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WILLIAM WHITE
Pressão para que asiáticos deixem de intervir no mercado de câmbio pode provocar alta de juros nos EUA
Queda do dólar cria armadilha, diz economista do "BC mundial"
ÉRICA FRAGA
ENVIADA ESPECIAL À BASILÉIA
A persistente desvalorização do
dólar ameaça colocar as principais autoridades econômicas do
mundo frente a uma armadilha.
Os governos dos países desenvolvidos tendem a pressionar China
e Japão para que deixem de fazer
pesadas intervenções no mercado
que visam a evitar a valorização
de suas moedas.
Mas isso pode trazer outro alto
custo para as economias norte-americana e mundial: uma elevação de juros nos Estados Unidos.
A opinião é de um dos maiores
especialistas em finanças internacionais: William White, economista-chefe do BIS (sigla em inglês para Banco de Compensações Internacionais), espécie de
Banco Central dos Bancos Centrais.
"Se o dólar continuar se desvalorizando, é bastante provável
que países asiáticos, como China
e Japão, sofram pressão política
para reduzir o ritmo de compras
da moeda norte-americana", disse White em entrevista à Folha, na
última segunda-feira.
Atualmente, ocorre o seguinte:
o dólar tem se desvalorizado, as
moedas asiáticas, via intervenção
das autoridades da região, também e, com isso, o euro vem sofrendo forte apreciação. Para a
Europa, isso é ruim porque representa uma ameaça às exportações
do país para outras regiões.
Se os bancos centrais de países
como Japão e China deixam de
comprar títulos da dívida do governo norte-americano, as moedas asiáticas passam a se apreciar
como o euro. É uma forma de dividir os custos da recente mudança relativa nos preços das moedas.
O risco disso é que, ao diminuir
a demanda externa pelos títulos
de longo prazo do tesouro norte-americano, esses papéis tendem a
perder valor. Com isso, terão de
pagar mais juros a investidores
para aumentar sua atratividade.
E um aumento rápido de juros
nos EUA pode representar séria
ameaça à recuperação da economia do país e, portanto, do resto
do mundo.
Em relação ao Brasil, White diz
que os últimos governos têm feito
"as coisas certas". Defende, no entanto, a aprovação da autonomia
do BC como essencial.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Folha - Considerando a forte volatilidade das taxas de câmbio, o
que se pode esperar em termos de
política por parte dos governos?
William White - O que tem sido
surpreendente é como todo esse
processo tem se desenrolado de
forma ordenada. O dólar se desvalorizou de forma bastante significativa, mas ainda não houve nenhum momento em que tenhamos olhado para o tamanho dos
movimentos e nos sentido terrivelmente preocupados.
O euro, particularmente, ainda
não atingiu níveis verificados antes de sua introdução.
Mas está claro que quanto mais
o euro suba, maior será o custo do
ajuste imposto às indústrias de
bens transacionáveis na Europa.
E isso será desconfortável. Por isso, a velocidade da mudança, o
quão rapidamente as indústrias
poderão se adaptar à essa velocidade, é algo que certamente as autoridades monetárias estão monitorando com muito cuidado.
Do lado
europeu, a
preocupação é
que uma forte
apreciação do
euro derrube
lucros, a
confiança dos
empresários e o
investimento
A alta da
produtividade
[nos Estados
Unidos] está
levando a
ganhos que
estão indo para
lucros e não
para aumentos
de salários
Se a política monetária reagirá a
isso ou não, é difícil dizer. Uma
coisa sobre a qual você pode ter
certeza é que, se implicações desinflacionárias na área do euro levarem a mais desinflação do que o
BCE [Banco Central Europeu]
gostaria, suponho que haverá alguma resposta em termos de política monetária dentro do modelo
de metas inflacionárias.
Folha - Alguns analistas estimam
que o euro atingirá US$ 1,50 ou
US$ 1,60 até o fim do ano. A partir
de que nível de valorização o setor
exportador poderá ter prejuízos?
White - Isso não é um processo
descontínuo. Há um consenso de
que o quanto mais subir [a cotação do euro] e, especialmente, o
quanto mais rápido isso ocorrer,
mas desconfortável se tornará.
Não acho que haja um ponto específico sobre o qual possamos
dizer: está bem até aqui, mas,
além disso, temos um problema.
Além disso, diferentes setores
têm diferentes margens de manobra. Algo que temos de lembrar
sobre taxas de câmbio é que a média das previsões sobre elas no
passado foi frustrante.
Outro aspecto que é muito importante é o que vai acontecer
com as moedas asiáticas, porque
lá tem havido uma defesa muito
impetuosa das taxas de câmbio,
particularmente,
por parte da China
e do Japão.
À medida que o
declínio da moeda
norte-americana é
acompanhado pelo declínio de outras moedas, se há
a necessidade de
uma depreciação
efetiva do dólar, isso tende a colocar
pressão naquelas
moedas que estão
flutuando.
Eu suponho que
haverá pressões
políticas para que
os países, especialmente aqueles
com grandes superávits em suas
contas correntes,
passem a jogar o que alguns chamariam de "um papel justo" no
processo de ajuste do dólar. Mas
essa será uma discussão altamente política.
Folha - Quais seriam as conseqüências disso?
White - Pela perspectiva dos Estados Unidos -que, considerando seu grande déficit em conta
corrente, estão preparados para
ver algum ajuste do lado da taxa
de câmbio- você pode interpretar isso dizendo que os países
asiáticos deveriam intervir menos
e deixar suas moedas subirem.
