São Paulo, domingo, 19 de abril de 2009

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ENTREVISTA
HENRIQUE MEIRELLES


"Spreads" dos bancos precisam cair ainda mais

Presidente do BC diz que bancos elevaram suas taxas mais do que o necessário e minimiza aumento de gastos públicos

Sergio Lima/Folha Imagem
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, dá entrevista na sala onde o Copom (Comitê de Política Monetária do BC) decide a taxa básica de juros

SERGIO MALBERGIER
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, acha ainda "prematuro" dizer se a economia brasileira já reúne as condições para conviver com uma nova taxa de equilíbrio de juros, de apenas um dígito. Segundo ele, há ainda um "ambiente de grande incerteza" e não é possível saber em que ponto estará a economia brasileira encerrada a crise atual.
A taxa básica Selic, definida pelo BC, está hoje em 11,25%, e o mercado projeta juros de 9,25% para o final do ano.
Meirelles, por outro lado, diz que, no Brasil, não necessariamente ocorrerá o mesmo que nos EUA, onde os juros, hoje perto de zero, devem subir tão logo comece uma recuperação mais forte da economia. Esse tema é sensível no Palácio do Planalto, já que o governo Lula não gostaria de trabalhar com alta de juros no ano eleitoral de 2010, embora analistas considerem possível esse cenário.
Em seu sétimo ano à frente do BC, ele não admite erros na condução da política monetária nem o que muitos dão como certo -que sairá candidato nas eleições de 2010.
Meirelles não critica a atual política fiscal expansionista, sempre apontada pelo BC no passado como um entrave para maiores reduções dos juros. Segundo ele, a relação dívida pública/PIB se manterá estável, em 37%, mesmo com o aumento dos gastos do governo Lula. A seguir, trechos da entrevista, concedida na sala do BC em Brasília.

 

FOLHA - A taxa de equilíbrio de juros no Brasil mudou de patamar? O país pode conviver com uma taxa básica de juros de um dígito?
HENRIQUE MEIRELLES
- É um pouco prematuro dizer, pois temos uma conjugação de dois fatores, estruturais e conjunturais. Estrutural é a queda dos prêmios de risco, resultado da gradual estabilização da economia brasileira. As taxas de juros reais [descontada a inflação] já estiveram acima de 20% e hoje estão ao redor de 5%.
Mas vêm caindo nos últimos anos de forma gradual, independentemente dos ciclos, de subidas e descidas. Existe, hoje, um movimento cíclico, conjuntural, que é a crise mundial, que leva a uma desaceleração da atividade. Qual será a conjugação desses dois fatores no futuro? O momento é prematuro para ver.

FOLHA - Mas, se tirarmos os efeitos conjunturais, o sr. avalia que vamos voltar à realidade anterior, de juros básicos altos, ou as taxas baixas vieram para ficar e estamos num novo patamar de juros no país?
MEIRELLES
- Esse é o ponto.
Existe um movimento estrutural, mas, terminado o aspecto cíclico, vamos voltar ao ponto em que estávamos antes da crise ou não? Ou terá seguimento a evolução estrutural?

FOLHA - Pela experiência do sr., em que ponto estamos?
MEIRELLES
- É prematuro dizer, vamos aguardar. Eu não posso falar porque estaria fazendo uma sinalização indevida. Depois, existe um ambiente de grande incerteza.

FOLHA - Banqueiros centrais têm dito que, no próximo ano, diante da política expansionista para combater a crise, o mundo terá de fazer ajustes na sua política monetária. Isso pode acontecer aqui no Brasil?
MEIRELLES
- Existem diferenças entre economias. O que estávamos discutindo na pergunta anterior em última análise é qual é a taxa de equilíbrio no Brasil e onde estaremos no final dessa crise em relação à taxa real de juros versus onde estará naquele momento a taxa de equilíbrio. Nos EUA, com as taxas de juros zero, claramente a taxa nominal está baixa. Certamente haverá nos EUA, num certo momento, um aumento de juros. Isso não é necessariamente uma situação aplicável a todos os países, dependerá da situação de cada um.

