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FASE DOIS
Secretário-executivo do Ministério dos Transportes afirma que situação inibe crescimento e pede liberação de recursos
Infra-estrutura vive "paradão", diz governo
FABIO SCHIVARTCHE
DO PAINEL
O secretário-executivo do Ministério dos Transportes, Keiji
Kanashiro, roda o país com uma
mensagem clara a governadores,
prefeitos e empresários: o Brasil
vive uma crise aguda de infra-estrutura que provoca perdas econômicas crescentes. É o que ele
chama de "paradão".
A parte mais visível desse fenômeno são as imensas filas de caminhões vindos do Centro-Oeste
nas rodovias que levam ao porto
de Paranaguá, no Paraná, por onde escoa a maior parte da safra de
grãos. Consequência direta das
dificuldades de embarque da carga em navios, as filas neste ano já
passaram de 140 km.
Mas o "paradão" não acaba aí.
Ele pode ser visto nos incontáveis
buracos que permeiam os 57 mil
km de rodovias federais -que,
por sua vez, levam 40% da malha
rodoviária nacional a ser qualificada de ruim. Também permeia o
lento e ineficiente sistema ferroviário brasileiro, sucateado após
anos sem investimentos, e a falta
de armazéns para abrigar os crescentes volumes da safra agrícola,
que bate recordes ano a ano. "O
Brasil não apenas vive o "paradão"
como a tendência é que ele se
agrave ainda mais nos próximos
anos, se os investimentos não aumentarem radicalmente", diz.
Projetos para inverter a situação
não faltam a Kanashiro. Quer
mudar a matriz de transporte de
carga, ampliando os deslocamentos por trens e barcos e reduzindo
os hoje realizados em rodovias,
reativar o trem turístico do Pantanal e construir um ferroanel nos
entornos de São Paulo. Também
planeja modificar os contratos de
limpeza dos canais nos portos e
pagar pelo resultado -hoje, remunera-se a empresa pelo volume de areia dragada.
Defensor da vinculação de recursos para obras de infra-estrutura e do aumento das concessões
à iniciativa privada ("quem usa
tem de pagar, é justiça social"),
Kanashiro não se intimida em criticar a política do governo Lula,
de quem é amigo pessoal, quando
lhe perguntam se haverá verba suficiente para seus projetos: "O
Brasil não tem superávit primário? Então, tem dinheiro para investir". Leia a seguir a entrevista.
Folha - O senhor tem dito em palestras que o Brasil vive um "paradão". O que é isso?
Keiji Kanashiro - É um reflexo da
falta de infra-estrutura instalada.
Se as estradas estão ruins, e estão
mesmo uma desgraça, reduzimos
a velocidade média dos caminhões que transportam carga, diminuindo o volume total que poderia ser entregue no período, caso as condições do pavimento fossem melhores. Outro gargalo são
os portos. Quase todos têm problemas de dragagem. Com isso,
os canais ficam mais rasos e os navios não podem receber tanta carga, sob o risco de encalharem.
Alguns têm até de esperar a maré alta para poder atracar, provocando confusão nos portos e aumentando as filas nas rodovias, já
que os caminhões não podem liberar suas cargas. É um efeito dominó. Os trens também sofrem o
mesmo problema, pois a malha
ferroviária velha impede que eles
trafeguem mais rapidamente.
Folha - Onde estão os maiores
gargalos?
Kanashiro - Há tantos... Na margem esquerda do porto de Santos
já temos um escoamento bem
mais lento do que seria adequado.
Creio que lá é possível dobrar a
capacidade de transporte de carga. O corredor da Ferro-Norte
[que liga o Centro-Oeste aos portos do Sudeste] tem um potencial
fantástico. O comboio sai com velocidade média de 80 km/h, numa
área onde a ferrovia é ótima.
Já na divisa com São Paulo a velocidade cai para 40 km/h. Em
Araraquara, na área urbana, o
trem reduz para 10 km/h. Temos
de encontrar soluções para segregar as pistas e aumentar a velocidade, inclusive criando o ferroanel em São Paulo.
Folha - O que é o ferroanel?
Kanashiro - Nossa idéia é retirar
o transporte de carga do centro
urbano, onde há muitas passagens de nível. Fazer algo como o
Rodoanel, que está tirando o tráfego pesado das marginais em São
Paulo. Se você mantém a velocidade média da Ferro-Norte em 80
km/h, você dobra a oferta de
transporte. Aquele mesmo trem
que hoje substitui 240 caminhões
de carga poderia estar retirando
das rodovias 480 veículos.
Folha - Quanto custaria essa
obra?
Kanashiro - Algo em torno de
US$ 700 milhões.
Folha - E de onde viriam os recursos para essas obras? O próprio ministro Anderson Adauto reconheceu que o cobertor é curto, que dispõe de apenas R$ 800 milhões para
este ano, sendo que a necessidade
para recuperar as rodovias é de
quase R$ 2 bilhões...
