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ENTREVISTA
HENRIQUE MEIRELLES
"Spreads" dos bancos precisam cair ainda mais
Presidente do BC diz que bancos elevaram suas taxas mais do que o necessário e minimiza aumento de gastos públicos
Sergio Lima/Folha Imagem
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O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, dá entrevista na sala onde o Copom (Comitê de Política Monetária do BC) decide a taxa básica de juros
SERGIO MALBERGIER
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, acha
ainda "prematuro" dizer se a
economia brasileira já reúne as
condições para conviver com
uma nova taxa de equilíbrio de
juros, de apenas um dígito. Segundo ele, há ainda um "ambiente de grande incerteza" e
não é possível saber em que
ponto estará a economia brasileira encerrada a crise atual.
A taxa básica Selic, definida
pelo BC, está hoje em 11,25%, e
o mercado projeta juros de
9,25% para o final do ano.
Meirelles, por outro lado, diz
que, no Brasil, não necessariamente ocorrerá o mesmo que
nos EUA, onde os juros, hoje
perto de zero, devem subir tão
logo comece uma recuperação
mais forte da economia. Esse
tema é sensível no Palácio do
Planalto, já que o governo Lula
não gostaria de trabalhar com
alta de juros no ano eleitoral de
2010, embora analistas considerem possível esse cenário.
Em seu sétimo ano à frente
do BC, ele não admite erros na
condução da política monetária nem o que muitos dão como
certo -que sairá candidato nas
eleições de 2010.
Meirelles não critica a atual
política fiscal expansionista,
sempre apontada pelo BC no
passado como um entrave para
maiores reduções dos juros. Segundo ele, a relação dívida pública/PIB se manterá estável,
em 37%, mesmo com o aumento dos gastos do governo Lula.
A seguir, trechos da entrevista, concedida na sala do BC em
Brasília.
FOLHA - A taxa de equilíbrio de juros no Brasil mudou de patamar? O
país pode conviver com uma taxa
básica de juros de um dígito?
HENRIQUE MEIRELLES - É um pouco prematuro dizer, pois temos
uma conjugação de dois fatores, estruturais e conjunturais.
Estrutural é a queda dos prêmios de risco, resultado da gradual estabilização da economia
brasileira. As taxas de juros
reais [descontada a inflação] já
estiveram acima de 20% e hoje
estão ao redor de 5%.
Mas vêm caindo nos últimos
anos de forma gradual, independentemente dos ciclos, de
subidas e descidas. Existe, hoje,
um movimento cíclico, conjuntural, que é a crise mundial, que
leva a uma desaceleração da
atividade. Qual será a conjugação desses dois fatores no futuro? O momento é prematuro
para ver.
FOLHA - Mas, se tirarmos os efeitos
conjunturais, o sr. avalia que vamos
voltar à realidade anterior, de juros
básicos altos, ou as taxas baixas vieram para ficar e estamos num novo
patamar de juros no país?
MEIRELLES - Esse é o ponto.
Existe um movimento estrutural, mas, terminado o aspecto
cíclico, vamos voltar ao ponto
em que estávamos antes da crise ou não? Ou terá seguimento
a evolução estrutural?
FOLHA - Pela experiência do sr., em
que ponto estamos?
MEIRELLES - É prematuro dizer,
vamos aguardar. Eu não posso
falar porque estaria fazendo
uma sinalização indevida. Depois, existe um ambiente de
grande incerteza.
FOLHA - Banqueiros centrais têm
dito que, no próximo ano, diante da
política expansionista para combater a crise, o mundo terá de fazer
ajustes na sua política monetária. Isso pode acontecer aqui no Brasil?
MEIRELLES - Existem diferenças
entre economias. O que estávamos discutindo na pergunta
anterior em última análise é
qual é a taxa de equilíbrio no
Brasil e onde estaremos no final dessa crise em relação à taxa real de juros versus onde estará naquele momento a taxa
de equilíbrio. Nos EUA, com as
taxas de juros zero, claramente
a taxa nominal está baixa. Certamente haverá nos EUA, num
certo momento, um aumento
de juros. Isso não é necessariamente uma situação aplicável a
todos os países, dependerá da
situação de cada um.