FOLHA - O sr. citou alguns fatores estruturais que permitem a queda dos juros. Esses fatores já não estavam presentes em setembro do ano passado, quando o BC aumentou os juros da última vez, decisão hoje muito criticada? Olhando hoje, aquela decisão foi equivocada?
MEIRELLES
- Em setembro, o trimestre encerrado sobre o mesmo trimestre do ano anterior mostrava uma demanda doméstica crescendo a 9,3% ao ano. E o produto [PIB] crescendo a 6,8%. Claramente insustentável. E é importante mencionar que a dinâmica da crise internacional alterou-se radicalmente com a falência do Lehman Brothers [em 15 de setembro], o que representou uma quebra da estrutura de funcionamento do sistema financeiro mundial. Isso alterou totalmente a dinâmica da crise, gerou uma série de reações em cadeia. E o Banco Central do Brasil reagiu com rapidez a essa nova situação por meio de medidas muito fortes, de gestão de liquidez, que era o problema mais grave naquele momento.

FOLHA - O Banco Central errou alguma vez sob seu comando?
MEIRELLES
- [Pausa] Muito difícil analisar situações depois dos efeitos das medidas tomadas. É aquela questão que se chama síndrome clássica de um banco central, de qualquer um.
Tem de agir preventivamente.
Na medida em que aja preventivamente e não exista o problema, pode-se argumentar que errou, porque não existia o problema e não era necessária a medida preventiva.
Do nosso ponto de vista, o resultado da política monetária no Brasil nos últimos anos tem sido um sucesso. Porque a taxa média de crescimento do país nos últimos cinco anos foi de 4,6% versus 1,9% dos anos anteriores. O Brasil acumulou US$ 205 bilhões de reservas, a taxa de juros real da economia caiu substancialmente nesse período, criou-se em média 1,5 milhão de novas vagas de trabalho por ano, a renda média aumentou, a massa salarial estava crescendo em média 6%, 7%, 8% nos últimos anos.

FOLHA - Então o sr. diria que o BC, na sua administração, não errou?
MEIRELLES
- Eu não estou fazendo essa afirmação.

FOLHA - Respondendo à pergunta com um sim ou não...
MEIRELLES
- A pergunta não tem um sim ou não, os resultados foram extremamente positivos.

FOLHA - Há alguma decisão de política monetária que o sr. tomou e que faria diferente hoje?
MEIRELLES
- Com os dados disponíveis na época, que é a única maneira de essa pergunta fazer sentido, não.

FOLHA - Estamos passando por um momento expansionista na política fiscal. O governo acabou de reduzir o superávit primário (economia para pagamento dos juros da dívida pública) para 2,5% do PIB. Como isso pode afetar a política monetária no próximo ano no Brasil?
MEIRELLES
- Hoje temos um choque externo. Em razão disso, existe uma flexibilização das políticas monetária e fiscal, consistentes. Vamos aguardar o desenvolvimento da crise, a retomada das atividades, para ver onde a economia brasileira vai se equilibrar mais à frente.

FOLHA - Mas não pode haver aumento da necessidade de financiamento do governo por conta desse aumento de gastos, que pode levar a um aumento da taxa de juros?
MEIRELLES
- A nossa previsão hoje é que, se levarmos em conta apenas a questão da nova meta do superávit primário, com as demais condições da economia de acordo com as previsões do mercado, a relação dívida/produto [tamanho da dívida pública em relação ao PIB brasileiro] deve permanecer onde está. Vai ficar nos 37%. O que vai significar, grosso modo, que nós teremos uma situação estável do ponto de vista dessa variável básica, que eu acho a mais importante.

FOLHA - E a questão cambial? Quanto o Banco Central ganhou com a alta do dólar?
MEIRELLES
- O resultado do Banco Central no segundo semestre do ano passado, produto do resultado nas reservas dos choques cambiais, foi a transferência líquida para o Tesouro de R$ 181 bilhões, sendo que grande parcela foi a variação cambial, R$ 171 bilhões, que deu efeitos positivos nas reservas.

