São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 2006

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INVESTIGAÇÃO

Suspeita é de envolvimento com doleiros para beneficiar clientes; instituições financeiras negam irregularidades

PF abre inquérito para indiciar 18 bancos

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

A Polícia Federal decidiu abrir nos próximos dias inquérito em que vai indiciar os administradores de 18 bancos que operam no país. A suspeita é que essas instituições tenham se envolvido com uma rede internacional de doleiros para beneficiar clientes.
As movimentações suspeitas e sob investigação podem chegar a US$ 8 bilhões em um período de sete anos, entre 1997 e 2003.
A lista de indiciados incluirá os administradores de alguns dos maiores bancos nacionais, como Bradesco/BCN, Itaú, Unibanco e o estatal Banco do Brasil, além de estrangeiros como Santander, HSBC, Citibank e BankBoston.
Todos os bancos negam ter cometido irregularidades e afirmam que já repassaram ao Banco Central informações sobre as operações (leia na pág. B3).
A suspeita, baseada em investigações e provas documentais produzidas pela PF e pelo Banco Central e apurações ainda em curso na Receita Federal, é a de que os bancos tenham usado 78 contas de doleiros (muitos já presos) para movimentar dinheiro de seus clientes fora do Brasil.
A PF não chegou a uma conclusão sobre se a utilização dos doleiros era feita com o conhecimento dos altos escalões dos bancos. Muitas das operações, segundo a PF, partiram das áreas de "private banking", geralmente destinadas a cuidar bem de clientes importantes e endinheirados.
Para a PF, com o indiciamento de seus administradores, os bancos serão obrigados a apontar as pessoas responsáveis pelas áreas em que as operações suspeitas ocorreram e, eventualmente, chegar aos nomes de quem as autorizava a utilizar a rede de doleiros.

Movimentações
Um cliente que desejasse mandar dinheiro de sua conta para fora do Brasil, por exemplo, repassava o valor desejado a um doleiro no Brasil. Depois, o mesmo doleiro ou um sócio seu no exterior depositava para o cliente a mesma quantia em uma conta do banco fora do país. Outras operações faziam o caminho inverso.
Nesse tipo de operação, conhecida no mercado como "dólar cabo", não há movimentação física de dinheiro para fora ou para dentro do país.
O objetivo do indiciamento, segundo a PF, é tentar chegar aos responsáveis pela suposta utilização das contas dos doleiros que teriam beneficiado os clientes.
O indiciamento é resultado de investigação que se arrasta há vários anos e que culminou com a descoberta, em 2003, dos detalhes das movimentações da conta Beacon Hill nos EUA, operada por dezenas de doleiros.
Com base nas informações da conta Beacon Hill e de suas várias subcontas (Chello, Lonton, Midler, Rolling Hills, Sinkel, entre outras), a PF chegou aos bancos responsáveis por essas movimentações e produziu algumas listas com os nomes das pessoas físicas e empresas donas do dinheiro.
No final de agosto passado, a Folha noticiou a existência de algumas dessas listas, que incluem, entre outros, personalidades do mundo político, empresarial, esportivo e artístico, além de centenas de empresas de vários setores.
Os dados e nomes dessas pessoas listadas foram posteriormente cotejados com as informações que elas declararam à Receita Federal e com os registros no Banco Central. Em muitos casos, segundo a PF, essas movimentações financeiras não tiveram nenhum registro no BC ou na Receita -órgão em que as investigações ainda estão em curso.

Relatórios do BC
No final de 2004, o Banco Central produziu relatório com centenas de páginas onde foram escrutinadas várias das subcontas da Beacon Hill e a participação dos bancos no Brasil nas movimentações. Nos documentos, aparecem dados como as datas, os valores e cópias dos extratos das movimentações.
Nesse primeiro relatório, o Banco Central é incisivo e, ao analisar a conduta de alguns bancos, usa explicitamente termos como "lavagem de dinheiro", "origem em conta de doleiro" e "operação de câmbio artificialmente realizada apenas com o propósito de cumprir os requisitos das normas do Decex (Departamento de Operações de Comércio Exterior)".
Em uma segunda etapa, o BC pediu explicações aos 18 bancos e produziu um novo relatório, desta vez de 11 páginas. Nele, afirma para a maioria dos casos que os esclarecimentos prestados pelos bancos "não foram conclusivos" e que, com as informações disponíveis, "não foi possível aprofundar os questionamentos".
Diante das conclusões do BC, a Polícia Federal decidiu partir para o indiciamento a fim de obrigar os bancos a prestar novos esclarecimentos e a apontar os responsáveis diretos e indiretos pelas movimentações suspeitas.
As investigações e os questionamentos do BC ficaram concentrados em 749 movimentações realizadas pelos 18 bancos. As operações foram selecionadas por amostragem, segundo critérios de data de ocorrência (as mais recentes) e relevância em quantidade e valor (os mais elevados).

Novas contas
Segundo a Polícia Federal, o volume de operações irregulares e o número de bancos podem ser muito maiores. Entre 1997 e 2003, há 269.869 registros de movimentações financeiras que passaram por 78 contas de doleiros que operavam com o dinheiro de pessoas físicas e empresas brasileiras por meio da conta Beacon Hill e suas subcontas.
A PF pretende fazer o mesmo tipo de investigação, com a ajuda do BC e da Receita, em várias contas similares à Beacon Hill, sobre as quais já começou a obter informações.
Além de Bradesco/BCN, Itaú, Unibanco, Banco do Brasil, Santander, HSBC, Citibank e BankBoston, estão sendo indiciados pela Polícia Federal os bancos ABN-Amro, Pactual, Lloyds, Merrill Lynch, Rural, Schahin, Pine, Banrisul, Bic e Sofisa.


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