São Paulo, domingo, 18 de novembro de 2001

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Nova rodada da OMC depende dos EUA

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

A cúpula ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio) chegou ao fim, na semana passada, surpreendendo os mais céticos. Entre as novidades, destaca-se o reconhecimento do direito da quebra de patentes farmacêuticas em casos de emergência. É um avanço inegável, do ponto de vista dos que defendem a regulação dos mercados (ou seja, o seu controle sujeito a princípios de interesse público, e não apenas de promoção dos interesses privados). Ponto para o ministro da Saúde, José Serra, economista que tem insistido no uso do Ministério como instrumento de política industrial.
Daí a saudar a cúpula de Doha como um momento de virada em favor dos países em desenvolvimento vai uma distância. Há vários anos está em curso um deslocamento das agendas multilaterais que gradualmente coloca as instituições globais numa posição desconfortável.
Em primeiro lugar está o próprio fracasso das receitas liberais. Elas fracassaram nos processos de transição no Leste Europeu, mas também nos programas de ajuste estrutural na América Latina e na Ásia. Nos últimos anos surgiram vozes dissonantes no interior dos templos da ortodoxia, como o FMI e o Banco Mundial.
É igualmente notório que a mobilização social e política, em especial das ONGs, causou impacto na mentalidade predominantes não apenas na alta burocracia internacional, mas também na mídia, nos circuitos acadêmicos e até em alguns círculos financeiros. Instituições com menos poder, mas de alcance global, como a Unctad, também assumiram posições mais críticas. O resultado foi um impasse no ciclo de negociações multilaterais sem precedentes.
Ainda na lista dos processos que levaram à fragilização da posição ortodoxa, inclui-se o fenômeno do "regionalismo aberto", movimento cuja expressão mais evidente é a formação de blocos regionais e a proliferação de acordos bilaterais.
Finalmente, ganharam peso as análises sociais, institucionais e políticas dos fenômenos econômicos, como ficou evidente em vários prêmios Nobel nos últimos anos. Temas como criação de "redes de proteção social" ou combate à corrupção ganharam espaço inédito, depois de décadas de insistência no livre funcionamento dos mercados como remédio necessário e suficiente.
No curtíssimo prazo, o fator adverso que foi decisivo para a flexibilização tem nome: Osama bin Laden. A necessidade de ampliar e consolidar uma aliança internacional contra o terror é uma razão óbvia para os negociadores norte-americanos admitirem, na retórica das declarações da OMC, a relevância dos interesses e problemas dos países em desenvolvimento ou menos desenvolvidos.
É nesse contexto que as ações de governos desses países, como Brasil e Índia, ganham maior peso específico. Claro que ministros e autoridades vão apresentar um retrato invertido, isto é, uma vitória histórica da diplomacia tupiniquim. Somente uma análise objetiva da história recente permite uma percepção mais ponderada.
Entretanto, para reduzir a distância entre a nova agenda e os trilhões de dólares supostamente associados à liberalização comercial, ainda falta o governo dos EUA obter do Congresso a autoridade para fechar acordos comerciais. Enquanto essa autorização não estiver sobre a mesa, a nova agenda será pouco mais que uma nova retórica, com exceções (caso das patentes farmacêuticas) que não superam a insuficiência das regras do comércio mundial.


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