São Paulo, domingo, 19 de março de 2006

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VAREJO

Apesar de alta no consumo, deflação derruba resultados das redes no país, que engordaram estrutura nos anos 1990

Supermercados demitem e fecham pontos

ADRIANA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Está em curso um delicado processo de reestruturação do negócio de supermercados no país. É o primeiro grande movimento simultâneo nesse sentido, após a fase de gastança milionária das empresas em aquisições nos anos 90 -e visível até mesmo aos consumidores.
As maiores lojas do país cortam pessoal, fecham lojas do dia para a noite, decidem reorganizar seus centros de despesas e até mesmo a rever o atual modelo dos pontos-de-venda -da cor da parede da loja à distribuição das gôndolas.
Tantas mudanças ocorrem apesar do aumento no volume vendido de mercadorias nas lojas no país. Segundo a consultoria ACNielsen informou na última semana, a venda de alimentos, itens de higiene e beleza e de limpeza cresceu 4,8% em 2005. Em janeiro, aumentou 5,7%.
O Pão de Açúcar, por exemplo, emitiu 523 milhões de tíquetes de venda em 2005 -5,2 milhões a mais do que em 2004.
O problema não passa, portanto, pelo volume. A questão é que volume maior comercializado não é sinal de que o negócio vá bem. Por mais que se venda, o brasileiro está gastando menos a cada compra. A deflação ajuda nisso. A busca dos consumidores por itens mais baratos também.
Portanto, a empresa embolsa valores menores pela quantidade comercializada. Basta colocar na ponta do lápis: o brasileiro gastou 9% mais dinheiro em compras nessas lojas em 2005. Tirando daí a inflação, o ganho real ficaria entre 4% e 5%.
Mas uma olhada nos números mostra que as redes no Brasil nem isso têm crescido.
O Carrefour, que fatura R$ 12 bilhões ao ano, cresceu, sem considerar a inflação, 2,1% em 2005, segundo balanço mundial. Portanto, a venda real fica negativa. No Pão de Açúcar, há 11 meses, desde abril de 2005, a venda da rede deflacionada pelo IPCA registra redução. A margem Ebitda, no entanto, um indicador de saúde das operações da empresa, cresceu no ano passado, após três anos de estabilidade.
"Crise não há. O que existe é uma necessidade urgente de fazer ajustes em cima de uma estrutura que engordou no passado", afirma Nelson Barrizelli, professor de administração de empresas da FEA-USP e especialista em varejo.
"O que eles querem é jogar mais oxigênio no negócio, cortar custos e repassar isso para o cliente. Mas, aí, não da boca para fora. Eles precisam fazer isso porque o Wal-Mart entrou no jogo e quer o mercado deles", diz Alexandre Garcia, analista da área da corretora Ágora Senior.
Nesse cenário, não teve jeito: o Pão de Açúcar começou a demitir pessoal e deve continuar a fazê-lo nas próximas semanas. Ao contrário da última "enxugada", em 2001, quando o corte atingiu 550 funcionários, esse deve ser menor e acontecerá aos poucos, segundo apurou a Folha.
Não há números fechados. Em um ano, de 2004 ao final de 2005, a empresa fechou 17 lojas, mas abriu 22. Implantou ainda uma política de "Orçamento Base Zero", com forte controle nas despesas, e fez algo um tanto quanto básico para os analistas de cobrem a área. Decidiu centralizar a compra de produtos e serviços -por exemplo, material de escritório.
"Difícil imaginar como uma empresa como essa não tinha feito algo assim antes", diz Garcia. "Poderíamos ter feito antes algumas coisas, até poderíamos. Não fizemos e estamos fazendo agora", afirma Hugo Betlhem, um dos executivos mais antigos do Pão de Açúcar e diretor da rede Sendas/CompreBem.
Na concorrência, há um plano de reestruturação no Carrefour oficialmente informado pela matriz em 2003, "visando reduzir a dívida e elevar o pagamento de dividendos aos acionistas da rede [no exterior]".
Dentro do planejamento, a empresa anunciou, no balanço anual de 2005, que fechará parte das suas lojas Champion -em um ano, de 2004 a 2005, o total passou de 97 para 35 pontos- e transformará as lojas que restarem na bandeira "Carrefour Bairro".
O consumidor percebe tudo isso. No final do ano passado, clientes de Bebedouro (SP), São José do Rio Preto (SP) e Votuporanga (SP) foram ao Champion das cidades. Encontraram um cartaz na porta informando o fechamento.
A modernização dos pontos prevê mudanças na ocupação de espaços pelas gôndolas, introdução de produtos e de nova comunicação visual interna, além da ampliação do setor de serviços e de conveniências.
Só com esses fechamentos, que implicam custos, a empresa gastou 196 milhões, segundo a matriz. Foi o maior gasto em reformulação de loja do ano passado -no Leste Europeu, o segundo maior, atingiu 63 milhões.
Maior empresa de varejo do mundo, o Wal-Mart não fornece dados a respeito de sua saúde financeiro. Diz apenas "que cresce acima da inflação", segundo Wilson Mello Neto, vice-presidente de Assuntos Corporativos da rede Wal-Mart Brasil.


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