São Paulo, quarta-feira, 19 de março de 2008

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Larry Summers vê recessão mais profunda

Para ex-secretário do Tesouro no governo Clinton, recessão agora será mais intensa que as últimas sofridas pelos EUA

Para o economista de Harvard, o Federal Reserve não tinha alternativa a não ser ajudar na venda do Bear Stearns ao JPMorgan

FERNANDO RODRIGUES
EM CAMBRIDGE (EUA)

A mão invisível do mercado às vezes não resolve tudo. As autoridades então devem agir e evitar o pânico generalizado.
Por essa razão, o Federal Reserve (banco central dos EUA) teria acertado ao abençoar um acordo de venda do Bear Stearns. Sem essa intervenção, "todo o sistema financeiro teria implodido com conseqüências catastróficas", diz o ex-secretário do Tesouro norte-americano Lawrence Summers.
Um dos mais duros economistas da safra liberal que prosperou na década de 1990, Summers tem surpreendido a muitos na atual crise. Defende abertamente o uso de dinheiro público para que o seu país combata os efeitos da recessão iminente. Esteve em Washington para pressionar o governo Bush a baixar um pacote de estímulo -a ajuda de US$ 170 bilhões para consumidores em situação de insolvência por causa da crise do mercado imobiliário. Agora, Summers avalia ser correta a operação para não deixar o Bear Stearns afundar.
Por que a ajuda financeira oficial é aceitável agora, e não quando países subdesenvolvidos como Brasil, Argentina e México se esfalfavam com suas dívidas externas nos anos 1980 e 1990? Para Summers, que no momento voltou a dar aulas de economia em Harvard, há grande diferença entre a crise dos EUA hoje e as dos países latino-americanos no passado.
Primeiro, nos EUA, "trata-se de um problema interno". Os estrangeiros não perderam a confiança nos ativos dos EUA. Corporações norte-americanas ainda conseguem levantar dinheiro no exterior. O governo continua em totais condições de emitir títulos. "A solvência dos EUA não está sendo colocada em questão", diz. "O que existe é um problema de excessos internos. Muito diferente das crises que o Brasil historicamente enfrentou -com perda de confiança no exterior para a sua moeda e na sua capacidade de honrar dívidas."
A seguir, trechos da entrevista concedida por Summers na segunda-feira, em seu escritório em Harvard.

 

FOLHA - É possível prever algum desfecho para a atual crise?
LAWRENCE SUMMERS -
É muito difícil. Qualquer crise financeira previsível já teria acontecido, uma vez que ninguém colocaria dinheiro em uma instituição que pudesse ficar insolvente.

FOLHA - Mas há alguma diferença identificável entre a crise atual e as outras que os EUA enfrentaram nas décadas passadas?
SUMMERS -
Tolstói dizia que cada família feliz é igual e que cada família infeliz é também semelhante de alguma forma. Toda crise financeira é diferente, mas há elementos comuns a todas: alavancagem [empréstimos concedidos sem a devida cobertura], medo e falência. Em algum momento, quando os preços das ações despencam, em vez de mais gente se apresentar para comprar (o que ajudaria a estabilizar a crise), mais pessoas querem vender (o que tende a desestabilizar). Essa é a dinâmica crucial que se instala.
Algumas vezes tem a ver com os seguros das carteiras de ações, como em 1987. Algumas vezes ocorre contágio, como nas crises dos mercados emergentes. E, agora, tem a ver com falta de capital e falências por causa da liquidação de ações. Mas alavancagem e medo são elementos comuns a todas as crises.

FOLHA - O Federal Reserve tem agido de maneira correta na atual crise?
SUMMERS -
Tem sido uma política de reação. Eu tinha preocupação de que se procurasse uma direção construtiva, mas parece que neste caso a velocidade e intensidade da crise tendem a superar a velocidade e a intensidade da política adotada para conter os efeitos da crise. Portanto, a despeito de todas as medidas já tomadas, nós poderemos ter ainda mais incerteza hoje do que em todos os momentos desde o início da crise.

FOLHA - O nível da recessão nos EUA será maior do que tem sido em casos recentes ou o sr. acha também impossível de prever?
SUMMERS -
A pergunta sempre é qual será a gravidade da recessão. Nossas outras recessões, como a de 2000, foram relativamente suaves. A recessão em 1990 foi um pouco mais séria, mas ainda leve sob o aspecto histórico. Eu não ficarei surpreso se esta recessão for mais profunda do que as duas últimas, dada a magnitude dos excessos financeiros -mas eu não estou fazendo uma previsão propriamente.

FOLHA - Há gente no mercado dizendo que não foi correta a atitude do Federal Reserve ao interceder na montagem da operação de venda do Bear Stearns. O sr. concorda?
SUMMERS -
Não creio que houvesse uma alternativa viável. Não creio que fosse viável fechar o banco. Também não creio que seria viável manter o Bear Stearns funcionando como estava.

FOLHA - Por que não teria sido uma boa saída deixar o banco ir à falência?
SUMMERS -
Todo o sistema financeiro teria implodido com conseqüências catastróficas. Essa não teria sido uma estratégia viável.

