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NY contra a crise
No epicentro do colapso financeiro, cidade tenta incentivar um exército de demitidos a empreender e luta para se adaptar à nova realidade econômica
FERNANDO CANZIAN
DE NOVA YORK
Restaurantes que há um ano
pediam reservas com antecedência de pelo menos dois meses e que cobravam US$ 275
por cabeça agora vazios e oferecendo menus a US$ 24.
Jantares de gala e eventos
musicais para levantar fundos
para instituições beneficentes
e universidades cancelados.
Quando ocorrem, nada de tapete vermelho, artistas convidados, caviar ou carneiro no menu. Frango e bolo de carne no
lugar e convites à metade do
preço agora são a regra.
Para os menos ricos e sofisticados, algumas linhas de metrô
e 20 rotas de ônibus menos
rentáveis desativadas. Mas
transporte público com preço
por viagem subindo de US$ 2
para US$ 2,50. Mais de 1.100
empregos cortados na rede pública de transporte, desde a manutenção até a limpeza.
Apartamentos minúsculos
que antes chegavam a custar
US$ 350 mil agora vendidos
abaixo de US$ 190 mil. Centenas de lojas e moradias para
alugar vazios há meses em uma
das regiões comerciais e residenciais mais concorridas e caras do mundo.
Festivais de cinema, shows e
eventos públicos cancelados ou
encolhidos. Menos pessoas
com sacolas nas ruas ou ingressos na mão nas filas de cinema,
de teatro, na Broadway.
Essa é a nova realidade de
Manhattan, centro cosmopolita e financeiro do mundo, no
coração de Nova York.
Altamente dependente da receita gerada pelos bancos e pelas instituições financeiras e
movimentada pelos salários e
pelos bônus de executivos do
mercado, Nova York está no
olho do furacão da atual crise.
Com o maior nível de desemprego desde outubro de 2003,
cerca de 250 mil pessoas entre
a população economicamente
ativa de 3,6 milhões na cidade
ainda podem perder seus empregos nesta crise, estima a empresa da área Comtroller.
Segundo estimativas da
Comtroller, o valor dos bônus
pagos a executivos de Wall
Street encolheu cerca de 45%
em 2008 na comparação com o
ano anterior.
De acordo com as últimas estatísticas disponíveis do Departamento do Trabalho dos EUA,
cerca de 15% de todos os salários pagos em Nova York provêm (ou provinham) dos bancos de Wall Street, nos quais os
rendimentos eram três vezes,
em média, mais elevados do
que no resto da cidade.
Apenas os setores bancário e
imobiliário, este também fortemente afetado (o valor dos aluguéis comerciais caiu 16% só
em março), respondem por
25% da arrecadação de impostos em Nova York.
Já a média dos preços dos
aluguéis para apartamentos de
um quarto, por exemplo, caiu
6% no mês passado, para aproximadamente US$ 2.600 (R$
5.800). Para os de dois quartos,
a queda foi de 2,2%, para US$
3.600 (cerca de R$ 8.000).
Em caráter emergencial, o
prefeito Michael Bloomberg
anunciou na semana passada
um programa de US$ 45 milhões para incentivar demitidos no setor financeiro a criar
novas empresas, oferecendo
até escritórios montados para
que possam começar uma nova
vida.
"Cerca de 8% do PIB [Produto Interno Bruto] dos EUA é gerado pelo setor financeiro. Se
isso vai encolher a 4%, como
acredito, a área de Manhattan
será a mais afetada em todo o
país", afirmou o economista
Paul Krugman, Prêmio Nobel
de Economia, em entrevista na
semana passada à imprensa estrangeira em Nova York.
Não só negócios fecham ou
são adiados como gigantes como Citibank e Merrill Lynch
abandonam prédios inteiros
para cortar custos, deprimindo
ainda mais o combalido mercado imobiliário.
Até a construção das três torres planejadas para o local onde
até 11 de setembro de 2001 ficava o World Trade Center, derrubado pelo terroristas da Al
Qaeda, foi adiada.
Lazer e caridade
Após um longo inverno, Nova York no início desta primavera (no hemisfério Norte) não
está exatamente de baixo-astral. Mas é significativo que o
mesmo festival de cinema criado após os ataques de 11 de Setembro (e em razão deles), o
Tribeca Film Festival, apresente neste ano apenas 87 filmes,
contra 120 em 2008 e 157 em
2007. Neste ano, a General Motors, à beira da concordata, não
estará entre as patrocinadoras.
Nem a Yahoo! ou a gigante de
varejo Target.
"Estamos tentando fazer a
nossa parte para recuperar a
confiança, a esperança e alguma inspiração durante esse
tempo de incertezas", afirma
Jane Rosenthal, uma das fundadoras do festival, que abrirá o
deste ano com um novo filme
de Woody Allen.
Próximo ao Lincoln Center,
em Columbus Circle, o ex-badalado restaurante Per Se é outro retrato da crise em Manhattan. Há um ano, as reservas de
clientes eram colhidas com
dois meses de antecedência. O
menu degustação vegetariano
custava US$ 275. Agora, o Per
Se oferece pratos "à la carte"
entre US$ 24 e US$ 46.
Próximo ao Per Se, o centro
de eventos culturais Lincoln
Center acaba de cancelar planos para o Jazz at Lincoln Center, um evento filantrópico que
pretendia levantar US$ 1.500
de 800 doadores. Agora, pretende realizar três eventos, a
US$ 400 por pessoa, no Dizzy's
Club Coca-Cola Jazz Lounge,
que comporta até 140 pessoas.
"Quando estamos em uma
recessão, o dinheiro para a caridade a entidades sem fins lucrativos seca não apenas entre
as grandes corporações mas
entre pessoas físicas também",
afirma John Whitehead, um
dos patrocinadores do Lincoln
Center Theater.
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