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São Paulo, segunda-feira, 19 de maio de 2003

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TRABALHO

Empresa que não dará reajuste é incluída nas listas de acordos divulgada

Sindicato da Força Sindical "turbina" acordos salariais

CLAUDIA ROLLI
FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

Os acordos salariais de emergência feitos pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo (Força Sindical) para repor as perdas causadas pela inflação não são o que parecem. Os números foram exagerados para mostrar o poder de fogo da central e pressionar mais indústrias a concederem antecipação salarial de 10%.
Empresas foram incluídas nas listas de acordos divulgadas diariamente pelo sindicato quando ainda negociavam a reposição ou tinham feito apenas acordos "no fio de bigode" (na confiança). Algumas das listadas nem sequer têm intenção de dar reajuste.
Os 1.773 acordos feitos em 48 dias para 177,4 mil metalúrgicos, como informa o sindicato -número considerado "fenômeno" até por sindicalistas da central-, incluem empresas representadas em acordos fechados por setor. Não são por fábrica, como anunciado especialmente no início da campanha salarial de emergência, que começou em 26 de março.
O que o sindicato fez foi somar empresas representadas em acordos com sindicatos patronais, as que sinalizaram com possíveis acordos, as que fizeram negociação apenas verbal e as que de fato formalizaram o acordo para mostrar sucesso nos números.
Mesmo levando em conta as 1.036 empresas que integram os acordos por setor (máquinas, distribuição de produtos siderúrgicos, fundição e autopeças), há uma diferença de 600 empresas.
É que, até a última sexta-feira, a Folha teve acesso a nomes de apenas 137 empresas que teriam feito acordo. Esse número foi obtido a partir de material divulgado pelo sindicato. A reportagem solicitou várias vezes a lista completa das indústrias que fizeram acordos.
O presidente do sindicato, Eleno José Bezerra, disse há dez dias que estava preparando a documentação sobre os acordos para levar à Folha. Não o fez até o fechamento desta edição.
No dia 11 de abril, o sindicato divulgou que havia feito até aquela data -ou seja, em 17 dias- 1.031 acordos: uma média de 60 acordos por dia. Para que isso tivesse ocorrido, nenhuma empresa poderia ter dito "não" ao sindicato no período.

"Subidinha"
"A papelada que envolveria a formalização desses acordos é enorme. Um sindicato não consegue fechar mil acordos em menos de 20 dias", diz Dráusio Rangel, negociador do Sindipeças (reúne autopeças). Três dirigentes da Força, que preferiram não se identificar por temerem retaliações políticas, confirmaram à Folha a "subidinha" nos números. Contam que houve um boom na abertura de negociação, mas só uma parte resultou em acordos.
Ao consultar metade dessas 137 empresas divulgadas pelo sindicato, a Folha constatou que são raros os casos em que a antecipação de 10% foi concedida de uma só vez, como o sindicato dava a entender no início da campanha. As indústrias e o sindicato parcelaram os reajustes em até quatro vezes. Isto é, os 10% "cheios" só incidirão mesmo sobre os salários a partir do quarto mês de reajuste.
O abono, criticado pelo sindicato dos metalúrgicos por ser estratégia usada pela rival CUT, também fez parte, sim, dos acordos da Força, no caso de salários mais altos desde início da campanha. E, na última quinta-feira, o sindicato aceitou o abono por setor: fechou acordo com o Sindipeças, com intermediação da Justiça do Trabalho, que vai valer para 325 empresas e 17 mil trabalhadores.
A Electron, uma das empresas que está na lista das que fecharam acordo de antecipação, diz que fez uma negociação informal com o sindicato. "Uma coisa é dizer que concordo com o aumento de 10%. Outra é assinar um papel que estabelece um reajuste em tantas vezes e vencimentos. O fato é que não fechei acordo com o sindicato nem temos condições de dar esse aumento agora", diz Christine Ritter Von Weiss, sócia da metalúrgica Electron.
A autopeças Mauser é outra que foi incluída na lista do sindicato sem ter feito acordo. Wagner Ribeiro, gerente, informa que havia uma proposta de acordo até a última quinta-feira, quando foi feita uma assembléia na fábrica. Os funcionários aprovaram o pagamento de 10% de antecipação em três vezes. O sindicato, porém, divulgou em e-mail enviado à Folha no dia 16 de abril que já havia fechado acordo com essa empresa.
Para José Roberto Mello, gerente da Rolamentos Fag, o movimento por reajuste, que levou o principal sindicato da Força ao noticiário, também tem objetivo político. "As cartas também estão sendo colocadas na mesa em razão das eleições no ano que vem", diz, ao se referir ao fato de o presidente da central, Paulo Pereira da Silva, estar interessado na vaga de prefeito de São Paulo.

Na ponta do lápis
A pedido da Folha, economistas compararam os acordos de antecipação com os de abono, considerando um salário de R$ 1.000 em março. No caso de a antecipação ser três parcelas de 3,23% (sobre o salário do mês anterior), o trabalhador recebe R$ 12.430,43 (valor nominal) em 12 meses. No caso do abono (R$ 900 pagos em duas vezes), receberá R$ 12.900. A diferença é de R$ 469,57. Considerando nesses cálculos férias, FGTS, 13º e Imposto de Renda, a diferença cai para R$ 116,03.
Ao divulgar que conquistou em média 10% de antecipação, o sindicato reforçou a idéia de que alguns reajustes foram superiores a esse percentual. Não foi o que ocorreu. O máximo foi 10%.
Na Rayton, os 8,5% são divididos em maio, junho e julho para quem ganha até R$ 1.800. Na Fanandre, 7% em junho, julho e agosto para quem recebe até R$ 2.200. A Samot foi a única indústria, entre as consultadas pela Folha, que concedeu a antecipação de 10% de uma vez só em maio.

Sem registro
O sindicato dos metalúrgicos informa que fez esse montante de acordos, mas não há comprovação pública de que existem -não foram registrados na Delegacia Regional do Trabalho. Para o sindicato, não é preciso. O Ministério do Trabalho não pensa assim. "Para ter força e serem fiscalizados, precisam ser registrados", diz Nelson Santos, do ministério.
Se um trabalhador recorrer à Justiça para cobrar uma antecipação acertada e não paga, diz, ele terá de mostrar o protocolo do registro do acordo na DRT.
A Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo encaminhou há uma semana ofício ao sindicato e à DRT para obter cópia dos acordos para poder prestar serviços aos trabalhadores, caso queiram recorrer à Justiça. Ainda não obteve resposta.


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