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Larry Summers vê recessão mais profunda
Para ex-secretário do Tesouro no governo Clinton, recessão agora será mais intensa que as últimas sofridas pelos EUA
Para o economista de Harvard, o Federal Reserve não tinha alternativa a não ser ajudar na venda do Bear Stearns ao JPMorgan
FERNANDO RODRIGUES
EM CAMBRIDGE (EUA)
A mão invisível do mercado
às vezes não resolve tudo. As
autoridades então devem agir e
evitar o pânico generalizado.
Por essa razão, o Federal Reserve (banco central dos EUA)
teria acertado ao abençoar um
acordo de venda do Bear
Stearns. Sem essa intervenção,
"todo o sistema financeiro teria
implodido com conseqüências
catastróficas", diz o ex-secretário do Tesouro norte-americano Lawrence Summers.
Um dos mais duros economistas da safra liberal que prosperou na década de 1990, Summers tem surpreendido a muitos na atual crise. Defende
abertamente o uso de dinheiro
público para que o seu país
combata os efeitos da recessão
iminente. Esteve em Washington para pressionar o governo
Bush a baixar um pacote de estímulo -a ajuda de US$ 170 bilhões para consumidores em situação de insolvência por causa
da crise do mercado imobiliário. Agora, Summers avalia ser
correta a operação para não
deixar o Bear Stearns afundar.
Por que a ajuda financeira
oficial é aceitável agora, e não
quando países subdesenvolvidos como Brasil, Argentina e
México se esfalfavam com suas
dívidas externas nos anos 1980
e 1990? Para Summers, que no
momento voltou a dar aulas de
economia em Harvard, há
grande diferença entre a crise
dos EUA hoje e as dos países latino-americanos no passado.
Primeiro, nos EUA, "trata-se
de um problema interno". Os
estrangeiros não perderam a
confiança nos ativos dos EUA.
Corporações norte-americanas
ainda conseguem levantar dinheiro no exterior. O governo
continua em totais condições
de emitir títulos. "A solvência
dos EUA não está sendo colocada em questão", diz. "O que
existe é um problema de excessos internos. Muito diferente
das crises que o Brasil historicamente enfrentou -com perda de confiança no exterior para a sua moeda e na sua capacidade de honrar dívidas."
A seguir, trechos da entrevista concedida por Summers na
segunda-feira, em seu escritório em Harvard.
FOLHA - É possível prever algum
desfecho para a atual crise?
LAWRENCE SUMMERS - É muito difícil. Qualquer crise financeira
previsível já teria acontecido,
uma vez que ninguém colocaria
dinheiro em uma instituição
que pudesse ficar insolvente.
FOLHA - Mas há alguma diferença
identificável entre a crise atual e as
outras que os EUA enfrentaram nas
décadas passadas?
SUMMERS - Tolstói dizia que cada família feliz é igual e que cada família infeliz é também semelhante de alguma forma. Toda crise financeira é diferente,
mas há elementos comuns a todas: alavancagem [empréstimos concedidos sem a devida
cobertura], medo e falência.
Em algum momento, quando
os preços das ações despencam,
em vez de mais gente se apresentar para comprar (o que ajudaria a estabilizar a crise), mais
pessoas querem vender (o que
tende a desestabilizar). Essa é a
dinâmica crucial que se instala.
Algumas vezes tem a ver com os
seguros das carteiras de ações,
como em 1987. Algumas vezes
ocorre contágio, como nas crises dos mercados emergentes.
E, agora, tem a ver com falta de
capital e falências por causa da
liquidação de ações. Mas alavancagem e medo são elementos comuns a todas as crises.
FOLHA - O Federal Reserve tem agido de maneira correta na atual crise?
SUMMERS - Tem sido uma política de reação. Eu tinha preocupação de que se procurasse
uma direção construtiva, mas
parece que neste caso a velocidade e intensidade da crise tendem a superar a velocidade e a
intensidade da política adotada
para conter os efeitos da crise.
Portanto, a despeito de todas as
medidas já tomadas, nós poderemos ter ainda mais incerteza
hoje do que em todos os momentos desde o início da crise.
FOLHA - O nível da recessão nos
EUA será maior do que tem sido em
casos recentes ou o sr. acha também
impossível de prever?
SUMMERS - A pergunta sempre
é qual será a gravidade da recessão. Nossas outras recessões,
como a de 2000, foram relativamente suaves. A recessão em
1990 foi um pouco mais séria,
mas ainda leve sob o aspecto
histórico. Eu não ficarei surpreso se esta recessão for mais
profunda do que as duas últimas, dada a magnitude dos excessos financeiros -mas eu
não estou fazendo uma previsão propriamente.
FOLHA - Há gente no mercado dizendo que não foi correta a atitude
do Federal Reserve ao interceder na
montagem da operação de venda
do Bear Stearns. O sr. concorda?
SUMMERS - Não creio que houvesse uma alternativa viável.
Não creio que fosse viável fechar o banco. Também não
creio que seria viável manter o
Bear Stearns funcionando como estava.
FOLHA - Por que não teria sido uma
boa saída deixar o banco ir à falência?
SUMMERS - Todo o sistema financeiro teria implodido com
conseqüências catastróficas.
Essa não teria sido uma estratégia viável.
FOLHA - Por que o sistema todo teria implodido?
SUMMERS - Porque havia fluxos
financeiros enormes devidos
para o Bear Stearns e a serem
cobrados pelo Bear Stearns.
