escolha deixará muitos Estados de mãos abanando. Como será a costura política?
Kanashiro -
Estou viajando pelo Brasil há meses conversando com políticos e empresários. Já elencamos quais são as prioridades de cada região e teremos muito em breve um quadro factível das ações de Lula para sua gestão. Se os últimos presidentes tivessem dinheiro suficiente para todas as obras de infra-estrutura que o Brasil necessita, nós do PT não teríamos saído vitoriosos das últimas eleições. Mas vamos mostrar que é possível mudar a cara do país com planejamento de longo prazo e originalidade.


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