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ENTREVISTA DA 2ª
HA-JOON CHANG
Política de juros altos do Brasil já foi longe demais
Para professor de Cambridge e crítico da globalização, país sucumbe ao trauma
da inflação e se atrasa voluntariamente
ESTA É a hora de deixar de lado a cartilha neoliberal e adotar o pragmatismo, defende o economista Ha-Joon Chang, considerado o mais efetivo crítico da globalização.
Ele não está pregando um grande e radical rompimento ideológico: quer só que o Brasil copie as medidas
que no passado foram tomadas pelas nações desenvolvidas para crescer e hoje são rejeitadas por esses mesmos países, como a proteção da indústria nacional.
DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL
O sistema de comércio internacional também precisa ser
reformado, na visão de Ha-Joon Chang, a fim de aplicar
um tipo de protecionismo assimétrico. Permitindo que, de
acordo com o seu grau de desenvolvimento individual, cada
país mais pobre coloque determinadas barreiras tarifárias, o
que daria a todos condições justas de competição.
Leia abaixo trechos da entrevista que o estudioso sul-coreano concedeu à Folha durante
viagem ao Brasil para participar do Laporde (Programa Latino-Americano Avançado de
Reavaliação de Macroeconomia e Desenvolvimento), sediado pela Escola de Economia
de São Paulo, da FGV (Fundação Getulio Vargas).
FOLHA - A Coreia do Sul sempre é
apontada como modelo entre as nações ditas "em desenvolvimento".
Como o país conseguiu sobressair?
HA-JOON CHANG - O Brasil lidera
a América Latina, e seu progresso recente não deve ser
desprezado. Porém a Coreia
realmente cresceu mais rápido
com uma estratégia basicamente de proteger a indústria
local.
FOLHA - Isso é considerado um pecado capital pelo pensamento econômico dominante...
CHANG - Do mesmo jeito que as
crianças são mandadas à escola
antes de procurar um emprego,
é preciso que sejam dadas condições para que a indústria acumule capacidade tecnológica e
seja capaz de competir com as
empresas dos países ricos. O
Brasil teve que subsidiar a Embraer no princípio -se ela tivesse sido abandonada na competição com a Bombardier e a
Fokker, não teria sobrevivido.
O problema é que em alguns
países se dá a proteção e nunca
se retira, o que deixa as empresas preguiçosas.
FOLHA - Embora o Brasil tenha progredido bastante nas últimas décadas, acredita-se que poderia ir mais
longe do que efetivamente tem
conseguido. O que o detém?
CHANG - Existem países na
África e em algumas partes da
Ásia que realmente não sabem
o que fazer, mas o Brasil não é
uma nação pequena e pobre
que não tem recursos. O Brasil
construiu uma base industrial
gigante, tem empresas de porte
global em setores como o aeroespacial, o de álcool, o de petróleo, o de engenharia civil. O
maior problema do país tem sido do lado da demanda, uma dificuldade criada pela política
monetária excessivamente
conservadora, com elevada taxa de juros e enorme superávit
primário. Entendo o porquê de
ela ter sido adotada no começo.
Havia a hiperinflação, e o espaço para decisões econômicas
racionais era pouco. Mas o país
está fazendo isso tudo há tempo demais. O fato de uma política ter sido correta em 1996 não
significa que ainda é em 2009.
FOLHA - A inflação é um trauma
para a população, os empresários e
os políticos.
CHANG - Quem sofreu com a hiperinflação depois se torna excessivamente cauteloso, é compreensível. A Alemanha e Taiwan tiveram tal experiência.
Mas o Brasil levou essa política
longe demais. Se a taxa de juros
de um país é alta demais, ninguém quer empreender, pois
ter um negócio significa lidar
com questões trabalhistas, de
distribuição... É mais fácil comprar um título público. Então,
as empresas se tornam conservadoras, não tomam nenhum
empréstimo para investir, para
incrementar sua atividade. As
companhias brasileiras são as
menos alavancadas do mundo
-não que o endividamento seja
necessariamente bom, mas ser
a última em tomada de crédito
mostra que tem algo errado. Na
realidade, o Brasil não criou
empresas novas nos últimos 10
ou 20 anos, enquanto os demais países seguem avançando
rápido.
Dez anos atrás, a China não
era nada. Era grande, mas nem
chegava perto do Brasil. Agora,
compete com o país em muitos
mercados. [Exaltado] Eu fico
realmente com raiva, porque o
Brasil está desperdiçando o
grande potencial que possui. É
de cortar o coração que esteja
voluntariamente se atrasando.
Do jeito que é feito, o controle
da inflação mata o crescimento.
