São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 2008

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Crise histórica de confiança provoca fuga dos mercados

Procura por porto seguro leva juro de título americano a ficar próximo de zero

Preocupação com quebra derruba as ações de Morgan Stanley e Goldman Sachs nos EUA; Bovespa recua 6,7%, e Dow Jones, 4%

TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma crise de confiança histórica atingiu ontem os mercados globais e motivou uma corrida inédita, desde o crash da Bolsa de Nova York (1987), para investimentos livres de risco.
O pânico aconteceu mesmo após o socorro, na véspera, do Fed [BC dos EUA] à seguradora AIG, que parecia poder acalmar os mercados. Foi o terceiro dia seguido de perdas nas Bolsas, que varreram estimados US$ 3,6 trilhões do valor de mercado das empresas pelo mundo.
Em meio a uma desconfiança sobre a saúde financeira de bancos de investimento como Goldman Sachs e Morgan Stanley, fundos de pensão e grandes investidores institucionais se livraram de ações e de dívidas corporativas para se refugiarem em papéis da dívida pública americana de curto prazo.
A procura foi tão alta que alguns desses papéis chegaram a ser negociados com juro próximo de zero, na menor taxa desde a Segunda Guerra. Ou seja, o investidor chegou a pagar ágio para comprar papéis que praticamente não trarão nenhum rendimento, mas que são refúgio contra perdas. Apenas ontem o retorno dos papéis de três meses do governo americano recuou 0,61 ponto e teve taxa de 0,03%, a menor desde janeiro de 1941.
Ao mesmo tempo, os juros dos empréstimos entre bancos privados dispararam, levando as taxas ao maior patamar desde 20 de outubro de 1987, data que entrou para história de Wall Street como a "segunda-feira negra" do crash da Bolsa nos anos 1980.
A Bolsa de Nova York terminou o dia com perda de 4,06% no índice Dow Jones e de 4,71% no S&P 500. No Brasil, a Bovespa teve baixa de 6,74% e voltou a marcar 45.908 pontos no Ibovespa. O dólar comercial subiu 2,41% e terminou a R$ 1,868. Na Ásia, a Bolsa de Tóquio abriu hoje com baixa de 3,15%.
Para suprir a demanda do mercado, o Fed retirou US$ 40 bilhões de circulação por meio de um leilão extra de títulos de 35 dias. O dinheiro foi para suprir ajudar na capitalização da seguradora AIG, na qual o governo dos EUA se comprometeu a injetar US$ 85 bilhões e a assumir participação de 80%.
Após a quebra do Lehman Brothers e a venda da Merrill Lynch, os investidores levantam dúvidas sobre a viabilidade de bancos de investimentos como Goldman Sachs e Morgan Stanley, os dois únicos entre os grandes que continuam sem um parceiro estratégico com um pé sólido no varejo.
O Morgan Stanley informou que considera fazer uma fusão com o Wachovia ou com outros bancos. As ações do Morgan Stanley recuaram 37% na Bolsa de Nova York. Já os papéis da Goldman Sachs recuaram 21%.
Para limitar as apostas contra as ações de bancos, a SEC (CVM dos EUA) restringiu as regras para operações conhecidas como de "venda a descoberto", em que o investidor vende o papel antes mesmo de comprá-lo. Na operação, quanto maior a queda do papel, maior o lucro do especulador.
A corrida para investimentos de baixo risco levou até a uma apreciação do ouro, metal que costumava se valorizar em épocas de guerra. Em Nova York, o metal subiu 9,03%.
Para Marcelo Vozz, economista-chefe da corretora Liquidez, os mercados não passavam por uma crise de confiança tão séria desde 1997, época da crise da Ásia. "O dia foi um completo horror. O mercado está travado. Só tem ordem de venda. Em termos de choque, o que está acontecendo é o pior desde a crise da Ásia. Só perde para o crash de 1987", disse.
O economista Alexandre Jorge Chaia, especialista em risco do Ibmec-SP, vê a chamada "corrida por qualidade" de ontem como conseqüência de um reposicionamento de fundos de pensão e de hedge que estão retirando seus recursos de bancos de investimento. Chaia lembra que alguns desses fundos têm a obrigação estatutária de não manter o dinheiro parado, o que muitas vezes leva ao pagamento de ágio para ter o dinheiro guardado em títulos seguros do governo.
"Estamos no meio de uma crise de liquidez. Estão todos procurando garantir uma saída [para seu investimento]. É exagero dizer que não vai mais ter banco de investimento sem um banco múltiplo por trás. Qualquer análise feita no olho do furacão é precipitada", disse.
Para Luiz Jurandir, consultor da Fipecafi, o mercado de títulos americanos "sucumbiu à irracionalidade" ontem ao negociar papéis com juros próximos de zero. "Em situações normais de mercado, isso não acontece. Você não paga US$ 1.005 numa dívida para receber US$ 1.000 em três meses. Só em situações de pânico, quando você acha que pode perder o dinheiro, é que isso se explica."
O matemático financeiro José Dutra também não viu nenhuma racionalidade na negociação de títulos com juro zero ontem nos EUA. Para o professor, operações como essa só se justificam para prazos maiores, quando há uma expectativa de que os juros vão ser reduzidos. "Nesse caso, o papel se valoriza lá na frente e o investimento volta a ficar positivo", disse.


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