FOLHA - O sr. citou alguns fatores
estruturais que permitem a queda
dos juros. Esses fatores já não estavam presentes em setembro do ano
passado, quando o BC aumentou os
juros da última vez, decisão hoje
muito criticada? Olhando hoje,
aquela decisão foi equivocada?
MEIRELLES - Em setembro, o trimestre encerrado sobre o mesmo trimestre do ano anterior
mostrava uma demanda doméstica crescendo a 9,3% ao
ano. E o produto [PIB] crescendo a 6,8%. Claramente insustentável. E é importante mencionar que a dinâmica da crise
internacional alterou-se radicalmente com a falência do
Lehman Brothers [em 15 de setembro], o que representou
uma quebra da estrutura de
funcionamento do sistema financeiro mundial. Isso alterou
totalmente a dinâmica da crise,
gerou uma série de reações em
cadeia. E o Banco Central do
Brasil reagiu com rapidez a essa
nova situação por meio de medidas muito fortes, de gestão de
liquidez, que era o problema
mais grave naquele momento.
FOLHA - O Banco Central errou alguma vez sob seu comando?
MEIRELLES - [Pausa] Muito difícil analisar situações depois
dos efeitos das medidas tomadas. É aquela questão que se
chama síndrome clássica de um
banco central, de qualquer um.
Tem de agir preventivamente.
Na medida em que aja preventivamente e não exista o problema, pode-se argumentar
que errou, porque não existia o
problema e não era necessária a
medida preventiva.
Do nosso ponto de vista, o resultado da política monetária
no Brasil nos últimos anos tem
sido um sucesso. Porque a taxa
média de crescimento do país
nos últimos cinco anos foi de
4,6% versus 1,9% dos anos anteriores. O Brasil acumulou
US$ 205 bilhões de reservas, a
taxa de juros real da economia
caiu substancialmente nesse
período, criou-se em média 1,5
milhão de novas vagas de trabalho por ano, a renda média aumentou, a massa salarial estava
crescendo em média 6%, 7%,
8% nos últimos anos.
FOLHA - Então o sr. diria que o BC,
na sua administração, não errou?
MEIRELLES - Eu não estou fazendo essa afirmação.
FOLHA - Respondendo à pergunta
com um sim ou não...
MEIRELLES - A pergunta não tem
um sim ou não, os resultados
foram extremamente positivos.
FOLHA - Há alguma decisão de política monetária que o sr. tomou e
que faria diferente hoje?
MEIRELLES - Com os dados disponíveis na época, que é a única
maneira de essa pergunta fazer
sentido, não.
FOLHA - Estamos passando por um
momento expansionista na política
fiscal. O governo acabou de reduzir
o superávit primário (economia para
pagamento dos juros da dívida pública) para 2,5% do PIB. Como isso
pode afetar a política monetária no
próximo ano no Brasil?
MEIRELLES - Hoje temos um choque externo. Em razão disso,
existe uma flexibilização das
políticas monetária e fiscal,
consistentes. Vamos aguardar
o desenvolvimento da crise, a
retomada das atividades, para
ver onde a economia brasileira
vai se equilibrar mais à frente.
FOLHA - Mas não pode haver aumento da necessidade de financiamento do governo por conta desse
aumento de gastos, que pode levar
a um aumento da taxa de juros?
MEIRELLES - A nossa previsão
hoje é que, se levarmos em conta apenas a questão da nova
meta do superávit primário,
com as demais condições da
economia de acordo com as
previsões do mercado, a relação
dívida/produto [tamanho da
dívida pública em relação ao
PIB brasileiro] deve permanecer onde está. Vai ficar nos 37%.
O que vai significar, grosso modo, que nós teremos uma situação estável do ponto de vista
dessa variável básica, que eu
acho a mais importante.
FOLHA - E a questão cambial?
Quanto o Banco Central ganhou
com a alta do dólar?
MEIRELLES - O resultado do Banco Central no segundo semestre do ano passado, produto do
resultado nas reservas dos choques cambiais, foi a transferência líquida para o Tesouro de
R$ 181 bilhões, sendo que grande parcela foi a variação cambial, R$ 171 bilhões, que deu
efeitos positivos nas reservas.
FOLHA - O que essa forte alta do
dólar, que não estava no cenário,
significou para o Banco Central?
