São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 2008

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Crepúsculo dos ídolos


A tempestade parece não ter fim; outras instituições de porte e renome devem falir ou precisar de socorro oficial

CARO LEITOR , estou perplexo.
Não sei por onde começar. O desastre financeiro aqui nos EUA é de proporções impressionantes. Nunca vi nada igual em minha vida. E olhe, leitor, posso lhe assegurar que já vi e vivi muita coisa: a crise da dívida externa dos anos 80, as crises cambiais da década de 90, entre muitos outros episódios.
Mas a atual crise é muito diferente desses episódios. Ela tem como epicentro o sistema financeiro dos EUA -o maior, o mais sofisticado e, até recentemente, o mais respeitado do mundo. Na década de 90, as crises tinham origem na periferia da economia mundial, em lugares como México, Tailândia ou Rússia. Agora, a maior economia do mundo é o palco de acontecimentos tenebrosos.
A confiança nos EUA e, em especial, nas suas instituições financeiras foi profundamente abalada. Depois do que aconteceu com Bear Stearns, Fannie Mae, Freddie Mac, Lehman Brothers, Merrill Lynch, AIG -todas elas instituições de tradição e credibilidade-, ninguém acredita mais em ninguém.
A tempestade financeira parece não ter fim. Os preços dos imóveis continuam caindo. O sistema financeiro ainda tem muitas bandas podres, não só nos EUA como também na Europa Ocidental. Outras instituições de porte e renome devem falir ou precisar de socorro oficial.
Há uma certa ironia na situação atual. Um governo comprometido com o livre mercado, avesso à regulação financeira e à participação do Estado na economia, está sendo forçado a praticar uma das maiores intervenções da história. Na prática, grande parte do sistema financeiro está sendo nacionalizada.
Aliás, a aversão à regulação do sistema financeiro foi um dos fatores que contribuíram para o acúmulo de graves distorções e vulnerabilidades. É provável que um dos resultados da crise venha a ser o fortalecimento da regulação e a supervisão não apenas dos bancos, mas de um conjunto maior de agentes financeiros. Após a crise, o sistema financeiro será provavelmente menor e menos livre do que foi até agora.
O Tesouro e o BC americanos enfrentam um dilema que é clássico, mas que raramente se apresenta de forma tão aguda. Por um lado, o governo precisa socorrer as instituições de grande porte para fazer face ao chamado risco sistêmico, isto é, o risco de que o colapso de uma grande firma leve a uma destrutiva reação em cadeia dentro do sistema financeiro. Por outro, essas intervenções costumam ter um custo elevado para as contas públicas e, em última análise, para o contribuinte.
Além disso, elas podem envolver um "risco moral", isto é, solapar a disciplina no mercado e estimular comportamentos arriscados.
Em situações de extrema instabilidade, como a atual, o risco sistêmico tende a ganhar precedência em relação ao custo fiscal e ao "risco moral". Porém, no fim de semana passado, o governo americano tomou uma decisão muito arriscada: resolveu permitir o colapso do Lehman Brothers, um dos maiores e mais tradicionais bancos de investimento dos EUA. Alguns afoitos se aventuraram a celebrar a vitória das preocupações com o "risco moral".
Bem. A hegemonia do "risco moral" não durou 48 horas. O colapso do Lehman desencadeou um pandemônio nos mercados. No final da terça-feira, o Fed teve que anunciar uma intervenção muito maior do que teria sido a do Lehman: US$ 85 bilhões para salvar uma das maiores seguradoras do mundo -a AIG. Não obstante, os mercados ainda estão extremamente nervosos.
A crise continua.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

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