São Paulo, domingo, 19 de abril de 2009

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NY contra a crise

No epicentro do colapso financeiro, cidade tenta incentivar um exército de demitidos a empreender e luta para se adaptar à nova realidade econômica

FERNANDO CANZIAN
DE NOVA YORK

Restaurantes que há um ano pediam reservas com antecedência de pelo menos dois meses e que cobravam US$ 275 por cabeça agora vazios e oferecendo menus a US$ 24.
Jantares de gala e eventos musicais para levantar fundos para instituições beneficentes e universidades cancelados. Quando ocorrem, nada de tapete vermelho, artistas convidados, caviar ou carneiro no menu. Frango e bolo de carne no lugar e convites à metade do preço agora são a regra.
Para os menos ricos e sofisticados, algumas linhas de metrô e 20 rotas de ônibus menos rentáveis desativadas. Mas transporte público com preço por viagem subindo de US$ 2 para US$ 2,50. Mais de 1.100 empregos cortados na rede pública de transporte, desde a manutenção até a limpeza.
Apartamentos minúsculos que antes chegavam a custar US$ 350 mil agora vendidos abaixo de US$ 190 mil. Centenas de lojas e moradias para alugar vazios há meses em uma das regiões comerciais e residenciais mais concorridas e caras do mundo.
Festivais de cinema, shows e eventos públicos cancelados ou encolhidos. Menos pessoas com sacolas nas ruas ou ingressos na mão nas filas de cinema, de teatro, na Broadway.
Essa é a nova realidade de Manhattan, centro cosmopolita e financeiro do mundo, no coração de Nova York.
Altamente dependente da receita gerada pelos bancos e pelas instituições financeiras e movimentada pelos salários e pelos bônus de executivos do mercado, Nova York está no olho do furacão da atual crise.
Com o maior nível de desemprego desde outubro de 2003, cerca de 250 mil pessoas entre a população economicamente ativa de 3,6 milhões na cidade ainda podem perder seus empregos nesta crise, estima a empresa da área Comtroller.
Segundo estimativas da Comtroller, o valor dos bônus pagos a executivos de Wall Street encolheu cerca de 45% em 2008 na comparação com o ano anterior.
De acordo com as últimas estatísticas disponíveis do Departamento do Trabalho dos EUA, cerca de 15% de todos os salários pagos em Nova York provêm (ou provinham) dos bancos de Wall Street, nos quais os rendimentos eram três vezes, em média, mais elevados do que no resto da cidade.
Apenas os setores bancário e imobiliário, este também fortemente afetado (o valor dos aluguéis comerciais caiu 16% só em março), respondem por 25% da arrecadação de impostos em Nova York.
Já a média dos preços dos aluguéis para apartamentos de um quarto, por exemplo, caiu 6% no mês passado, para aproximadamente US$ 2.600 (R$ 5.800). Para os de dois quartos, a queda foi de 2,2%, para US$ 3.600 (cerca de R$ 8.000).
Em caráter emergencial, o prefeito Michael Bloomberg anunciou na semana passada um programa de US$ 45 milhões para incentivar demitidos no setor financeiro a criar novas empresas, oferecendo até escritórios montados para que possam começar uma nova vida.
"Cerca de 8% do PIB [Produto Interno Bruto] dos EUA é gerado pelo setor financeiro. Se isso vai encolher a 4%, como acredito, a área de Manhattan será a mais afetada em todo o país", afirmou o economista Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia, em entrevista na semana passada à imprensa estrangeira em Nova York.
Não só negócios fecham ou são adiados como gigantes como Citibank e Merrill Lynch abandonam prédios inteiros para cortar custos, deprimindo ainda mais o combalido mercado imobiliário.
Até a construção das três torres planejadas para o local onde até 11 de setembro de 2001 ficava o World Trade Center, derrubado pelo terroristas da Al Qaeda, foi adiada.

Lazer e caridade
Após um longo inverno, Nova York no início desta primavera (no hemisfério Norte) não está exatamente de baixo-astral. Mas é significativo que o mesmo festival de cinema criado após os ataques de 11 de Setembro (e em razão deles), o Tribeca Film Festival, apresente neste ano apenas 87 filmes, contra 120 em 2008 e 157 em 2007. Neste ano, a General Motors, à beira da concordata, não estará entre as patrocinadoras. Nem a Yahoo! ou a gigante de varejo Target.
"Estamos tentando fazer a nossa parte para recuperar a confiança, a esperança e alguma inspiração durante esse tempo de incertezas", afirma Jane Rosenthal, uma das fundadoras do festival, que abrirá o deste ano com um novo filme de Woody Allen.
Próximo ao Lincoln Center, em Columbus Circle, o ex-badalado restaurante Per Se é outro retrato da crise em Manhattan. Há um ano, as reservas de clientes eram colhidas com dois meses de antecedência. O menu degustação vegetariano custava US$ 275. Agora, o Per Se oferece pratos "à la carte" entre US$ 24 e US$ 46.
Próximo ao Per Se, o centro de eventos culturais Lincoln Center acaba de cancelar planos para o Jazz at Lincoln Center, um evento filantrópico que pretendia levantar US$ 1.500 de 800 doadores. Agora, pretende realizar três eventos, a US$ 400 por pessoa, no Dizzy's Club Coca-Cola Jazz Lounge, que comporta até 140 pessoas.
"Quando estamos em uma recessão, o dinheiro para a caridade a entidades sem fins lucrativos seca não apenas entre as grandes corporações mas entre pessoas físicas também", afirma John Whitehead, um dos patrocinadores do Lincoln Center Theater.


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