FOLHA - O senhor acha que os bancos centrais devem ser independentes para decidir essas políticas?
CHANG - Não. Trata-se de uma
instituição tão importante,
precisa prestar contas. Dada a
sua natureza, o banco central
tende a favorecer o crescimento do sistema financeiro. Os
seus executivos não estão deliberadamente aniquilando os
outros setores, mas são naturalmente influenciados por outros banqueiros, com os quais
se encontram regularmente.
Sou contra a independência;
porém, se ela é concedida, é
preciso dar também os objetivos corretos. Na prática, tem sido um pouco diferente nos últimos anos, mas o mandato do
Fed [Federal Reserve, o banco
central dos EUA] diz explicitamente que a instituição deve
cuidar da estabilidade de preços no contexto de crescimento
e geração de empregos. O Brasil
está pagando um preço muito
alto pelo trauma da inflação -é
como um cidadão que vivia feliz
e, depois de ser assaltado na
rua, tranca-se em casa e não
quer sair mais. Agora é a hora
de seguir em frente, especialmente se os outros países estão
baixando os juros. Pode-se reduzir o superávit primário para
zero. Neste momento de crise,
é difícil para as nações ricas
apontar o dedo para o Brasil e
falar "Oh, essas medidas estão
erradas, você é mau", porque o
Brasil se encontra em posição
muito melhor que a delas. Esta
é a grande chance. Se o país perder a atual oportunidade, quando vai diminuir os juros? Daqui
a três ou quatro anos, quando
os outros países voltarem a subir suas taxas, será tarde.
Não sou antibanqueiro, é
bom deixar claro. Concordo
que banqueiros precisem ser
mais conservadores que industriais. Para uma sociedade saudável, no entanto, é essencial
equilibrar os interesses dos diferentes grupos.
FOLHA - Sobre comércio internacional, o sr. acha possível um entendimento? As negociações da Rodada
Doha se mostraram infrutíferas.
CHANG - O atual sistema representado pela OMC (Organização Mundial do Comércio) é totalmente contra os países em
desenvolvimento. Deixe-me
usar uma figura que sempre
emprego para explicar essa
ideia: em muitos esportes, existe a separação de classes por
peso. No boxe, por exemplo, a
divisão nas categorias mais leves é de um quilo -ou seja, avalia-se que é injusto colocar para
lutar duas pessoas cuja diferença de peso seja maior que essa.
No comércio internacional, entretanto, acha-se que Honduras deve competir no mesmo
nível que os EUA.
Forçar os países em desenvolvimento a empregar políticas que não lhes são apropriadas é matar a galinha dos ovos
de ouro. Deixando-os crescer
no seu ritmo, vão se tornar no
longo prazo grandes mercados
consumidores para os produtos
dos países ricos. A propriedade
intelectual, que é pesadamente
protegida pela OMC, deveria
ser flexibilizada. Quando precisavam de tecnologia, todos os
países ricos se permitiam importar o conhecimento alheio.
As cartilhas sempre enumeram
regras: livre comércio, desregulação, privatização. Observando os casos de sucesso, entretanto, nota-se que sempre fizeram diferente do que agora defendem como correto. Ora, os
países que julgam que não há
diferenças de condições de
competição deveriam mandar
suas crianças para a guerra. É
sério. Precisamos mudar radicalmente a nossa forma de encarar o assunto.
FOLHA - Qual é a sua proposta?
CHANG - Um tipo de protecionismo assimétrico. Os países
menos desenvolvidos têm mais
proteções e, à medida que avançam, as barreiras diminuem até
que possam participar do livre
comércio em pé de igualdade
com os demais. Um comitê técnico definiria as faixas.
Colocar no mesmo jogo países que não têm forças equivalentes não é o único problema,
porém. Os países ricos ainda asseguram proteção para as áreas
em que são fracos, como a agricultura. Eles são rígidos em exigir que os países em desenvolvimento eliminem completa e
indubitavelmente todas as barreiras aos seus produtos industrializados e em troca dizem
que talvez, quem sabe, possam
pensar em diminuir os subsídios dados aos seus fazendeiros. O Brasil teria que cortar tarifas a um ponto que não se vê
desde a época do colonialismo.
Não é surpresa, portanto, que
as recentes negociações não tenham chegado a lugar nenhum.
FOLHA - A crise levará a um fechamento de fronteiras comerciais?
CHANG - Acho que é um exagero. Eu critico a OMC, mas não
estamos na década de 1930,
quando não havia um sistema.
Hoje, os países fazem de tudo
para trapacear, mas pelo menos as regras estão colocadas.
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