FOLHA - O que essa forte alta do dólar, que não estava no cenário, significou para o Banco Central?
MEIRELLES
- Que a dívida pública caiu de 40,5% antes da crise para 37% neste momento. Esse resultado foi usado para diminuir a dívida pública líquida.

FOLHA - Isso foi determinado pela crise, não era uma estratégia do BC.
MEIRELLES
- Não, era uma estratégia construir reservas, reduzir o passivo cambial num primeiro momento e elevar o ativo cambial num segundo momento. Tínhamos essa estratégia, de montar um mecanismo estabilizador automático. No passado, quando havia uma crise, ocorria uma depreciação do câmbio, aumentava a dívida pública, que elevava a desconfiança, que fazia maior depreciação. Era um ciclo vicioso. E nós tivemos uma estratégia determinada, desde o início dessa administração, de reverter esse processo, de criar um ciclo virtuoso. E isso já tinha mostrado efeitos em outros momentos. A estratégia estava definida. A dimensão e a rapidez dessa crise é que não estavam no cenário.

FOLHA - É possível dizer, então, que a crise deu ao Tesouro R$ 181 bilhões.
MEIRELLES
- A crise gerou vários efeitos. Um deles é esse, positivo. Outro, negativo, a queda de arrecadação, que está acontecendo. Agora, note bem, isso custou caro. Não foi de graça, o Brasil pagou caro para construir a posição de reservas durante esses anos todos, aliás foi muito criticado. Nós sempre argumentamos que num momento de crise esse era um seguro que valeria a pena. A história mostrou que estávamos corretos.

FOLHA - De quanto são hoje nossas reservas internacionais?
MEIRELLES
- Estão em US$ 202 bilhões.

FOLHA - Durante essa crise, houve um ruído forte, e raro, no relacionamento entre o BC e os bancos brasileiros, principalmente por conta da elevação do "spread" (diferença entre a taxa a que os bancos captam dinheiro e a que cobram em financiamentos). O sr. disse que a culpa era dos bancos, que por seu lado culpam mecanismos como depósitos compulsórios. Afinal, de quem é a culpa do "spread" alto?
MEIRELLES
- O Banco Central adota uma atitude de autoridade monetária, não necessariamente agrada a todos os setores. Ele pode tomar determinadas atitudes que podem desagradar a um setor, inclusive o financeiro. Existem alguns mitos, como o de que o Banco Central subir a taxa de juros, a Selic, gera lucro para os bancos.
Não é necessariamente o caso.
Muitas vezes os bancos estão aplicados em taxa prefixada e até perdem se o BC aumenta a taxa. A Selic é custo para os bancos, porque eles captam.
Existe uma série de mitos nesse processo. Na questão do "spread", sim, achamos que, em razão da crise e da insegurança, eles [bancos] estavam subindo de uma forma que era negativa para a economia.
E estavam subindo mesmo depois da queda dos compulsórios e da estabilidade da Selic. Colocamos essa posição com a maior clareza possível, e hoje isso começa a ser entendido melhor. O Banco Central e a Fazenda estão trabalhando nisso, já tomamos medidas e, se preciso, vamos tomar mais.

FOLHA - O BC já está detectando alguma queda no "spread"?
MEIRELLES
- Segundo indicações que temos, já existe uma queda de "spread". Achamos que é insuficiente, tanto que continuamos trabalhando e estamos aguardando os efeitos das novas medidas, principalmente a garantia dos depósitos e leilão sem direcionamento, além do cadastro positivo. Estamos aguardando, pois achamos que os "spreads" devem cair mais.

FOLHA - O sr. presidiu um banco norte-americano (BankBoston). Como vê a recuperação do sistema financeiro dos EUA? Pode haver nova quebra de banco?
MEIRELLES
- Não acho provável que haja uma quebra de um banco sistematicamente importante nos Estados Unidos, depois do compromisso explícito do G20, em Londres, de não permitir que isso ocorra.

FOLHA - O sr. vai se filiar a algum partido em outubro para sair candidato em 2010?
MEIRELLES
- No momento, a minha única preocupação é o Banco Central, a economia brasileira e tirar o país da crise. Depois, vou pensar em alguma coisa.


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