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Terceirizada que lesa governo usa laranja
Empresas que receberam mais de R$ 154 milhões do governo estão em nome de ex-funcionários com renda inferior a R$ 800
União é alvo seguido de
golpes nos quais herda
dívidas trabalhistas de
prestadoras de serviço
que abandonam contratos
ALAN GRIPP
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
ADRIANO CEOLIN
ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE
Duas das maiores empresas
de terceirização de mão de obra
em valores recebidos do governo federal, a ZL Ambiental
Ltda. e a Higiterc Higienização
e Terceirização Ltda., utilizam
laranjas para ocultar os seus
verdadeiros donos.
Desde 2006, elas receberam
pelo menos R$ 154 milhões de
órgãos federais, o equivalente a
todo o orçamento de publicidade do governo neste ano. Em
2009, a Higiterc garantiu mais
R$ 4 milhões em contratos fechados com o Senado e o Tribunal de Contas da União.
Investigadas pela CGU (Controladoria Geral da União), as
empresas pertencem ou já pertenceram, no papel, a ex-funcionários com remuneração
máxima de dois salários mínimos, rendimentos incompatíveis com o patrimônio em tese
adquirido. Também figuram ou
figuraram como sócios pessoas
desconhecidas dos próprios
empregados e até uma empregada doméstica.
Procurados pela Folha nas
duas últimas semanas, os "donos" da ZL e da Higiterc não foram encontrados nas sedes das
empresas nem nos endereços e
telefones registrados em seus
nomes -alguns deles falsos.
Além disso, não responderam a
questionamentos feitos por
meio de advogados.
Valer-se de pessoas de baixo
poder aquisitivo é uma estratégia conhecida para livrar os
reais proprietários de uma empresa de cobranças judiciais e
penhoras. Como mostrou a Folha na semana passada, o governo tornou-se alvo de golpes
em sequência das terceirizadoras de serviços, que abandonam
os contratos e deixam as dívidas trabalhistas para a União.
A ZL e a Higiterc já pertenceram a um mesmo grupo, tiveram três sócios em comum e
participaram, juntas, de 49 licitações -forte indício de que
atuaram para simular uma falsa concorrência. Hoje, os empresários por trás das duas empresas estão brigados e vivem
situações distintas. Enquanto a
ZL está mergulhada em dívidas, a Higiterc vem crescendo.
Nos últimos anos, elas forneceram motoristas, copeiros, faxineiros, entre outros profissionais. Venceram licitações
em órgãos dos ministérios da
Educação, da Saúde, dos Transportes e da Ciência e Tecnologia, além do Comando do Exército. A UnB (Universidade de
Brasília) é a maior cliente das
empresas.
No papel, os donos atuais da
Higiterc são Elias Gomes Araújo e Marta Pereira dos Santos,
ambos de 46 anos. Ex-funcionários da ZL, ocupavam funções
administrativas e foram demitidos em janeiro e em novembro
de 2007, respectivamente.
A Folha teve acesso às rescisões contratuais dos dois.
Quando foi demitida, Marta ganhava R$ 508,32 mensais, mais
vale-transporte e cesta básica.
Quatro meses depois, virou dona de 99% das cotas da Higiterc, avaliadas em R$ 490 mil.
Araújo, que ganhava R$
869,68, também já foi dono de
99% da Higiterc, entre maio e
agosto de 2006. Hoje, tem apenas 1% das cotas.
A sede da Higiterc fica em
um escritório na zona sul de
Belo Horizonte. Trata-se de
uma sala com um computador
e um funcionário. Na porta,
uma placa registra o nome de
outra empresa: a Wi-Fi Telecomunicações e Informática.
Oficialmente, Marta vive em
um apartamento no bairro
Barro Preto, na capital mineira,
informação negada pelo porteiro e por vizinhos. Segundo
registro na lista telefônica,
quem vive lá hoje é o seu
"sócio", Araújo.
O imóvel também é oficialmente o local de moradia de
Aline Alves de Holanda, 26,
apesar de os vizinhos também
negarem. Ex-funcionária de
um salão de beleza, Aline é,
no papel, uma das proprietárias da ZL, destinatária de R$
140 milhões de recursos públicos desde 2005.
Em 2008, Aline chegou a ter
99% das cotas da empresa, o
que representava à época R$
2,4 milhões. Hoje, tem sua participação reduzida a 1%.
A Folha procurou Aline na
sede da ZL em Belo Horizonte,
mas os funcionários não a conheciam. Informada de que se
tratava da proprietária da empresa, uma atendente orientou
a reportagem a procurá-la na
filial de Brasília. "Aline Alves?
Esse número está errado,
não?", disse uma funcionária
da empresa na capital.
As duas empresas têm outro
elo de ligação: tiveram como
sócia, entre 2005 e 2006, Santa
Pinheiro da Silva. A Folha apurou que Santa é empregada doméstica de um empresário de
Belo Horizonte investigado pela suspeita de ser o real proprietário das empresas. Seu nome é mantido em sigilo.
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