Mesmo que os valores desses
fluxos fossem relativamente
pequenos [se comparados a todo o sistema financeiro do
país], uma vez que você entra
em processo de falência, resolver o problema ficaria quase
que impossível. Teríamos a
possibilidade de um sentimento de pânico se espalhar para as
outras instituições.
FOLHA - Mas o mercado hoje [segunda-feira] reagiu em pânico...
SUMMERS - Sim, mas, se o Federal Reserve não tivesse agido,
teria sido pior. Em minha opinião.
FOLHA - Uma leitura possível também é que agora uma porta foi aberta e não será mais fechada. Se outras instituições estiverem em situação ruim, o Fed terá de agir e ajudar...
SUMMERS - Eu acho que durante toda esta crise o Fed tem
atuado com uma responsabilidade imposta. Não há alternativa.
FOLHA - Em que sentido esse tipo
de situação nos EUA tem semelhança com as crises financeiras dos países subdesenvolvidos nos anos
1980 e 1990? Esses países nunca puderam se habilitar para pacotes de
ajuda, sob a ótica de que seria uma
aberração no sistema capitalista.
SUMMERS - Há duas diferenças.
A mais importante é que a situação dos EUA é semelhante à
do Japão no início da década de
1990. Trata-se de um problema
interno. Não se trata de os estrangeiros estarem perdendo a
confiança nos ativos dos EUA.
Não é o caso em que as corporações dos EUA estejam incapacitadas de vender suas ações.
Não é o caso em que o governo
dos EUA esteja impossibilitado
de vender seus títulos ainda por
um preço alto e com baixo custo para o país. O que existe é um
problema de excessos internos.
Muito diferente das crises, por
exemplo, que o Brasil historicamente enfrentou -com perda
de confiança no exterior para a
sua moeda e na sua capacidade
de honrar dívidas.
A solvência dos EUA não está
sendo colocada em questão no
curso desta crise. Embora o dólar esteja em queda, essa é uma
resposta ao que está acontecendo, e não a causa. É como a
crise do Japão no início dos
anos 90, que foi muito diferente das crises depois na Coréia
do Sul ou no Brasil.
FOLHA - E a segunda diferença?
SUMMERS - Então, a primeira é
que nos EUA o problema é interno, e não externo. A segunda
é que a dívida é em moeda local,
e não em moeda estrangeira.
FOLHA - Em termos estritamente
capitalistas, não teria sido exemplar
ao longo da crise que alguns dos
atores envolvidos tivessem sido
apenas abandonados à sorte do
mercado?
SUMMERS - Em algumas circunstâncias, sim. Mas o Bear
Stearns estava muito integrado
ao sistema para esse ter sido
um curso viável. O que importa,
em certo sentido, é que o valor
das ações do Bear Stearns foi
aniquilado. Os acionistas do
Bear Stearns ficaram aniquilados.
Em algumas circunstâncias,
é bom deixar instituições irem
à falência e não fazer nada. Mas
eu não acho que seria apropriado quando você está lidando
com uma instituição tão grande
e integrada como o Bear
Stearns.
FOLHA - Mas e no caso da crise do
mercado imobiliário, com o governo
distribuindo dinheiro para a população que contraiu dívida e não conseguiu pagar?
SUMMERS - Nesse caso, houve a
falência de um número considerável de firmas especializadas em empréstimos imobiliários. Acho que foi apropriado.
Já os proprietários de imóveis
estão recebendo dinheiro como
forma de estímulo fiscal para
minimizar o efeito da recessão.
É uma forma de encorajar o
consumo doméstico e uma maneira de responder à recessão.
FOLHA - O sr. tem dito em suas aulas em Harvard que a diferença entre ricos e pobres nunca foi tão grande na história da humanidade. Com
a globalização em curso, essa tendência vai se acentuar, será revertida ou não é possível prever?
SUMMERS - Para combater a desigualdade, será necessário
promover mais impostos progressivos [quem é mais rico paga mais], colaborar de forma
mais exitosa no campo internacional para estabilizar os impostos sobre capital, promovendo direitos trabalhistas, reduzir lucros excessivos em
mercados competitivos -isso
tudo aqui em casa, nos Estados
Unidos.
FOLHA - O sr. acha que algum dos
candidatos presidenciais estará disposto a ir por esse caminho?
SUMMERS - Eu acho que os candidatos democratas têm sido
muito claros no sentido de demonstrarem desejo de ver um
sistema de impostos funcionando melhor e mais impostos
progressivos.
FOLHA - Qual é sua avaliação do
governo de George W. Bush?
SUMMERS - Não sei se a história
vai avaliá-lo com simpatia. Os
EUA desperdiçaram uma capacidade substancial de liderança
moral quando o presidente rejeitou multilateralismo em esferas variando do ambiente à
Guerra do Iraque. E, agora, sua
liderança na área econômica
está em questão, dependendo
de como conseguirá gerenciar a
atual crise.
FOLHA - Então, pela sua análise, está mais fácil para a vitória de um democrata?
SUMMERS - Os mercados estão
mostrando que isso é provável.
Eu espero que um democrata
seja eleito. Nós temos dois pré-candidatos fortes.
FOLHA - Como o sr. votou nas primárias?
SUMMERS - Prefiro não dizer.
FERNANDO RODRIGUES é bolsista no ano acadêmico 2007/2008 do programa da Fundação
Nieman (www.nieman.harvard.edu) para jornalistas da Universidade Harvard, em Cambridge, Massachusetts (EUA).
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