Kanashiro - Estamos pensando
em programas de longo prazo, já
que o PPA [Plano Plurianual] prevê obras até 2007. Estudamos a
utilização de várias fontes de investimentos públicos, não só o
Orçamento. Há recursos do FAT
[Fundo de Amparo ao Trabalhador], dos fundos constitucionais,
do BNDES [Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e
Social] e dos bancos oficiais.
Folha - Dias atrás, ministros chegaram a defender financiamentos
em infra-estrutura pelos fundos de
pensão. É uma alternativa viável?
Kanashiro - É, especialmente para investimentos de longo prazo,
o que coincide com as características de nossos projetos. Hoje, os
fundos já investem na construção
de aviões e também em ferrovias.
Folha - Quanto o país precisaria
investir para sair do "paradão"?
Kanashiro - Nós precisaríamos
de pelo menos R$ 5 bilhões por
ano para remodelar o sistema de
transporte de carga no Brasil, inverter a matriz do rodoviário para
os trilhos e os rios. Se mantivermos os investimentos dos últimos
anos, cerca de R$ 2 bilhões anuais,
chegaremos ao final de 2006 com
98% de nossas estradas federais
em péssimo estado.
Folha - O contingenciamento imposto pelo governo neste ano derruba suas pretensões?
Kanashiro - De maneira alguma.
Nosso Orçamento, que era de R$
2 bilhões até julho, já aumentou
em R$ 300 milhões. E o Brasil não
tem superávit primário? Então,
descontando o serviço da dívida,
há dinheiro para investimentos.
Folha - As concessões de rodovias
vão continuar?
Kanashiro - É uma questão de
justiça social: quem usa deve pagar pelo uso. Além do mais, em
última instância, é o contribuinte
que paga pelas obras, seja diretamente, nos pedágios, ou por tabela, através de impostos. Não tem
Papai Noel. Estamos retomando a
concessão de 2.600 km de rodovias nos próximos meses em regiões onde o tráfego é mais pesado, principalmente no Sudeste e
no Centro-Oeste.
Folha - Mas muitas pessoas reclamam das altas tarifas cobradas nos
pedágios pelas concessionárias...
Kanashiro - Teremos quatro requisitos básicos: tarifas módicas,
qualidade da manutenção das
vias, participação ativa da empresa no desenvolvimento socioeconômico da região e um controle
rigoroso do governo para intervir
quando for necessário.
Folha - As rodovias federais estão
em uma situação alarmante. O que
será feito?
Kanashiro - Vamos adotar planos emergenciais de recuperação
nos principais eixos de transporte
de carga. Mas precisamos pensar
no futuro. Há uma clara relação
entre crescimento econômico e
infra-estrutura. Toda vez que o
país cresceu é porque houve investimentos em rodovias ou ferrovias nos anos anteriores. Quando o país não investiu, entrou em
recessão logo depois.
Nos anos 70, investimos anualmente quase 2% do PIB em infra-estrutura. Mas, nos últimos dez
anos, gastamos algo em torno de
0,2%. E a situação chegou a esse
ponto de calamidade, em que
40% das rodovias estão ruins,
muitas praticamente intransitáveis. Precisamos pensar para
frente e inverter o atual sistema de
transporte de carga.
Folha - Qual a melhor
alternativa?
Kanashiro - Temos de aproveitar
nosso potencial hídrico. Se melhorarmos a sinalização, podemos utilizar a navegação interior
combinada com os caminhões e
os portos. Seria mais barato. Em
tese, se um frete entre dois pontos
custa R$ 1.000 por rodovia, sairia
por R$ 500 pela ferrovia e por
pouco mais de R$ 100 por barco.
Veja o exemplo da Vale do Rio
Doce. Ela não é apenas a maior
mineradora de ferro do mundo. É
uma empresa de logística fantástica, pois consegue colocar um produto de baixo valor agregado a
longa distância a preços competitivos. Se a economia brasileira tivesse logística semelhante, seríamos imbatíveis.
Folha - O governo deve anunciar
nesta semana as obras de infra-estrutura prioritárias da gestão Lula.
Como há poucos recursos a curto
prazo, a escolha deixará muitos Estados de mãos abanando. Como será a costura política?
Kanashiro - Estou viajando pelo
Brasil há meses conversando com
políticos e empresários. Já elencamos quais são as prioridades de
cada região e teremos muito em
breve um quadro factível das
ações de Lula para sua gestão. Se
os últimos presidentes tivessem
dinheiro suficiente para todas as
obras de infra-estrutura que o
Brasil necessita, nós do PT não teríamos saído vitoriosos das últimas eleições. Mas vamos mostrar
que é possível mudar a cara do
país com planejamento de longo
prazo e originalidade.
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