FOLHA - Por que o sistema todo teria implodido?
SUMMERS -
Porque havia fluxos financeiros enormes devidos para o Bear Stearns e a serem cobrados pelo Bear Stearns. Mesmo que os valores desses fluxos fossem relativamente pequenos [se comparados a todo o sistema financeiro do país], uma vez que você entra em processo de falência, resolver o problema ficaria quase que impossível. Teríamos a possibilidade de um sentimento de pânico se espalhar para as outras instituições.

FOLHA - Mas o mercado hoje [segunda-feira] reagiu em pânico...
SUMMERS -
Sim, mas, se o Federal Reserve não tivesse agido, teria sido pior. Em minha opinião.

FOLHA - Uma leitura possível também é que agora uma porta foi aberta e não será mais fechada. Se outras instituições estiverem em situação ruim, o Fed terá de agir e ajudar...
SUMMERS -
Eu acho que durante toda esta crise o Fed tem atuado com uma responsabilidade imposta. Não há alternativa.

FOLHA - Em que sentido esse tipo de situação nos EUA tem semelhança com as crises financeiras dos países subdesenvolvidos nos anos 1980 e 1990? Esses países nunca puderam se habilitar para pacotes de ajuda, sob a ótica de que seria uma aberração no sistema capitalista.
SUMMERS -
Há duas diferenças. A mais importante é que a situação dos EUA é semelhante à do Japão no início da década de 1990. Trata-se de um problema interno. Não se trata de os estrangeiros estarem perdendo a confiança nos ativos dos EUA. Não é o caso em que as corporações dos EUA estejam incapacitadas de vender suas ações. Não é o caso em que o governo dos EUA esteja impossibilitado de vender seus títulos ainda por um preço alto e com baixo custo para o país. O que existe é um problema de excessos internos.
Muito diferente das crises, por exemplo, que o Brasil historicamente enfrentou -com perda de confiança no exterior para a sua moeda e na sua capacidade de honrar dívidas.
A solvência dos EUA não está sendo colocada em questão no curso desta crise. Embora o dólar esteja em queda, essa é uma resposta ao que está acontecendo, e não a causa. É como a crise do Japão no início dos anos 90, que foi muito diferente das crises depois na Coréia do Sul ou no Brasil.

FOLHA - E a segunda diferença?
SUMMERS -
Então, a primeira é que nos EUA o problema é interno, e não externo. A segunda é que a dívida é em moeda local, e não em moeda estrangeira.

FOLHA - Em termos estritamente capitalistas, não teria sido exemplar ao longo da crise que alguns dos atores envolvidos tivessem sido apenas abandonados à sorte do mercado?
SUMMERS -
Em algumas circunstâncias, sim. Mas o Bear Stearns estava muito integrado ao sistema para esse ter sido um curso viável. O que importa, em certo sentido, é que o valor das ações do Bear Stearns foi aniquilado. Os acionistas do Bear Stearns ficaram aniquilados. Em algumas circunstâncias, é bom deixar instituições irem à falência e não fazer nada. Mas eu não acho que seria apropriado quando você está lidando com uma instituição tão grande e integrada como o Bear Stearns.

FOLHA - Mas e no caso da crise do mercado imobiliário, com o governo distribuindo dinheiro para a população que contraiu dívida e não conseguiu pagar?
SUMMERS -
Nesse caso, houve a falência de um número considerável de firmas especializadas em empréstimos imobiliários. Acho que foi apropriado. Já os proprietários de imóveis estão recebendo dinheiro como forma de estímulo fiscal para minimizar o efeito da recessão. É uma forma de encorajar o consumo doméstico e uma maneira de responder à recessão.

FOLHA - O sr. tem dito em suas aulas em Harvard que a diferença entre ricos e pobres nunca foi tão grande na história da humanidade. Com a globalização em curso, essa tendência vai se acentuar, será revertida ou não é possível prever?
SUMMERS -
Para combater a desigualdade, será necessário promover mais impostos progressivos [quem é mais rico paga mais], colaborar de forma mais exitosa no campo internacional para estabilizar os impostos sobre capital, promovendo direitos trabalhistas, reduzir lucros excessivos em mercados competitivos -isso tudo aqui em casa, nos Estados Unidos.

FOLHA - O sr. acha que algum dos candidatos presidenciais estará disposto a ir por esse caminho?
SUMMERS -
Eu acho que os candidatos democratas têm sido muito claros no sentido de demonstrarem desejo de ver um sistema de impostos funcionando melhor e mais impostos progressivos.

FOLHA - Qual é sua avaliação do governo de George W. Bush?
SUMMERS -
Não sei se a história vai avaliá-lo com simpatia. Os EUA desperdiçaram uma capacidade substancial de liderança moral quando o presidente rejeitou multilateralismo em esferas variando do ambiente à Guerra do Iraque. E, agora, sua liderança na área econômica está em questão, dependendo de como conseguirá gerenciar a atual crise.

FOLHA - Então, pela sua análise, está mais fácil para a vitória de um democrata?
SUMMERS -
Os mercados estão mostrando que isso é provável. Eu espero que um democrata seja eleito. Nós temos dois pré-candidatos fortes.

FOLHA - Como o sr. votou nas primárias?
SUMMERS -
Prefiro não dizer.


FERNANDO RODRIGUES é bolsista no ano acadêmico 2007/2008 do programa da Fundação Nieman (www.nieman.harvard.edu) para jornalistas da Universidade Harvard, em Cambridge, Massachusetts (EUA).


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