São Paulo, quinta, 19 de março de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Quando a equipe FHC diz a verdade

ALOYSIO BIONDI
O povo brasileiro ganhou uma oportunidade de saber a verdade sobre a política econômica e as pretensas "reformas" do governo Fernando Henrique Cardoso. Não se pense que a "revelação" surgiu da boca de algum crítico feroz ou "palpiteiro" ignorante, na expressão do presidente sociólogo. Não. É um dos "homens fortes" do autoritário governo FHC, o próprio presidente do BNDES, Luís Carlos Mendonça de Barros, o autor da façanha de mostrar o festival de mentiras em que o Brasil mergulhou nos últimos anos, em um autêntico processo de "lavagem cerebral" da sociedade destinado a abrir caminho a toda sorte de aberrações e privilégios, em nome da "modernização".
O presidente do BNDES concedeu uma entrevista histórica à imprensa paulista, neste começo de semana, tão importante para entender o que vem acontecendo no país, que merece ser xerocopiada por entidades empresariais, sindicais, deputados e senadores e distribuída aos milhares à população, para uma "virada" na política econômica do governo FHC. O que diz, afinal, o presidente do BNDES, Mendonça de Barros?
1. "Rombo" do Tesouro - Nos últimos anos, a opinião pública foi bombardeada com uma enxurrada, dia a dia, de afirmações de que União, Estados e municípios apresentam um "rombo" -e suas estatais- horrível, apontado como causa de todos os males do país. Causas, segundo essa mentirada: empreguismo, incompetência, ineficiência. Estratégia: com base nesses "argumentos", a equipe FHC e o jornalismo chapa cor-de-rosa (finge que é independente, mas não é) abriram caminho para a privatização a preço de banana (podre), a destruição de serviços públicos (saúde, educação) e as falsas reformas destinadas a confiscar (os já parcos) direitos adquiridos.
2. "Rombo" falso - Agora, em sua entrevista histórica, o presidente do BNDES diz a verdade. Explica que o tal "rombo do governo e estatais", o chamado déficit do setor público, não significa -como a sociedade foi levada a acreditar- que o governo e suas estatais são irresponsáveis, que gastam muito mais do que poderiam, e por isso vão acumulando "rombos" em cima de "rombos". O "rombo", diz Mendonça de Barros, em grande parte existe apenas no papel, por causa dos critérios que o Brasil, há alguns anos, passou a adotar -obedecendo a critérios do FMI.
3. Dívida falsa - Para maior clareza, compare-se um país, governo e estatais, com uma família. Suponha-se que a renda de uma família, somando-se ganhos de pais e filhos, seja de R$ 10 mil por mês. Suponha-se, em uma primeira hipótese, que ela seja "gastadeira" e "torre" R$ 12 mil por mês, com todo tipo de consumismo: restaurante, roupas, prestações de automóveis, viagens etc.
Logicamente, essa família estará acumulando, a cada mês, R$ 2.000 de excesso de despesas em relação a sua renda, isto é, um "rombo" mensal de R$ 2.000.
Suponha-se agora, numa segunda hipótese, que essa família ganhe os mesmos R$ 10 mil e gaste apenas R$ 5.000 por mês. Terá um saldo, óbvio, ou poupança, de R$ 5.000 por mês. Juntando dinheiro, ela poderá depois de certo tempo montar, por exemplo, um restaurante, assumindo empréstimos -e comprometendo-se a pagá-lo em prestações, digamos, de R$ 10 mil. Suas despesas subirão então para R$ 15 mil por mês. A família virou "gastadeira"? Criou um "rombo"? Não. A família está investindo, aumentando suas fontes de renda, ao longo do tempo, com o novo negócio. Tudo óbvio. Mas deliberadamente esquecido quando se fala no "rombo" do governo -e estatais.
Camisa de força - Governo e estatais não tomam empréstimos apenas porque gastaram mais do que podem. Tomam empréstimos para investir, criar novos negócios, isto é, novas fontes de renda, ao longo do tempo. Não estão jogando dinheiro fora. Estão investindo. No entanto, como explica Mendonça de Barros, todos os empréstimos tomados pelos governos e pelas estatais devem ser considerados como "rombo" -de acordo com os critérios do FMI.
Como diz, agora, o presidente do BNDES, "considerar investimento feito pela Petrobrás como déficit público também não faz sentido" (sic). Pena que o governo FHC não tenha dito isso, antes, à sociedade.
Qual foi a consequência, na prática, desse critério absurdo de "rombo"? Para agradar ao FMI e credores internacionais, o governo brasileiro estabelece limites para o "rombo', que não pode ultrapassar tantos bilhões de reais (ou percentual do PIB) por ano. Então, Petrobrás, Telebrás, Eletropaulo, Embratel, Rede Ferroviária, todas as estatais, enfim, ficam proibidas de tomar empréstimos suficientes para investir, aumentar a produção ou modernizar serviços.
Essa, a explicação verdadeira para o "atraso" das estatais em alguns setores. Verdade que o coro de manipuladores da opinião pública sempre escondeu e continua a esconder. No caso da Petrobrás, por exemplo, um dos principais "argumentos" para desmoralizá-la é afirmar que ela não conseguiu produzir todo o petróleo de que o país precisa. Omite-se a proibição de empréstimos. Desconhecimento? Não. Má-fé de quem esconde a verdade para manipular a opinião pública. Verdade que agora vem à tona.


Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. É diretor-geral do grupo Visão. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.