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ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Phelps e a política monetária
Phelps antecipou de
forma teórica problemas que
só aconteceriam depois. Só
isso já valeria o Prêmio Nobel
EDMUND PHELPS, ganhador do
Nobel de Economia de 2006,
conseguiu algo que raros economistas alcançaram: em sua contribuição teórica, publicada em
1968, antecipou problemas que só
viriam a se materializar nos anos 70.
Só isso já valeria o prêmio, pois, em
geral, mesmo grandes economistas
só resolvem os problemas depois
que eles apareceram. Mas a relevância da contribuição de Phelps vai
além dessa peculiaridade: criou,
com Milton Friedman, as fundações
da moderna política monetária e
lançou as bases do pensamento neokeynesiano na macroeconomia.
Essa última afirmação pode parecer surpreendente, pois ainda há os
que -por desconhecimento da evolução da teoria macroeconômica
nos últimos 30 anos- classificam
Phelps como um monetarista, o antikeynesiano por excelência. Nada
mais longe da realidade, embora o
autor tenha, de fato, chamado a
atenção para um erro fundamental
dos cânones do keynesianismo à
época. Nos anos 60, acreditava-se
haver uma relação estável de troca
entre inflação e crescimento: se determinado país queria crescer mais
rápido, havia um preço a ser pago na
forma de inflação mais alta; se quisesse inflação menor, o custo seria
crescimento mais baixo. Caberia ao
banco central expressar a preferência da sociedade numa combinação
ótima de inflação e crescimento.
Phelps e Friedman, porém, mostraram que a inflação só pode acelerar o crescimento, e mesmo assim
por um período muito curto, se não
for antecipada pelo público. Realmente, se os contratos salariais embutem uma expectativa de inflação
de 5% e a inflação atinge 10%, a queda dos salários reais estimula a expansão do emprego e o crescimento.
À medida, porém, que os agentes incorporam as expectativas inflacionárias aos seus contratos, esses efeitos desaparecem: a inflação torna-se
mais alta, mas a economia não consegue crescer persistentemente acima do seu potencial, como se observou nos anos 70. Isso dito, se apenas
a inflação não antecipada pode ter
algum efeito de curto prazo sobre o
crescimento, fica patente a falta de
sentido da crença de que uma meta
mais elevada de inflação possa trazer os ganhos esperados por alguns
economistas pátrios.
Outra conseqüência relevante
desse raciocínio diz respeito à desinflação: se o banco central não consegue convencer a sociedade acerca do
seu compromisso com a queda da
inflação, os custos para reduzi-la serão elevados, como o exemplo americano dos anos 80 demonstrou. O
problema é que qualquer banco central -uma vez firmados os contratos
no setor privado- sempre sofrerá
enorme tentação para elevar a inflação de modo a ganhar, ainda que no
curto prazo, um pouco a mais de
crescimento. No entanto, como as
pessoas sabem disso, acabam embutindo em seus contratos taxas crescentes de inflação, que o banco central, por não querer causar uma recessão, acaba por sancionar, prendendo a economia num equilíbrio
perverso.
Para convencer a sociedade acerca do seu compromisso, o banco
central deve, a exemplo de Odisseu,
amarrar-se de forma a garantir que
não atenderá ao canto das sereias de
plantão, ou seja, não surpreenderá a
sociedade com taxas de inflação
mais elevadas. Assim, ao longo dos
anos, várias formas de amarras foram tentadas: de taxas de câmbio fixas a metas de expansão monetária,
com razoável grau de sucesso no que
diz respeito à inflação, à custa, por
vezes, de outras distorções.
A forma de compromisso que até
hoje obteve mais sucesso em coordenar as expectativas de inflação
dos agentes privados e, graças a isso,
obter queda da inflação com os menores custos em termos de produto
tem sido o regime de metas para a
inflação. Assim, entre 2003 e 2006,
o BC brasileiro fez uma desinflação
mais forte que a promovida pelo Fed
sob a regência do mítico Paul Volcker, com sacrifício muito menor de
produto. Não por acaso a imensa
maioria dos países com inflação sob
controle pratica precisamente esse
regime de política monetária, e o
próprio Fed anda discutindo sua
possível adoção.
Um Nobel por antecipar a estagflação dos anos 70, lançar as bases
para o entendimento dos custos da
desinflação nos anos 80 e preparar o
terreno para a adoção do regime de
metas para a inflação nos anos 90
não me parece imerecido. Raras são
as contribuições mais relevantes à
ciência econômica.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 43, economista-chefe para América Latina do ABN-Amro, é doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
alexandre.schwartsman@hotmail.com
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