MEIRELLES - Que a dívida pública
caiu de 40,5% antes da crise para 37% neste momento. Esse
resultado foi usado para diminuir a dívida pública líquida.
FOLHA - Isso foi determinado pela
crise, não era uma estratégia do BC.
MEIRELLES - Não, era uma estratégia construir reservas, reduzir o passivo cambial num primeiro momento e elevar o ativo
cambial num segundo momento. Tínhamos essa estratégia,
de montar um mecanismo estabilizador automático.
No passado, quando havia
uma crise, ocorria uma depreciação do câmbio, aumentava a
dívida pública, que elevava a
desconfiança, que fazia maior
depreciação. Era um ciclo vicioso. E nós tivemos uma estratégia determinada, desde o início dessa administração, de reverter esse processo, de criar
um ciclo virtuoso. E isso já tinha mostrado efeitos em outros momentos. A estratégia estava definida. A dimensão e a
rapidez dessa crise é que não
estavam no cenário.
FOLHA - É possível dizer, então, que
a crise deu ao Tesouro R$ 181 bilhões.
MEIRELLES - A crise gerou vários
efeitos. Um deles é esse, positivo. Outro, negativo, a queda de
arrecadação, que está acontecendo. Agora, note bem, isso
custou caro. Não foi de graça, o
Brasil pagou caro para construir a posição de reservas durante esses anos todos, aliás foi
muito criticado. Nós sempre
argumentamos que num momento de crise esse era um seguro que valeria a pena. A história mostrou que estávamos
corretos.
FOLHA - De quanto são hoje nossas
reservas internacionais?
MEIRELLES - Estão em US$ 202
bilhões.
FOLHA - Durante essa crise, houve
um ruído forte, e raro, no relacionamento entre o BC e os bancos brasileiros, principalmente por conta da
elevação do "spread" (diferença entre a taxa a que os bancos captam
dinheiro e a que cobram em financiamentos). O sr. disse que a culpa
era dos bancos, que por seu lado culpam mecanismos como depósitos
compulsórios. Afinal, de quem é a
culpa do "spread" alto?
MEIRELLES - O Banco Central
adota uma atitude de autoridade monetária, não necessariamente agrada a todos os setores. Ele pode tomar determinadas atitudes que podem desagradar a um setor, inclusive o
financeiro. Existem alguns mitos, como o de que o Banco
Central subir a taxa de juros, a
Selic, gera lucro para os bancos.
Não é necessariamente o caso.
Muitas vezes os bancos estão
aplicados em taxa prefixada e
até perdem se o BC aumenta a
taxa. A Selic é custo para os
bancos, porque eles captam.
Existe uma série de mitos nesse
processo. Na questão do
"spread", sim, achamos que, em
razão da crise e da insegurança,
eles [bancos] estavam subindo
de uma forma que era negativa
para a economia.
E estavam subindo mesmo
depois da queda dos compulsórios e da estabilidade da Selic.
Colocamos essa posição com a
maior clareza possível, e hoje
isso começa a ser entendido
melhor. O Banco Central e a
Fazenda estão trabalhando nisso, já tomamos medidas e, se
preciso, vamos tomar mais.
FOLHA - O BC já está detectando alguma queda no "spread"?
MEIRELLES - Segundo indicações
que temos, já existe uma queda
de "spread". Achamos que é insuficiente, tanto que continuamos trabalhando e estamos
aguardando os efeitos das novas medidas, principalmente a
garantia dos depósitos e leilão
sem direcionamento, além do
cadastro positivo. Estamos
aguardando, pois achamos que
os "spreads" devem cair mais.
FOLHA - O sr. presidiu um banco
norte-americano (BankBoston). Como vê a recuperação do sistema financeiro dos EUA? Pode haver nova
quebra de banco?
MEIRELLES - Não acho provável
que haja uma quebra de um
banco sistematicamente importante nos Estados Unidos,
depois do compromisso explícito do G20, em Londres, de
não permitir que isso ocorra.
FOLHA - O sr. vai se filiar a algum
partido em outubro para sair candidato em 2010?
MEIRELLES - No momento, a minha única preocupação é o Banco Central, a economia brasileira e tirar o país da crise. Depois,
vou pensar em alguma coisa.
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