Mas à medida que intervenham
menos, eles terão menos recursos
para reinvestir de volta nos EUA.
Para muitas pessoas, essa [a intervenção] é uma das razões pelas
quais as taxas dos títulos de longo
prazo não subiram o tanto quanto
poderiam. Em caso de os asiáticos
ajustarem muito, isso terá implicação não apenas para a cotação
do dólar, mas também para as taxas de juros norte-americanas.
O que concluímos é que é preciso um ajuste do ponto de vista do
comportamento dos asiáticos,
que têm acumulado muitas reservas. Mas, certamente, não uma
suspensão completa de suas atividades intervencionistas, porque
isso pode acabar sendo desconfortável de outra forma.
Folha - O ritmo de recuperação da
economia mundial é
sustentável?
White - Digamos
que vamos torcer
que seja sustentável.
Os números, virtualmente em todos os
grandes países industriais, têm sido
mais satisfatórios do
que esperávamos. Isso é um fato. Há uma
suposição de que isso continuará. Se
olhar para o consenso das estimativas,
notará que as pessoas estão se tornando mais otimistas.
Mas, em vez de falar em sustentabilidade, acho que o melhor é falar sobre alguns riscos potenciais das previsões. E eles sempre
existem. Do lado europeu, a
maior preocupação é que uma
forte apreciação do euro derrube
lucros, a confiança dos empresários e o investimento. Não é uma
previsão, mas, falando em estimativas, é uma possibilidade.
Nos EUA, é claro, um dos riscos
é uma depreciação do dólar que
ocorra de forma desordenada e
possa ter efeito nas taxas de juros
de longo prazo. Há também o
crescente nível de endividamento
do consumidor que pode levar
em um momento a uma contração do consumo.
As preocupações podem se materializar em uma eventual elevação de taxas de juros, porque elas
estão em níveis muito baixos. Alguns estimam que a taxa natural
de juros [taxa de equilíbrio de
longo prazo] nos EUA pode ser de
5%, enquanto a taxa atual é de 1%.
Portanto a política monetária
terá de elevar essas taxas em algum momento. A questão é qual
seria a reação daqueles que têm
alto nível de endividamento. Mas
pode ser que muitas pessoas, particularmente no mercado imobiliário, estejam "trancadas" em taxas de financiamento de longo
prazo e, com isso, não haveria
grande motivo para preocupação.
No Japão, nós vimos progresso
significativo na reestruturação
corporativa, particularmente com
as empresas grandes. Mas as pequenas ainda representam um
quebra-cabeça.
A reforma no
setor bancário
também tem tido
progressos, mas
de uma forma
que ainda não dá
para ter certeza se
já é suficiente para garantir uma
expansão contínua do crédito de
forma a sustentar
a recuperação.
Quando você
olha para todas
essas coisas, o
consenso, provavelmente, ainda está correto.
Mas há preocupações e, à medida que nos movemos no espírito
do otimismo, é preciso olhar por
cima do ombro para ter certeza de
que nada vai te atropelar.
Folha - O fato de a economia norte-americana estar se recuperando
sem gerar emprego é uma ameaça?
White - É certamente uma preocupação no sentido de que há
sempre as boas notícias e as más
notícias. O lado bom é que houve
um notável aumento da produtividade nos EUA. O inesperado
era a extensão em que isso se traduziu em uma repercussão nos
lucros. Chegou a um ponto que
nem foi muito bom, porque o que
levou à recessão num primeiro
momento foi um colapso nos lucros e nos investimentos.
Mas agora os lucros estão aí e a
esperança é que o aumento dos
lucros somado à desvalorização
do dólar levará a mais investimentos, a uma maior demanda
agregada e, eventualmente, a uma
maior oferta de trabalho. Essa seria a história convencional.
O outro lado da história é que a
alta da produtividade está levando a ganhos que estão indo para
lucros e não para aumentos de salários. E isso se manifesta de duas
formas: uma delas é a recuperação sem trabalho e a outra, o fato
de ter havido menos volatilidade
nos salários reais do
que o desejável.
Tanto a falta de
criação de empregos
como a escassez de
renda pode, talvez, levar a menos consumo, seja por falta de
confiança, seja por
falta de dinheiro.
A preocupação seria ocorrer uma certa
retração do consumo
por parte dos assalariados antes de se ver
os benefícios totais do
lado do investimento,
em consequência dos
lucros maiores.
Então, é uma espécie de corrida. Neste
momento, parece que
o investimento voltará antes de que o consumo se retraia.
Folha - Por que a autonomia do
BC brasileiro é tão importante?
White - Em países como o Brasil,
considerando a sua história, é importante que haja uma estrutura
institucional que permita às pessoas concluírem que não haverá
retrocesso para o tipo de ciclo "inflação, depreciação, inflação, depreciação". Por medidas adotadas
nos últimos anos, o país já conseguiu gerar bastante credibilidade.
O que achei impressionante foi
que, quando o real se depreciou
em 1999, as implicações para a inflação foram extraordinariamente baixas em comparação com níveis históricas. Em parte, isso parece ter acontecido porque as pessoas comuns sentiram que não
queriam voltar para o ciclo de inflação e depreciação do passado.
Mas também é bom que haja
uma estrutura institucional que
diga que você precisa fazer as coisas certas.
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