São Paulo, quarta-feira, 18 de agosto de 2004

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LUÍS NASSIF

A proposta da Ancinav

Para discutir seriamente a nova Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual), a primeira providência é não misturá-la com o Conselho Federal de Jornalismo. A proposta do conselho é de controle de conteúdo; a da Ancinav não é.
Houve leitura apressada do artigo 43 da minuta que cria a agência. O artigo 222 da Constituição Federal dispõe que a propriedade de meios de comunicação de massas no Brasil tem que ser 70% de capital nacional, e a responsabilidade editorial, de brasileiros natos ou naturalizados. O artigo 43 da minuta diz que caberá à agência fiscalizar, para saber qual produto se enquadra no disposto na Constituição, e de quem é a responsabilidade editorial, para fins de identificação da nacionalidade. É muito diferente de controlar conteúdo.
Hoje em dia existem dois processos de convergência digital que derrubam fronteiras entre redes físicas e plataformas tecnológicas e de conteúdo -a televisão digital e a telefonia. Essa convergência tem levado globalmente a uma série de megafusões entre empresas de telefonia, de rede física e de produtores de conteúdo, algo que ameaça as produções nacionais, inclusive de países da Europa. Não se trata de questão trivial, mas de um tema cuja discussão será ampliada no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio).
O Brasil dispõe de uma indústria de audiovisual que, vista no conjunto, deve faturar por volta de R$ 15 bilhões, com enorme potencial de crescimento, como gerador de emprego, de renda e de divisas, graças à diversidade cultural do país.
A missão de uma política para a área deveria ser a de criar estímulos para que novos produtores culturais surjam no país e que as atuais emissoras se voltem para o mundo -como exportadoras de produtos de entretenimento. A função da política pública é abrir espaço para o novo. Se se limitar a ser um consenso do velho, o novo jamais nascerá.
Hoje em dia esses dois movimentos são atrapalhados pela reserva de mercado que existe na distribuição cinematográfica e na área de radiodifusão, com o atual sistema de concessões. Não há espaço para a entrada do novo, e há o acomodamento do já estabelecido.
Até agora, as leis de incentivo à cultura trabalharam exclusivamente do lado da oferta, não da demanda. Ao lado de produtos culturais relevantes, foram produzindo filmes que não são distribuídos por falta de salas, espetáculos teatrais de fins de semana (porque o patrocínio já garantiu o retorno) e uma gama de eventos sociais sem significado cultural.
Incentivos fiscais, especialmente em atividades de mercado, devem servir de base para uma segunda etapa, na qual a produção seja auto-sustentada. Daí a relevância de dois movimentos seqüenciais. O primeiro, a criação de um verdadeiro mercado, derrubando as barreiras de entrada à produção independente e estimulando a busca do mercado externo para as grandes emissoras. O segundo, o fim gradativo do paternalismo e das reservas de mercado.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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