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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Nova rodada da OMC depende dos EUA
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
A cúpula ministerial da
OMC (Organização Mundial do Comércio) chegou ao
fim, na semana passada, surpreendendo os mais céticos. Entre as novidades, destaca-se o reconhecimento do direito da
quebra de patentes farmacêuticas em casos de emergência. É
um avanço inegável, do ponto
de vista dos que defendem a regulação dos mercados (ou seja,
o seu controle sujeito a princípios de interesse público, e não
apenas de promoção dos interesses privados). Ponto para o
ministro da Saúde, José Serra,
economista que tem insistido no
uso do Ministério como instrumento de política industrial.
Daí a saudar a cúpula de Doha
como um momento de virada
em favor dos países em desenvolvimento vai uma distância.
Há vários anos está em curso
um deslocamento das agendas
multilaterais que gradualmente
coloca as instituições globais
numa posição desconfortável.
Em primeiro lugar está o próprio fracasso das receitas liberais. Elas fracassaram nos processos de transição no Leste Europeu, mas também nos programas de ajuste estrutural na
América Latina e na Ásia. Nos
últimos anos surgiram vozes
dissonantes no interior dos templos da ortodoxia, como o FMI e
o Banco Mundial.
É igualmente notório que a
mobilização social e política, em
especial das ONGs, causou impacto na mentalidade predominantes não apenas na alta burocracia internacional, mas também na mídia, nos circuitos acadêmicos e até em alguns círculos
financeiros. Instituições com
menos poder, mas de alcance
global, como a Unctad, também
assumiram posições mais críticas. O resultado foi um impasse
no ciclo de negociações multilaterais sem precedentes.
Ainda na lista dos processos
que levaram à fragilização da
posição ortodoxa, inclui-se o fenômeno do "regionalismo aberto", movimento cuja expressão
mais evidente é a formação de
blocos regionais e a proliferação
de acordos bilaterais.
Finalmente, ganharam peso as
análises sociais, institucionais e
políticas dos fenômenos econômicos, como ficou evidente em
vários prêmios Nobel nos últimos anos. Temas como criação
de "redes de proteção social" ou
combate à corrupção ganharam
espaço inédito, depois de décadas de insistência no livre funcionamento dos mercados como remédio necessário e suficiente.
No curtíssimo prazo, o fator
adverso que foi decisivo para a
flexibilização tem nome: Osama
bin Laden. A necessidade de
ampliar e consolidar uma aliança internacional contra o terror
é uma razão óbvia para os negociadores norte-americanos admitirem, na retórica das declarações da OMC, a relevância dos
interesses e problemas dos países em desenvolvimento ou menos desenvolvidos.
É nesse contexto que as ações
de governos desses países, como
Brasil e Índia, ganham maior
peso específico. Claro que ministros e autoridades vão apresentar um retrato invertido, isto
é, uma vitória histórica da diplomacia tupiniquim. Somente
uma análise objetiva da história
recente permite uma percepção
mais ponderada.
Entretanto, para reduzir a distância entre a nova agenda e os
trilhões de dólares supostamente associados à liberalização comercial, ainda falta o governo
dos EUA obter do Congresso a
autoridade para fechar acordos
comerciais. Enquanto essa autorização não estiver sobre a mesa,
a nova agenda será pouco mais
que uma nova retórica, com exceções (caso das patentes farmacêuticas) que não superam a insuficiência das regras do comércio mundial.
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