São Paulo, quinta-feira, 19 de março de 2009

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VINICIUS TORRES FREIRE

Pau na máquina de dinheiro


Banco central dos EUA toma atitude extraordinária para baixar ainda mais os juros e inundar o país de dólares

O QUE FAZER quando a taxa básica de juros cai a zero e a economia continua devagar, quase parando? Esse é um cenário de horror dos economistas (que dirá para os desempregados). Muitos grandes economistas consideravam, até faz pouco tempo, que tais desastres seriam hoje quase improváveis, apesar do caso japonês, um rinoceronte na sala de estar. Mas esse filme de horror está passando em quase todo o mundo rico e, em tela extragrande, na economia dos EUA. Ontem, o banco central dos EUA tomou uma medida dramática para tentar baixar outras taxas de juros.
O Fed, o BC deles, vai oficialmente "ligar sua máquina de imprimir dinheiro". Na verdade, fazia tal coisa desde novembro de 2008. Mas agora disse "máquinas a todo o vapor", como nos filmes antigos.
Em tempos normais (e dos anos 1980 para cá, mais ou menos), bancos centrais regulam a quantidade e/ou custo do dinheiro na economia fixando uma meta para a taxa de juros de curto prazo (como o BC faz com a nossa Selic). Essa é a referência, o piso do custo (juros) do dinheiro na praça. Os bancos se ajustam a tal meta, pois sabem que o BC injetará ou tirará dinheiro da economia, em quantidade modestas, de modo a manter a taxa básica de juros nesse nível. Grosso modo, um BC faz tal coisa por meio de compras e vendas de títulos públicos, papéis da dívida do governo: se compra títulos dos bancos, injeta mais dinheiro, e vice- -versa. Com mais dinheiro, os juros caem, bancos emprestam mais, a economia roda etc. Em tese.
Bem, o juro básico, de curto prazo, foi a zero em dezembro, e os bancos ainda não emprestam ou ainda cobram caro. Diante de tal desastre, o Fed começou a emprestar dinheiro diretamente para o mercado (compra títulos de dívida de casa própria e financia a compra de papéis de dívida de empresas). Em tempos normais, trata-se de uma aberração: é como se um grande banco estatal se tornasse o maior do país, sem de resto ter preparo para tanto (para administrar ativos financeiros de risco e variedade bem diferente daqueles com os quais um BC costuma lidar).
Novidade total, agora o Fed vai comprar títulos do Tesouro (dívida pública federal) de longo prazo (de dois a dez anos), referência para outras taxas do mercado. Vai tentar derrubar (ainda mais) também os juros desses papéis (quando a procura por um título financeiro sobe, seu preço sobe e os "juros" que paga caem). Os juros longos, de empréstimos de dez anos, caíram já ontem (a 2,51%). Os juros de papéis de três meses rendem 0,21%. Nada.
O Fed vai quase dobrar sua intervenção. Vai comprar até mais US$ 750 bilhões em títulos cuja renda depende do pagamento da prestação de casas, o que em tese ajuda a derrubar os juros da casa própria. Mais US$ 100 bilhões vão para papéis das financeiras imobiliárias estatais e US$ 300 bilhões para títulos do Tesouro. É US$ 1,15 trilhão. De onde sai o dinheiro? Do nada, literalmente. Não se imprime dinheiro de fato porque o grosso do dinheiro é eletrônico, apenas um registro de computador. Mas dá na mesma.
Trata-se de atitude entre desesperada e ousada. Se o Fed não viesse adotando medidas desse quilate, estaríamos em horror pior. Vai funcionar? É um tiro inevitável no escuro.

vinit@uol.com.br


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