São Paulo, domingo, 19 de abril de 2009

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Terceirizada que lesa governo usa laranja

Empresas que receberam mais de R$ 154 milhões do governo estão em nome de ex-funcionários com renda inferior a R$ 800

União é alvo seguido de golpes nos quais herda dívidas trabalhistas de prestadoras de serviço que abandonam contratos

ALAN GRIPP
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
ADRIANO CEOLIN
ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE

Duas das maiores empresas de terceirização de mão de obra em valores recebidos do governo federal, a ZL Ambiental Ltda. e a Higiterc Higienização e Terceirização Ltda., utilizam laranjas para ocultar os seus verdadeiros donos.
Desde 2006, elas receberam pelo menos R$ 154 milhões de órgãos federais, o equivalente a todo o orçamento de publicidade do governo neste ano. Em 2009, a Higiterc garantiu mais R$ 4 milhões em contratos fechados com o Senado e o Tribunal de Contas da União.
Investigadas pela CGU (Controladoria Geral da União), as empresas pertencem ou já pertenceram, no papel, a ex-funcionários com remuneração máxima de dois salários mínimos, rendimentos incompatíveis com o patrimônio em tese adquirido. Também figuram ou figuraram como sócios pessoas desconhecidas dos próprios empregados e até uma empregada doméstica.
Procurados pela Folha nas duas últimas semanas, os "donos" da ZL e da Higiterc não foram encontrados nas sedes das empresas nem nos endereços e telefones registrados em seus nomes -alguns deles falsos. Além disso, não responderam a questionamentos feitos por meio de advogados.
Valer-se de pessoas de baixo poder aquisitivo é uma estratégia conhecida para livrar os reais proprietários de uma empresa de cobranças judiciais e penhoras. Como mostrou a Folha na semana passada, o governo tornou-se alvo de golpes em sequência das terceirizadoras de serviços, que abandonam os contratos e deixam as dívidas trabalhistas para a União.
A ZL e a Higiterc já pertenceram a um mesmo grupo, tiveram três sócios em comum e participaram, juntas, de 49 licitações -forte indício de que atuaram para simular uma falsa concorrência. Hoje, os empresários por trás das duas empresas estão brigados e vivem situações distintas. Enquanto a ZL está mergulhada em dívidas, a Higiterc vem crescendo.
Nos últimos anos, elas forneceram motoristas, copeiros, faxineiros, entre outros profissionais. Venceram licitações em órgãos dos ministérios da Educação, da Saúde, dos Transportes e da Ciência e Tecnologia, além do Comando do Exército. A UnB (Universidade de Brasília) é a maior cliente das empresas.
No papel, os donos atuais da Higiterc são Elias Gomes Araújo e Marta Pereira dos Santos, ambos de 46 anos. Ex-funcionários da ZL, ocupavam funções administrativas e foram demitidos em janeiro e em novembro de 2007, respectivamente.
A Folha teve acesso às rescisões contratuais dos dois. Quando foi demitida, Marta ganhava R$ 508,32 mensais, mais vale-transporte e cesta básica. Quatro meses depois, virou dona de 99% das cotas da Higiterc, avaliadas em R$ 490 mil.
Araújo, que ganhava R$ 869,68, também já foi dono de 99% da Higiterc, entre maio e agosto de 2006. Hoje, tem apenas 1% das cotas.
A sede da Higiterc fica em um escritório na zona sul de Belo Horizonte. Trata-se de uma sala com um computador e um funcionário. Na porta, uma placa registra o nome de outra empresa: a Wi-Fi Telecomunicações e Informática.
Oficialmente, Marta vive em um apartamento no bairro Barro Preto, na capital mineira, informação negada pelo porteiro e por vizinhos. Segundo registro na lista telefônica, quem vive lá hoje é o seu "sócio", Araújo.
O imóvel também é oficialmente o local de moradia de Aline Alves de Holanda, 26, apesar de os vizinhos também negarem. Ex-funcionária de um salão de beleza, Aline é, no papel, uma das proprietárias da ZL, destinatária de R$ 140 milhões de recursos públicos desde 2005.
Em 2008, Aline chegou a ter 99% das cotas da empresa, o que representava à época R$ 2,4 milhões. Hoje, tem sua participação reduzida a 1%.
A Folha procurou Aline na sede da ZL em Belo Horizonte, mas os funcionários não a conheciam. Informada de que se tratava da proprietária da empresa, uma atendente orientou a reportagem a procurá-la na filial de Brasília. "Aline Alves? Esse número está errado, não?", disse uma funcionária da empresa na capital.
As duas empresas têm outro elo de ligação: tiveram como sócia, entre 2005 e 2006, Santa Pinheiro da Silva. A Folha apurou que Santa é empregada doméstica de um empresário de Belo Horizonte investigado pela suspeita de ser o real proprietário das empresas. Seu nome é mantido em sigilo.


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