São Paulo, quarta-feira, 18 de outubro de 2006

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Phelps e a política monetária

Phelps antecipou de forma teórica problemas que só aconteceriam depois. Só isso já valeria o Prêmio Nobel

EDMUND PHELPS, ganhador do Nobel de Economia de 2006, conseguiu algo que raros economistas alcançaram: em sua contribuição teórica, publicada em 1968, antecipou problemas que só viriam a se materializar nos anos 70.
Só isso já valeria o prêmio, pois, em geral, mesmo grandes economistas só resolvem os problemas depois que eles apareceram. Mas a relevância da contribuição de Phelps vai além dessa peculiaridade: criou, com Milton Friedman, as fundações da moderna política monetária e lançou as bases do pensamento neokeynesiano na macroeconomia.
Essa última afirmação pode parecer surpreendente, pois ainda há os que -por desconhecimento da evolução da teoria macroeconômica nos últimos 30 anos- classificam Phelps como um monetarista, o antikeynesiano por excelência. Nada mais longe da realidade, embora o autor tenha, de fato, chamado a atenção para um erro fundamental dos cânones do keynesianismo à época. Nos anos 60, acreditava-se haver uma relação estável de troca entre inflação e crescimento: se determinado país queria crescer mais rápido, havia um preço a ser pago na forma de inflação mais alta; se quisesse inflação menor, o custo seria crescimento mais baixo. Caberia ao banco central expressar a preferência da sociedade numa combinação ótima de inflação e crescimento.
Phelps e Friedman, porém, mostraram que a inflação só pode acelerar o crescimento, e mesmo assim por um período muito curto, se não for antecipada pelo público. Realmente, se os contratos salariais embutem uma expectativa de inflação de 5% e a inflação atinge 10%, a queda dos salários reais estimula a expansão do emprego e o crescimento.
À medida, porém, que os agentes incorporam as expectativas inflacionárias aos seus contratos, esses efeitos desaparecem: a inflação torna-se mais alta, mas a economia não consegue crescer persistentemente acima do seu potencial, como se observou nos anos 70. Isso dito, se apenas a inflação não antecipada pode ter algum efeito de curto prazo sobre o crescimento, fica patente a falta de sentido da crença de que uma meta mais elevada de inflação possa trazer os ganhos esperados por alguns economistas pátrios.
Outra conseqüência relevante desse raciocínio diz respeito à desinflação: se o banco central não consegue convencer a sociedade acerca do seu compromisso com a queda da inflação, os custos para reduzi-la serão elevados, como o exemplo americano dos anos 80 demonstrou. O problema é que qualquer banco central -uma vez firmados os contratos no setor privado- sempre sofrerá enorme tentação para elevar a inflação de modo a ganhar, ainda que no curto prazo, um pouco a mais de crescimento. No entanto, como as pessoas sabem disso, acabam embutindo em seus contratos taxas crescentes de inflação, que o banco central, por não querer causar uma recessão, acaba por sancionar, prendendo a economia num equilíbrio perverso.
Para convencer a sociedade acerca do seu compromisso, o banco central deve, a exemplo de Odisseu, amarrar-se de forma a garantir que não atenderá ao canto das sereias de plantão, ou seja, não surpreenderá a sociedade com taxas de inflação mais elevadas. Assim, ao longo dos anos, várias formas de amarras foram tentadas: de taxas de câmbio fixas a metas de expansão monetária, com razoável grau de sucesso no que diz respeito à inflação, à custa, por vezes, de outras distorções.
A forma de compromisso que até hoje obteve mais sucesso em coordenar as expectativas de inflação dos agentes privados e, graças a isso, obter queda da inflação com os menores custos em termos de produto tem sido o regime de metas para a inflação. Assim, entre 2003 e 2006, o BC brasileiro fez uma desinflação mais forte que a promovida pelo Fed sob a regência do mítico Paul Volcker, com sacrifício muito menor de produto. Não por acaso a imensa maioria dos países com inflação sob controle pratica precisamente esse regime de política monetária, e o próprio Fed anda discutindo sua possível adoção.
Um Nobel por antecipar a estagflação dos anos 70, lançar as bases para o entendimento dos custos da desinflação nos anos 80 e preparar o terreno para a adoção do regime de metas para a inflação nos anos 90 não me parece imerecido. Raras são as contribuições mais relevantes à ciência econômica.


ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 43, economista-chefe para América Latina do ABN-Amro, é doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
alexandre.schwartsman@hotmail.com


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