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São Paulo, quinta-feira, 18 de dezembro de 2003

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LUÍS NASSIF

A Embraer chinesa

Nesta terça-feira a Embraer apresentou o primeiro avião produzido na China, em uma joint venture com a estatal chinesa Avic 2, uma das duas estatais chinesas do setor.
Quando o primeiro avião da empresa Harbin Embraer -o nome da joint venture- fez o vôo inaugural, autoridades chinesas e funcionários brasileiros explodiram em uma salva de palmas.
A entrada do aeroporto da cidade estava enfeitada por um amplo painel com os retratos de Santos Dumont e de um chinês, pioneiro da aviação local, que construiu seu avião alguns anos depois do brasileiro.
O processo de negociação da China com a Embraer é um exemplo concreto de como se pratica política industrial pragmática.
O grande ativo chinês é seu mercado interno regional. Nos últimos anos ocorreu uma reestruturação na aviação interna, com a consolidação de três dezenas de empresas em três grandes empresas estatais, uma das quais com 40% de capital privado. A reestruturação visou preparar as empresas para um ambiente competitivo e para futura privatização.
O setor está em reestruturação, saindo do velho modelo estatal para um modelo de competição regulada. Nesse processo, abriu-se espaço para a criação da aviação regional, que inexiste na China.
Contando como trunfo com o mercado interno, a China sobretaxou os aviões médios em 23%. Ao mesmo tempo, emissários do governo chinês passaram a procurar os grandes fabricantes de aviões regionais sugerindo que a única alternativa de vender para o mercado chinês seria produzir localmente.
Foi um jogo esperto, em que exploraram bastante as rivalidades entre a Embraer e a Bombardier (canadense).
Do lado da China, interessa ter uma fábrica local transferindo tecnologia. Para a Embraer, interessa o mercado interno chinês. É um jogo que mais parece o pôquer do que o xadrez.
A Embraer venceu porque soube se comportar com humildade na hora certa, e endurecer na hora certa também. Alemães e canadenses perderam o bonde por não abrir espaço para sócios chineses. A Embraer aceitou a sociedade, mas exigiu ficar com o controle, 51%, com o argumento de que é a imagem dela que está em jogo.
No contrato ficou acertado que não haverá vendas para o mercado externo, sem consulta aos sócios. A Embraer sabe que as regras poderão ser mudadas a qualquer momento, mas tem também seus trunfos. Seus técnicos se precaveram contra possível espionagem industrial. Mas a garantia maior é o fato de a empresa só ter aceitado fabricar o ERJ-145, um modelo que está na metade dos seus 20 anos de vida útil. Não haverá transferência de tecnologia, nem desenvolvimento na China.
De qualquer modo, a visão da Embraer é que o que irá segurar o acordo será a manutenção de interesses recíprocos. A maneira como as autoridades chinesas falam de seus "amigos" brasileiros sugere que há um amplo espaço de colaboração entre ambos os países nos próximos anos.
Mas ninguém tem dúvida: daqui a alguns anos a China estará competindo no mercado internacional de aviação.

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