São Paulo, quarta-feira, 19 de março de 2008

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EUA ficam com juros reais negativos

Fed baixa taxa básica em 0,75 ponto percentual, para 2,25%, com inflação em 2,3%, reanimando as Bolsas pelo mundo

Bush acena com "novas ações, se necessário'; para Nouriel Roubini, redução nos juros indica que país já está em recessão

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Em mais uma tentativa de golpear a recessão que ronda a economia norte-americana e reanimar os mercados, o Federal Reserve (o banco central dos EUA) baixou a taxa básica de juros dos EUA em 0,75 ponto percentual, para 2,25%. É o sexto corte desde setembro passado, quando a crise imobiliária começou a contaminar outros setores.
A medida reanimou os mercados após as fortes perdas da véspera. A Bolsa de Nova York subiu 3,5%, e a Bovespa, 3,2%.
Agora, a taxa se iguala à de dezembro de 2004. "A ação deve ajudar a promover um crescimento moderado por algum tempo e amenizar os riscos da atividade econômica", afirma o Fed, em comunicado. "Os riscos para o crescimento, no entanto, continuam." Na mesma reunião, a autoridade monetária americana baixou a taxa de redesconto em 0,75 ponto percentual, para 2,50%.
Com a ação de ontem, a economia americana passou a ter juros reais negativos. Ou seja, descontada a média da inflação dos últimos 12 meses, o total é menor que zero -a taxa de inflação norte-americana atual é de 3,1%, e o núcleo da inflação, de 2,3%, ante os 2,25% da nova taxa de juros.
"É isso o que acontece quando você tem uma recessão, e a última vez que isso ocorreu foi logo após o 11 de Setembro de 2001", disse à Folha o economista Nouriel Roubini, conhecido por sua visão pessimista. Esse último período citado por ele acabaria no final de 2004.
Como o cálculo do índice de preços ao consumidor americano (CPI, na sigla em inglês) mudou nos últimos anos, não é possível apontar com certeza todas as outras vezes em que isso aconteceu, mas é consenso que ocorreu no auge da crise do petróleo nos anos 1970 e na Grande Depressão dos anos 1920 e 1930. Para Roubini, o país está num ciclo recessivo que deve durar 18 meses, ao final do qual Ben Bernanke, presidente do Fed, terá baixado os juros para perto de zero.
Com ele concordam diversas projeções de cortes futuros feitas tão logo o novo índice foi divulgado. O Goldman Sachs acredita em juros de 2% ao final do ano, número idêntico ao previsto pelo Citibank para o meio do ano e que baixa para 1,75% para o JPMorgan.
A medida foi tomada para baratear o dinheiro disponível no mercado e tentar conter a diminuição da oferta de crédito ao consumidor final pelas instituições financeiras, estimulando a economia. Com isso, traz embutida o risco de um aumento da inflação, daí a decisão não ter sido unânime.
Dos dez votantes, o presidente do Fed de Dallas, Richard Fisher, e o da Filadélfia, Charles Plosser, "preferiam uma ação menos agressiva", segundo a ata do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês).
A preocupação com a inflação foi registrada pela ata, mas não é a principal. "A inflação subiu, e alguns indicadores de projeção de inflação também." Mas o comitê diz esperar "inflação moderada nos próximos trimestres". Ainda assim, afirma que "aumentou a incerteza sobre as perspectivas de inflação" e que será preciso "continuar monitorando atentamente a evolução dos preços".
A reunião de ontem mais as ações dos últimos dias levaram analistas a se perguntar se as duas armas básicas do Fed, mexer nas taxas e injetar dinheiro na economia, não são limitadas demais para lidar com a complexidade da economia globalizada atual. "Não espere outros arroubos heterodoxos como o empréstimo de US$ 30 bilhões feito a uma só instituição", disse Roubini, citando a compra do Bearn Stearns pelo JPMorgan com apoio do Fed.
"Qualquer coisa que fizerem", disse à Folha Mark Weisbrot, do progressista Centro para Pesquisa Econômica e de Políticas, de Washington, "ficará a impressão de que, para essa administração, os banqueiros são mais importantes do que o cidadão comum."


Bush
Respondendo a essa preocupação do mercado, o presidente George W. Bush voltou a acenar, em discurso em Jacksonville, na Flórida, com novas medidas. "Se houver necessidade para novas ações, nós a tomaremos", disse. Fará isso, afirmou, "de uma maneira que não danifique a saúde de longo prazo de nossa economia".
Bush não foi claro ao que se referia, mas políticos em Washington acreditam que era uma resposta velada às propostas de pacotes feitas nas últimas horas por lideranças da oposição democrata e pelos dois pré-candidatos do partido à sucessão na Casa Branca, Hillary Clinton e Barack Obama. Um dos pontos comuns é o perdão da dívida de mutuários inadimplentes que se encaixem em certas condições, o que é visto com maus olhos pela equipe econômica da Casa Branca.


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