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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
O Copom e os juros
O preço de uma desaceleração na queda dos juros aparecerá nos próximos meses em mais redução nas previsões do PIB
NOS APROXIMAMOS de mais
uma reunião do Copom, e as
avaliações dos analistas sobre a nova taxa Selic tomam conta
da imprensa especializada. As decisões dos bancos centrais sobre a
condução da política monetária
constituem hoje o núcleo central da
gestão da grande maioria das economias modernas. As ações do poder
executivo perderam muito da sua
importância na definição do pulsar
dos mercados. Poucas nações hoje, e
a China é o melhor exemplo, ainda
têm nas decisões de seus governos
um foco importante de influência
sobre a economia.
A lógica desse comportamento é
muito simples: a dinâmica dos mercados depende quase integralmente
de decisões privadas e essas seguem
principalmente a ação dos bancos
centrais, a grande maioria deles com
independência em relação aos governos. O comportamento futuro
dos agentes econômicos, dependendo das decisões da autoridade monetária, expressa-se por meio de
uma miríade de contratos futuros
que amplificam as decisões sobre os
juros. E la nave va...
No Brasil de hoje, vivemos cada
vez mais uma dinâmica de normalidade monetária, o que explica a importância das reuniões do Copom e
as especulações e análises que tomam conta da imprensa sobre suas
decisões. O leitor da Folha já conhece minha opinião sobre a origem dessa dinâmica racional que
reencontramos, depois de décadas
de um isolamento intenso ocasionado por crises financeiras recorrentes: o incrível ajuste em nossas
contas externas e a nova realidade
de um Brasil com moeda forte sem
truques. Por várias vezes, escrevi
que temos hoje um metabolismo
econômico que nos aproxima muito das outras economias de mercado. Esse entendimento ainda não
permeou a grande maioria de nossos economistas, embora recentemente alguns nomes importantes
tenham vindo para o lado das minhas idéias.
Aproveito essa proximidade da
decisão do Banco Central sobre a
taxa Selic para aprofundar minha
análise. Os dados mais recentes sobre o comportamento da economia
brasileira permitem, agora de forma mais clara, visualizar esse novo
metabolismo. O IBGE acaba de publicar as estatísticas sobre as vendas no varejo em novembro de
2006. A equipe econômica da
Quest fez algumas adaptações nesses números e chegamos a algumas
observações interessantes. Em novembro de 2006, as vendas no varejo no Brasil cresceram mais de
10% quando comparadas com o
mesmo mês de 2005. Os números
são ainda maiores no caso de móveis e eletrodomésticos (15%), veículos e motos (12%) e eletrônicos
como celulares e computadores
(23%). Números suficientemente
elevados para que alguns analistas
clamem por um cuidado maior por
parte do Copom. Estaria havendo,
segundo eles, um superaquecimento da demanda e o risco da inflação voltar a subir.
A grande maioria desse grupo é
formada por profissionais que se
esqueceram de como pensar uma
economia de mercado, aprisionados que estão em modelos incapazes de capturar o novo metabolismo a partir do ajuste das contas externas. Se tivessem mais cuidado,
deveriam olhar também para as variações dos preços no varejo nesse
mesmo período. No total dos produtos vendidos, tivemos uma deflação de 0,4%, no segmento de
veículos, uma queda de preços de
2,0%, no de móveis e eletrodomésticos, uma redução de 3,9%, e no de
eletrônicos, uma queda de 11%. Ou
seja, a oferta desses produtos -incluídas as importações- está em
linha com a demanda e não permite o aparecimento do que chamamos de poder de preços dos produtores desses bens.
Esse equilíbrio entre oferta e
procura para os mercados mais
pressionados pelo aumento da demanda pode ser visto também nos
dados de nosso comércio exterior.
O aumento das importações está
desviando para o exterior parcela
crescente da demanda interna. No
terceiro trimestre de 2006, esse
vazamento subtraiu 1,2% do crescimento do PIB em termos anualizados; no quarto trimestre, será de
2% do PIB. Para 2007, podemos
esperar um número superior porque esse processo de aumento do
coeficiente de importação ainda
está se acelerando.
A percepção desse novo metabolismo da inflação está restrita a um
número pequeno de analistas e por
isso é que vemos a grande maioria
clamando por uma redução ou
mesmo interrupção do processo de
redução de juros no Brasil. O preço
dessa decisão, se tomada, vai aparecer nos próximos meses em mais
uma redução sistemática nas previsões do crescimento do PIB ao
longo de 2007.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e
economista, é economista-chefe da Quest Investimentos.
Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
(governo FHC).
lcmb2@terra.com.br
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