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LUÍS NASSIF
A Alca e o tiro no pé
Um dos papéis centrais de
um presidente da República é a maneira como se coloca ante os governantes estrangeiros. Há que ter um mínimo
de conhecimento sobre os temas tratados e sobre a melhor
tática de negociação e/ou discussão.
Um dos mais notáveis feitos
diplomáticos brasileiros ocorreu em 1952, em plena crise
cambial do governo Vargas,
quando o jovem embaixador
Walter Moreira Salles enfrentou um secretário de Estado
norte-americano, representante do recém-eleito governo Eisenhower, que se recusava a
bancar um empréstimo ao
Brasil negociado com a administração anterior. Numa conversa ocorrida entre a eleição e
a posse de Eisenhower, o jovem
embaixador peitou o secretário de Estado e desafiou: "Julguei que, quando alguém negocia em nome do governo dos
Estados Unidos, é a palavra do
país que está em jogo".
Nas negociações internacionais não existe a impessoalidade que se supõe, mesmo quando estão em jogo interesses de
países. E, quando se trata de
uma potência como os Estados
Unidos, mais do que nunca a
rede de relações pessoais é relevante. Para tanto, há que ter
clareza sobre o jogo de alianças e sobre quem é quem em
cada parceiro comercial.
Robert Zoellick, o representante comercial norte-americano, pode ser um aliado fundamental para o Brasil. No governo Bush, com suas inclinações pelo fechamento econômico, é a luz a bradar contra o
protecionismo tarifário e a defender a abertura comercial.
Quando indagado se o Brasil
negociaria com a Alca, sua resposta nada teve de desafiadora
à soberania nacional. Limitou-se a dizer que, se o Brasil
não negociar com o maior
mercado consumidor do mundo, se demorar a aderir a algum bloco, só lhe restará a Antártida. Não ameaçou o país
com marines nem com retaliação comercial. Falou o óbvio.
A reação de Lula, dizendo
não falar "com o sub do sub do
sub", foi incorreta e desnecessária. Zoellick é um funcionário de alto prestígio. O "sub do
sub" era um sub qualquer que,
no mesmo evento, condicionou
a ajuda norte-americana ao
Brasil ao cumprimento das
metas com o Fundo Monetário
Internacional. Mesmo esse
funcionário está no direito dele. Quem empresta impõe as
condições.
Essa politização da Alca, inclusive com esse referendo popular, é uma maneira supersticiosa de encarar a questão.
Quando o Mercosul começou,
as maiores críticas eram contra o fato de o Brasil ser o
maior mercado consumidor.
Nessa condição, ele seria o prejudicado, e os parceiros menores, beneficiados.
Agora, há a possibilidade de
acessar o maior mercado consumidor do mundo, e fica-se
nessa visão duplamente supersticiosa. A primeira face da
superstição é achar que a simples adesão à Alca salvará o
Brasil; a segunda face, considerar que a entrada na Alca, por
si, liquidará o país.
Não pode ser assim. A entrada na Alca envolverá um sem-número de setores, alguns ganhando, outros perdendo. É
um toma lá, dá cá que poderá
ser vantajoso ou não, dependendo da forma de negociação. Se a entrada for mal negociada, será ruim; se for bem negociada, poderá ser a salvação
da economia.
A estratégia começa por um
levantamento competente dos
setores que podem ganhar ou
perder com a abertura. Depois,
com a montagem da estratégia
de negociação, explorando basicamente o conflito de interesses nos próprios Estados Unidos, contrapondo interesses de
importadores aos dos exportadores, de consumidores aos dos
setores protegidos. Nessa negociação, Zoellick é um aliado
imprescindível, posto que adversário de toda forma de protecionismo interno.
Ao atirar em Zoellick, Lula
erra o alvo e cria um desgaste
gratuito com um interlocutor
que pode ser importante quando as negociações forem reabertas. A soberania nacional
precisa ser defendida nas negociações propriamente ditas.
Não se trata de questão de retórica, mas de estudos que demonstrem onde o interesse nacional poderá ser atendido e
onde poderá ser atropelado.
E-mail -
lnassif@uol.com.br
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