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Crise histórica de confiança provoca fuga dos mercados
Procura por porto seguro leva juro de título americano a ficar próximo de zero
Preocupação com quebra derruba as ações de Morgan Stanley e Goldman Sachs nos EUA; Bovespa recua 6,7%, e Dow Jones, 4%
TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma crise de confiança histórica atingiu ontem os mercados globais e motivou uma corrida inédita, desde o crash da
Bolsa de Nova York (1987), para investimentos livres de risco.
O pânico aconteceu mesmo
após o socorro, na véspera, do
Fed [BC dos EUA] à seguradora
AIG, que parecia poder acalmar
os mercados. Foi o terceiro dia
seguido de perdas nas Bolsas,
que varreram estimados US$
3,6 trilhões do valor de mercado das empresas pelo mundo.
Em meio a uma desconfiança
sobre a saúde financeira de
bancos de investimento como
Goldman Sachs e Morgan Stanley, fundos de pensão e grandes investidores institucionais
se livraram de ações e de dívidas corporativas para se refugiarem em papéis da dívida pública americana de curto prazo.
A procura foi tão alta que alguns desses papéis chegaram a
ser negociados com juro próximo de zero, na menor taxa desde a Segunda Guerra. Ou seja, o
investidor chegou a pagar ágio
para comprar papéis que praticamente não trarão nenhum
rendimento, mas que são refúgio contra perdas. Apenas ontem o retorno dos papéis de
três meses do governo americano recuou 0,61 ponto e teve taxa de 0,03%, a menor desde janeiro de 1941.
Ao mesmo tempo, os juros
dos empréstimos entre bancos
privados dispararam, levando
as taxas ao maior patamar desde 20 de outubro de 1987, data
que entrou para história de
Wall Street como a "segunda-feira negra" do crash da Bolsa
nos anos 1980.
A Bolsa de Nova York terminou o dia com perda de 4,06%
no índice Dow Jones e de 4,71%
no S&P 500. No Brasil, a Bovespa teve baixa de 6,74% e voltou
a marcar 45.908 pontos no Ibovespa. O dólar comercial subiu
2,41% e terminou a R$ 1,868.
Na Ásia, a Bolsa de Tóquio
abriu hoje com baixa de 3,15%.
Para suprir a demanda do
mercado, o Fed retirou US$ 40
bilhões de circulação por meio
de um leilão extra de títulos de
35 dias. O dinheiro foi para suprir ajudar na capitalização da
seguradora AIG, na qual o governo dos EUA se comprometeu a injetar US$ 85 bilhões e a
assumir participação de 80%.
Após a quebra do Lehman
Brothers e a venda da Merrill
Lynch, os investidores levantam dúvidas sobre a viabilidade
de bancos de investimentos como Goldman Sachs e Morgan
Stanley, os dois únicos entre os
grandes que continuam sem
um parceiro estratégico com
um pé sólido no varejo.
O Morgan Stanley informou
que considera fazer uma fusão
com o Wachovia ou com outros
bancos. As ações do Morgan
Stanley recuaram 37% na Bolsa
de Nova York. Já os papéis da
Goldman Sachs recuaram 21%.
Para limitar as apostas contra as ações de bancos, a SEC
(CVM dos EUA) restringiu as
regras para operações conhecidas como de "venda a descoberto", em que o investidor vende
o papel antes mesmo de comprá-lo. Na operação, quanto
maior a queda do papel, maior o
lucro do especulador.
A corrida para investimentos
de baixo risco levou até a uma
apreciação do ouro, metal que
costumava se valorizar em épocas de guerra. Em Nova York, o
metal subiu 9,03%.
Para Marcelo Vozz, economista-chefe da corretora Liquidez, os mercados não passavam
por uma crise de confiança tão
séria desde 1997, época da crise
da Ásia. "O dia foi um completo
horror. O mercado está travado. Só tem ordem de venda. Em
termos de choque, o que está
acontecendo é o pior desde a
crise da Ásia. Só perde para o
crash de 1987", disse.
O economista Alexandre Jorge Chaia, especialista em risco
do Ibmec-SP, vê a chamada
"corrida por qualidade" de ontem como conseqüência de um
reposicionamento de fundos de
pensão e de hedge que estão retirando seus recursos de bancos de investimento. Chaia
lembra que alguns desses fundos têm a obrigação estatutária
de não manter o dinheiro parado, o que muitas vezes leva ao
pagamento de ágio para ter o
dinheiro guardado em títulos
seguros do governo.
"Estamos no meio de uma
crise de liquidez. Estão todos
procurando garantir uma saída
[para seu investimento]. É exagero dizer que não vai mais ter
banco de investimento sem um
banco múltiplo por trás. Qualquer análise feita no olho do furacão é precipitada", disse.
Para Luiz Jurandir, consultor da Fipecafi, o mercado de títulos americanos "sucumbiu à
irracionalidade" ontem ao negociar papéis com juros próximos de zero. "Em situações
normais de mercado, isso não
acontece. Você não paga US$
1.005 numa dívida para receber
US$ 1.000 em três meses. Só
em situações de pânico, quando
você acha que pode perder o dinheiro, é que isso se explica."
O matemático financeiro José Dutra também não viu nenhuma racionalidade na negociação de títulos com juro zero
ontem nos EUA. Para o professor, operações como essa só se
justificam para prazos maiores,
quando há uma expectativa de
que os juros vão ser reduzidos.
"Nesse caso, o papel se valoriza
lá na frente e o investimento
volta a ficar positivo", disse.
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