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Quando a equipe FHC diz a verdade
ALOYSIO BIONDI
O povo brasileiro ganhou uma
oportunidade de saber a verdade sobre a política econômica e
as pretensas "reformas" do governo Fernando Henrique Cardoso. Não se pense que a "revelação" surgiu da boca de algum
crítico feroz ou "palpiteiro" ignorante, na expressão do presidente sociólogo. Não. É um dos
"homens fortes" do autoritário
governo FHC, o próprio presidente do BNDES, Luís Carlos
Mendonça de Barros, o autor
da façanha de mostrar o festival de mentiras em que o Brasil
mergulhou nos últimos anos,
em um autêntico processo de
"lavagem cerebral" da sociedade destinado a abrir caminho a
toda sorte de aberrações e privilégios, em nome da "modernização".
O presidente do BNDES concedeu uma entrevista histórica
à imprensa paulista, neste começo de semana, tão importante para entender o que vem
acontecendo no país, que merece ser xerocopiada por entidades empresariais, sindicais, deputados e senadores e distribuída aos milhares à população,
para uma "virada" na política
econômica do governo FHC. O
que diz, afinal, o presidente do
BNDES, Mendonça de Barros?
1. "Rombo" do Tesouro - Nos
últimos anos, a opinião pública
foi bombardeada com uma enxurrada, dia a dia, de afirmações de que União, Estados e
municípios apresentam um
"rombo" -e suas estatais-
horrível, apontado como causa
de todos os males do país. Causas, segundo essa mentirada:
empreguismo, incompetência,
ineficiência. Estratégia: com
base nesses "argumentos", a
equipe FHC e o jornalismo chapa cor-de-rosa (finge que é independente, mas não é) abriram caminho para a privatização a preço de banana (podre),
a destruição de serviços públicos (saúde, educação) e as falsas reformas destinadas a confiscar (os já parcos) direitos adquiridos.
2. "Rombo" falso - Agora, em
sua entrevista histórica, o presidente do BNDES diz a verdade.
Explica que o tal "rombo do
governo e estatais", o chamado
déficit do setor público, não significa -como a sociedade foi
levada a acreditar- que o governo e suas estatais são irresponsáveis, que gastam muito
mais do que poderiam, e por
isso vão acumulando "rombos"
em cima de "rombos". O "rombo", diz Mendonça de Barros,
em grande parte existe apenas
no papel, por causa dos critérios
que o Brasil, há alguns anos,
passou a adotar -obedecendo
a critérios do FMI.
3. Dívida falsa - Para maior
clareza, compare-se um país,
governo e estatais, com uma família. Suponha-se que a renda
de uma família, somando-se
ganhos de pais e filhos, seja de
R$ 10 mil por mês. Suponha-se,
em uma primeira hipótese, que
ela seja "gastadeira" e "torre"
R$ 12 mil por mês, com todo
tipo de consumismo: restaurante, roupas, prestações de automóveis, viagens etc.
Logicamente, essa família estará acumulando, a cada mês,
R$ 2.000 de excesso de despesas
em relação a sua renda, isto é,
um "rombo" mensal de R$
2.000.
Suponha-se agora, numa segunda hipótese, que essa família ganhe os mesmos R$ 10 mil e
gaste apenas R$ 5.000 por mês.
Terá um saldo, óbvio, ou poupança, de R$ 5.000 por mês.
Juntando dinheiro, ela poderá
depois de certo tempo montar,
por exemplo, um restaurante,
assumindo empréstimos -e
comprometendo-se a pagá-lo
em prestações, digamos, de R$
10 mil. Suas despesas subirão
então para R$ 15 mil por mês. A
família virou "gastadeira"?
Criou um "rombo"? Não. A família está investindo, aumentando suas fontes de renda, ao
longo do tempo, com o novo
negócio. Tudo óbvio. Mas deliberadamente esquecido quando
se fala no "rombo" do governo
-e estatais.
Camisa de força - Governo e
estatais não tomam empréstimos apenas porque gastaram
mais do que podem. Tomam
empréstimos para investir, criar
novos negócios, isto é, novas
fontes de renda, ao longo do
tempo. Não estão jogando dinheiro fora. Estão investindo.
No entanto, como explica Mendonça de Barros, todos os empréstimos tomados pelos governos e pelas estatais devem ser
considerados como "rombo"
-de acordo com os critérios do
FMI.
Como diz, agora, o presidente
do BNDES, "considerar investimento feito pela Petrobrás como déficit público também não
faz sentido" (sic). Pena que o
governo FHC não tenha dito isso, antes, à sociedade.
Qual foi a consequência, na
prática, desse critério absurdo
de "rombo"? Para agradar ao
FMI e credores internacionais,
o governo brasileiro estabelece
limites para o "rombo', que não
pode ultrapassar tantos bilhões
de reais (ou percentual do PIB)
por ano. Então, Petrobrás, Telebrás, Eletropaulo, Embratel,
Rede Ferroviária, todas as estatais, enfim, ficam proibidas de
tomar empréstimos suficientes
para investir, aumentar a produção ou modernizar serviços.
Essa, a explicação verdadeira
para o "atraso" das estatais em
alguns setores. Verdade que o
coro de manipuladores da opinião pública sempre escondeu e
continua a esconder. No caso
da Petrobrás, por exemplo, um
dos principais "argumentos"
para desmoralizá-la é afirmar
que ela não conseguiu produzir
todo o petróleo de que o país
precisa. Omite-se a proibição de
empréstimos. Desconhecimento? Não. Má-fé de quem esconde
a verdade para manipular a
opinião pública. Verdade que
agora vem à tona.
Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico.
Foi editor de Economia da Folha. É diretor-geral do grupo Visão. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.
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